segunda-feira, 7 de maio de 2018

O que é ser um militante? (*)


A primeira coisa é que um militante, milita. As causas podem ser as mais diversas, o antirracismo, o feminismo, o orgulho LGBT, a luta por moradia, a defesa dos direitos humanos e um largo et cetera. Pode ser militância coletiva ou pode ser individual, mas um militante milita. Dedica nem que seja uma pequena parte de seus dias, talento e energia para uma causa.
Se alguém acha justa e apoia uma luta, vai até a uma outra passeata e posta aqui ou acolá em suas redes sociais uma menção a uma campanha ou quem sabe assina abaixo assinados sejam no papel ou virtuais, isso, por si só, não o torna um militante. Simpatizante seria o termo mais adequado para essa modalidade. Um militante milita. Assume tarefas de acordo com suas capacidades e faz o possível para cumpri-las.
Um militante orgânico é algo ainda maior. Ele não simplesmente assume uma causa. Ele vai além. Sabe que sozinho sua militância é absolutamente ineficaz. Não se dispõe a ser o beija-flor buscando gotas de orvalho para apagar o incêndio na floresta. Não se satisfaz com o “estou fazendo a minha parte” enquanto todos os demais nem se dão conta. Até porque para ele não se trata de convencer, satisfazer ou consolar a si próprio, e sim, de verdadeiramente “apagar o incêndio”. Leva tão a sério sua causa, porque é justa e necessária, que junta-se a outros e constrói laços de solidariedade e coletividade. Um militante orgânico é em si um ser coletivo que não basta a si mesmo, que se organiza e atua com outros. Não busca sonhos mas realidade.
Se dispõe a enxergar coletivamente os meandros e dificuldades para alcançar seus propósitos e fazer valer seus princípios. Faz de tudo para viver o coletivo porque sabe que para opinar e decidir os rumos da luta que é não só sua, mas de todos, é preciso estar presente. Enfrenta as dificuldades para estar junto até porque nessa vida corrida imposta pelo capitalismo, onde tempo é dinheiro, encontrar condições para reunir-se com outros é por si só já um grande ato de subversão. E quando mesmo enfrentando as dificuldades, não consegue vencê-las e precisa fazer-se ausente, avisa aos seus que dessa vez não será possível e sente-se na obrigação de superar-se no próximo enfrentamento.
Sabe que para ser militante orgânico no capitalismo, não basta doar tempo e talento, é preciso levantar fundos financeiros para a luta coletiva. Além de tempo doado para estar, pensar e agir junto, também se move na garantia de finanças coletivas, algumas vezes como parte de seu tempo trabalhado na forma de cota, outras fruto de campanhas individuais ou coletivas.
Leva tão a sério sua causa, que ainda que discorde dessa ou daquela tarefa, ou dessa ou daquela linha discutida coletivamente, aceita fazê-la valer se assim for a conclusão da maioria de seu coletivo. Existem aqueles que o fazem inclusive independente da opinião da maioria do coletivo, bastando que um “superior” diga que é pra fazê-lo. No fim conspira contra a própria causa coletiva, sendo um imenso contrassenso, e mesmo não sendo o melhor tipo de militância orgânica segue o sendo, até pelo menos virar puro seguidismo digno de seitas e não de organizações militantes.
Entre as causas mais dignas que um militante pode abraçar está a causa do socialismo que tem exatamente o tamanho do mundo inteiro e que só pode ser vencida a muitas e muitas mãos. A causa do socialismo abrange a luta contras as opressões de todas as espécies porque não existe capitalismo sem opressão. A luta por um teto pra morar, terra pra plantar, escola pra aprender, hospital pra cuidar e vida boa e digna pra viver passa pelo socialismo que almeja o fim da propriedade privada que garante toda a riqueza criada para o tal 1%. A luta pelo fim definitivo da escravidão e por direito a trabalho digno é a luta pela destruição do capitalismo. A própria batalha pela sobrevivência da humanidade e pelo planeta em que vivemos com toda sua diversidade e beleza passa por parar esse sistema maldito criado por nós e pela sua substituição por um outro modo de viver, trabalhar e partilhar os frutos do trabalho, de “cada um conforme sua capacidade” e “a cada um conforme suas necessidades”.
Se existe uma luta que precisa e vale a pena ser lutada, a muitas mãos e de forma organizada, é a nossa, a causa dos socialistas. Digna de multidões de simpatizantes mas ávida por militância orgânica e coletiva. Organizemo-nos camaradas. Há uma batalha maior logo a frente no meio dessa longa guerra que precisa ser vencida e não pode ser adiada.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 05/10/2017
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/10/05/o-que-e-ser-um-militante/

A peleja de memes entre “antirracistas” e “marxistas” na terra do golpe (*)


Quando escrevo estas linhas estamos às vésperas da votação no Senado Federal da contrarreforma trabalhista e curiosamente minha timeline não está abarrotada de denúncias sistemáticas de cada uma das medidas antipovo trabalhador e nem muito menos de cada um dos senadores e senadoras que estão a um voto de destruir um século de proteção social do povo brasileiro. Por outro lado, pululam memes supostamente antirracistas que insistem em afirmar que o marxismo de nada serve ao povo preto brasileiro, enquanto marxistas, pretos ou não, esforçam-se para resgatar figuras e personalidades negras que reivindicaram ou reivindicam o legado de Marx.
De lá pra cá e de cá pra lá, reproduzem-se “tretas” e “vrás”, enquanto os senhores do poder avançam sobre a ponte que legaliza o trabalho análogo ao escravo no Brasil. Eles, os novos donos da Casa Grande, megaempresários via de regra homens, brancos e podres de rico, seguem a festejar o novo cardápio de superexploração e opressão prestes a ser aprovado enquanto estudantes e trabalhadores pretos ou “quase pretos de tão pobres” fazem guerra de memes acerca do marxismo num imenso desperdício de força e energia.
É claro que é absurdo o argumento de que os pretos nada tem a aprender com o alemão Karl Marx. É como dizer a negras e negros que chegando à universidade não estudem Einstein pois ele é um europeu branco e a teoria da relatividade em nada serve aos que temos raízes africanas. Da mesma forma, Galileu Galilei e a lei da gravidade não devem ser estudados, nem muito menos o esnobe inglês Isaac Newton e que por sua vez as leis da física moderna são entulhos eurocentristas. Ninguém, com uma gota de sensatez na mente que seja, pensa em falar nisso nem no campo da Física, nem de nenhum outro tema em nenhum outro ramo de conhecimento. Todavia, no campo da teoria revolucionária, Marx e todos os que reivindicam seu legado, devem ser tratados como malditos, não pelos brancos e ricos, mas pelos pobres e pretos.
Não poderíamos discordar mais dessa atitude do que já discordamos e poderíamos passar horas falando sobre isso, mas vale dizer que sequer tais argumentos antimarxistas tem quaisquer coisas de novidade. No livro “We want freedom”, publicado desde a cadeia estadunidense por Mumia Abul Jamal, um dos poucos sobreviventes do Partido dos Panteras Negras, é possível encontrar um diálogo entre um jovem pantera e um militante islâmico negro que ao venderem seus jornais no Bronx, trocam ideias. Em determinado momento o pantera ouve de seu concorrente a seguinte provocação “Vocês deveriam seguir um homem negro, e não judeus como Marx e Lênin!” [1], ao que prontamente responde “Somos revolucionários, irmão, e nós estudamos sobre revolucionários em todo o mundo. Não estamos preocupados com a raça deles”. E isso foi durante a campanha pela libertação de Huey P. Newton no final dos anos 1960, há quase meio século atrás.
Os Panteras sabiam que o marxismo e o leninismo eram ferramentas poderosas demais para não serem utilizadas pelo povo pobre negro estadunidense. Assim como empunharam armas nas ruas do gueto, independente da pólvora ter sido inventada por chineses e a indústria bélica ser desde sempre branca, não abdicaram de estudar e conhecer o marxismo, o leninismo e tantas outras correntes e ideias revolucionárias. Dizer a um pantera, ainda que jovem, para ignorar Marx e Lênin era o mesmo que dizer não se organize, não ande armado, não pratique sua autodefesa. E toda vez que alguém diz isso a um jovem negro brasileiro, a única coisa que me vem a cabeça é “a quem interessa que os pretos e pretas não estejam organizados contra a burguesia brasileira?”.
Por outro lado, de pouco adianta aos verdadeiros marxistas falar dos benefícios ou contraindicações de Marx, o quanto o velho barbudo foi feroz inimigo dos escravocratas estadunidenses do século XIX ou sobre os mais variados episódios isolados em que fez ou deixou de fazer isso ou aquilo. Muito menos parece sensato, entrar na guerra de memes para defender o “sacrossanto” nome de Marx, ao ponto de se criar até página no Facebook para zoar de quem está em uma cruzada contra os “brancos marxistas europeus”. É um deixar se arrastar pela provocação mais minúscula que deixaria o velho mouro, pra dizer o mínimo, envergonhado. E isso, repito, às vésperas da aprovação da contrarreforma trabalhista.
Bem, não é disso que o marxismo trata. O melhor que fazem os que revindicam o legado de Lênin e Marx no Brasil é usar das teorias e instrumentos para organizar o povo pobre e trabalhador brasileiro na luta para derrotar os donos do poder e suas contrarreformas. Organizar nas favelas, ruas, campos e construções, o imenso mar de trabalhadores, em sua imensa maioria negra, para seguir exigindo a queda de Temer e caindo este, que se exija também a queda de Maia, de Eunício e de quem quer que ouse avançar sobre os parcos direitos e benefícios sociais de nosso povo.
[1] Página 112.
(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 10/07/2017
 
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/07/10/peleja-de-memes-entre-antirracistas-e-marxistas-na-terra-do-golpe/

sábado, 5 de maio de 2018

Quem tem medo da Greve Geral? (*)



Está marcada para o próximo 28 de abril a primeira greve geral brasileira do século XXI, para ser mais exato, a primeira greve geral dos últimos 26 anos. Todo ativista do movimento sindical e organizado surgido pós-1991 nunca viu, nem participou de algo parecido, só ouviu falar. Greves vimos aos montes nesses últimos anos, em especial por categorias e algumas delas até nacionalizadas, mas uma greve que se proponha a parar várias categorias do setor público e privado ao mesmo tempo em todo o país pelas mesmas bandeiras, só em sonhos ou nas palavras de ordem inaplicáveis levantadas por algumas organizações.
Passado tanto tempo sem nada parecido é normal que inclusive se duvide da capacidade tanto de fazer acontecer como do possível resultado positivo que poderia vir a partir daí. E não é pra menos. Desde 1991, já se foram 12 anos de neoliberalismo e reestruturação produtiva passando por Collor, Itamar e FHC somados a outros 13 anos de conciliação de classes de Lula e Dilma, e já quase um ano de rapina antinacional, antipopular e em especial anti-operária do golpista Michel Temer. Isso tudo tem um peso violento sobre o imaginário coletivo das brasileiras e brasileiros e também sobre a cultura e tradição das lutas de classe, e como não poderia deixar de ser, sobre a própria consciência de classe. Esse não é um pequeno detalhe. Não seria possível tentar fazer perder direitos e conquistas sociais das classes trabalhadoras brasileiras se já não tivessem sido perdidos valores e consciência de classe conquistados a duras penas.
Em recente pesquisa qualitativa realizada pela Fundação Perseu Abramo[1] sobre o imaginário social das periferias de São Paulo, identificou-se que os paulistanos não se identificam com a rivalidade entre ricos e pobres, esquerda versus direita ou em burguesia versus proletariado; que é possível vencer na vida por mérito próprio sem interferência do Estado tal como Lula, Silvio Santos ou Dória; e que o grande inimigo da população é o próprio Estado. As esferas do comunitário e do coletivo, e com elas o próprio senso de solidariedade foram perdidos. O individualismo e a meritocracia fazem parte dos valores da população das periferias da Grande São Paulo e que em certa medida é um grande espelho do que pensa e do que é a periferia e a classe trabalhadora em todo Brasil.
Esse cenário desastroso tem sido terreno fértil para proliferação do neopentecostalismo com sua “teologia da prosperidade” e também dos movimentos liberais-conservadores brasileiros. Mas para nada está dito que esse sertão não possa virar mar. A classe operária quando entra em luta aprende muito rápido. Sim, estamos imensamente atrasados e desarmados mas as medidas antipopulares desse governo são tantas e tamanhas que empurram a classe para a resistência. A essa altura Temer já é o presidente mais impopular da história dos presidentes; mesmo sem entender os meandros técnicos da contrarreforma previdenciária a população sabe que ela é ruim para os de baixo; o governo até então quase que imbatível já não possui base para a aprovação da PEC 287 com somente 101 votos[2] confirmados dos 308 necessários e desde que sejam feitas mudanças na proposta original do governo. É preciso enxergar que há mudanças nos ventos da luta de classe e que as lutas de março foram a base para essas mudanças. Se março, com suas manifestações de ruas e paralisações foi capaz de tais mudanças, imaginemos o que não será capaz de fazer a greve geral de 28 de abril.
Se vale a experiência histórica, em julho de 1917, tivemos a primeira greve geral brasileira que no decorrer de um mês inteiro mudou e moldou as relações de trabalho para sempre. A burguesia brasileira nasceu escravocrata e se ainda hoje mantém tais valores, imaginemos como não era há 100 anos, quando mal se faziam 30 anos da abolição. A ideia de pagar salários aos trabalhadores negros recém libertos era tão repugnante à elite brasileira de então que apelou-se à importação de trabalhadores europeus, mas ainda assim, tentando manter com esses trabalhadores a mesma relação de superexploração e humilhação que tinha para com os homens, mulheres e crianças escravizados por séculos a fio. Os relatos de trabalhadores italianos tratados na base do açoite ao reclamar da falta de pagamentos nas fazendas de café são muitos[3]. A jornada de trabalho diária de 12 a 16 horas contrastava com a jornada inglesa de 8 horas diárias reivindicada pelo movimento operário europeu desde 1866[4] e até mesmo conquistada em muitos países e categorias mundo afora. O trabalho de menores de 14 anos, o trabalho noturno de mulheres, a perseguição e prisão de grevistas, a proibição de sindicatos, os salários aviltantes e o próprio atraso de meses desses salários foram a base para a primeira greve geral no país. A partir dela, os trabalhadores se colocaram em movimento de tal maneira que o Estado brasileiro se viu obrigado a ceder cada vez mais e mais. Nesse contexto, é bom notar que a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943 nada mais foi que a criação de um código único que condensasse o conjunto de conquistas que os trabalhadores vinham arrancando desde sua grande greve de 1917[5].

Nos anos 1980, tivemos não só uma mas quatro grandes greves gerais. A primeira delas em 1983 durante o governo do general João Batista Figueiredo. Três milhões de trabalhadores, entre eles metalúrgicos, bancários, metroviários, professores e servidores públicos atenderam ao chamada da então comissão pró-CUT e paralisaram suas atividades em solidariedade à greve nacional dos petroleiros duramente reprimida pelo governo federal. A greve consolidou a possibilidade de fundação da Central Única dos Trabalhadores e acelerou o processo de redemocratização do país e da própria derrota do regime militar.

As greves gerais de 1986 e 1987 que se levantaram contra o governo Sarney, a carestia e seus planos cruzados tiveram também um impacto poderosíssimo sobre a recém inaugurada democracia brasileira. Em dezembro de 1986, vinte e cinco milhões de trabalhadores paralisaram suas atividades. Em agosto de 1987, o contingente foi menor mas o impacto foi igualmente poderoso. Foi nesse cenário de grandes greves operárias que ajudaram a derrubar Figueiredo e a imobilizar Sarney que foi promulgada em 1988, a chamada Constituição Cidadã. Os congressistas constituintes, em sua imensa maioria, homens e brancos, representantes diretos da mesma burguesia que nunca rompeu de fato com sua essência escravocrata, aprovaram entre outras coisas que racismo no Brasil é crime inafiançável e que as mulheres em função da dupla jornada têm o justo direito de aposentar-se mais cedo. É no mínimo ingenuidade acreditar que esses senhores não foram pressionados pelo ambiente de ascenso operário dos 1980.

Após a vitória arrancada na Constituinte de 1988 com a liberdade sindical, o direito de greve e a manutenção dos direitos conquistados desde a primeira greve geral brasileira consolidados na CLT, o movimento operário do final da década de 1980 deu um salto. Segundo dados do DIEESE no período de janeiro a agosto de 1989 ocorreram 1346 paralisações de trabalhadores, enquanto no mesmo período em 1988, as paralisações haviam sido 292. As greves e paralisações mais que quadruplicaram. Diante da crise econômica e do risco de hiperinflação o governo Sarney tentou jogar nas costas da classe trabalhadora o peso da crise com o chamado Plano Verão que propunha congelar os salários dos trabalhadores. A resposta foi a maior greve geral de nossa história paralisando 35 milhões de brasileiros nos dias 14 e 15 de março de 1989. O ascenso do movimento social era indiscutível.

No caminho do ascenso, porém, houve uma eleição. A primeira eleição direta para presidente da república depois de quase três décadas do pleito que levou Jânio Quadros e João Goulart à presidência e vice-presidência da república respectivamente, em 3 de outubro de 1960. As ilusões democráticas eram praticamente intransponíveis. O PT fundado somente 9 anos antes levou ao segundo turno a maior figura pública que o movimento operário brasileiro criara e por muito pouco, não fez em 1989 o primeiro presidente operário de sua história. O impacto tanto da derrota eleitoral de Lula como de sua quase vitória foi avassalador e deu início ao processo de refluxo do movimento operário. A derrota teve um peso fundamental sobre as massas que saíram desmotivadas e a quase vitória impactou, em especial, a vanguarda do movimento operário que abraçou com todas as forças o projeto de fazer Lula presidente, construindo o chamado “modo petista de governar”. Em 1991, nossa última greve geral[6], essa contra as medidas do governo Collor de Melo, mobilizou 19,5 milhões de trabalhadores e ainda que tenha feito parte do crepúsculo do intenso movimento de greves gerais dos 1980[7], de algum modo também deixou sua marca em construir as bases para o Fora Collor de 1992.
Agora quando nos aproximamos da greve geral de 28 de abril não temos o direito de deixar escapar essa oportunidade de nossas mãos. Partimos de muita incompreensão, desconfiança e deseducação política, mas o que fizermos agora para garantir o sucesso do 28A poderá entrar para a história do movimento operário brasileiro. Talvez, só talvez, poderemos estar entre os homens e mulheres que em abril de 2017 pararam o Brasil e construíram o caminho não só para derrotar as abomináveis contrarreformas trabalhista e previdenciária, mas que também criaram as condições de colocar o ponto final no desgoverno de Temer e suas corja de bandidos. Não estamos lidando com nenhuma certeza absoluta e hoje por hoje a correlação de forças segue favorável ao governo golpista. Até mesmo por isso é preciso dedicar-se com afinco nos próximos dias a consolidar e fazer acontecer o 28 de abril. Temos absolutamente todos os motivos para afirmar que definitivamente, nós, trabalhadoras e trabalhadores não estamos entre os que têm a temer e muito menos a perder com a Greve Geral. Que ela venha e que seja forte e fonte de inspiração para as próximas grandes lutas no país.
NOTAS:

[1] “Percepções e valores políticos na periferia de São Paulo”, disponível em http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/Pesquisa-Periferia-FPA-04042017.pdf
[2] A atualização de domingo, 16/04, do placar da previdência dá conta que 275 deputados estão contra a reforma do governo, 101 a favor e 137 não se definiram ou não se pronunciaram tal como mostra o artigo da IstoÉ negócios publicado também em 16/04. Ver https://goo.gl/Lkv8cy
[3]  Um relato interessante pode ser lido no capítulo “O inferno da Fazenda” do livro “Oreste Ristori: uma aventura anarquista” de Carlo Romani.
[4]  Em 1866 ocorreu a primeira conferência da Associação Internacional dos Trabalhadores na qual foi unânime a reivindicação pelas 8 horas diárias. Vito Giannotti discorre sobre a luta pela jornada diária de 8 horas no mundo em seu “História das lutas dos trabalhadores no Brasil”.
[5]  Sobre a greve de 1917 vale o artigo de Rafael Tatemoto na Brasil de fato. https://www.brasildefato.com.br/2017/04/12/primeira-greve-geral-brasileira-completa-100-anos/
[6] Em 1996, no governo FHC, as centrais sindicais convocaram uma greve geral que acabou se demonstrando como um mero movimento de barganha e blefe político, sendo desmarcada pelas mesmas centrais no dia anterior. Ainda assim, 5 milhões de trabalhadores chegaram a paralisar suas atividades.
[7] O Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT guarda uma cronologia das principais lutas dos anos 1980 em diante dando destaque às greves gerais. Acesso disponível em http://cedoc.cut.org.br/cronologia-das-lutas
(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 19/04/2017http://novaorganizacaosocialista.com/2017/04/19/quem-tem-medo-da-greve-geral/

Trabalhar até morrer. Morrer de tanto trabalhar (*)


O ano de 2016 encerrou-se com a aprovação da EC 95 (PEC 55) no Senado Federal impondo que pelas próximas duas décadas a imensa maioria do povo brasileiro encaixe suas vidas ao IPCA (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo). Na prática o que diz o governo Temer é que daqui pra frente não devem nascer, crescer, adoecer, aposentar-se ou até mesmo morrer nada mais do que a inflação permita. Se fizerem, que o façam por sua conta e risco. Está constitucionalmente proibido prestar-lhes assistência. 
Suponhamos “hipoteticamente” que estoure uma crise no sistema prisional, que estados do Nordeste enfrentem crises hídricas, que surtos de febre amarela tomem conta de áreas do país, que uma crise econômica derreta o PIB nacional ou que o desemprego atinja níveis alarmantes de mais de 20%. É verdade que é difícil para nós, brasileiros, imaginar um cenário tão catastrófico mas façamos o esforço ainda que com mero propósito didático. Pois bem, um governo supostamente “normal” em qualquer canto do mundo investiria dinheiro público muito além do que vinha investindo até então para tentar superar o momento de dificuldade. Mas o que fará nosso Brasil temerário e temeroso? Olhará para a inflação e dirá: “veja bem, o IPCA de 2016 foi de 6,29%, então eu até entendo que epidemias, secas e crises não consideram a inflação, até deveriam, mas não consideram. Então, infelizmente, eu sinto muito mas só poderemos atender a quem atendemos no ano passado mais 6,29% de forma a não ferir nossa amada Constituição Federal”. Que beleza não é mesmo? No final das contas é mais ou menos assim, mas para ser correto me permitam uma correção: pode-se até investir um pouco mais ali ou acolá acima da inflação mas com aquela conhecida lógica de cobertor curto, cobrindo a cabeça e descobrindo os pés, em uma verdadeira irresponsabilidade política e social.
Mas nem tudo está perdido, dizem alguns. Afinal Lula está com 30% das intenções de voto para 2018 e… Espera! Como assim 2018? Esse povo não entendeu o que é a EC 95? Sério? Me permitam explicar. Ela é o que podemos chamar de a “maldição do vice decorativo”. Foi em 07 de dezembro de 2015, com direito a citação em latim, que o até então senhor de todas as mesóclises veio a público em “carta pessoal vazada” desabafar sobre seu papel de “vice decorativo”. O tom da carta deixava clara às mágoas profundas de ter seu amigo Moreira Franco (agora ministro de Temer) fora do governo, de não ter sido convidado para conversar com o vice estadunidense quando este por aqui esteve, de não ter sido elogiado pelo infame “Uma ponte para o futuro” e outras xurumelas. Aquilo ficou tão doído que o ainda vice deve ter pensado: “Ah, mas eles vão ver. Minha vingança será maligna. Não só dá-lo-emos o golpe, como pedi-lo-ei ao Meirelles que prepare uma PEC que faça com que daqui pra frente os próximos 5 presidentes sejam meramente decorativos. Podem até se eleger com voto popular mas não poderão fazer mais nada, quem vai mandar no país é a PEC do Temer.” Pois é. Agora é constitucional. São vinte anos de presidentes decorativos. E pra deixar de ser assim, pelo menos pelas regras do jogo, só mudando a constituição, com votação em dois turnos de 3/5 dos deputados e senadores. Pode-se até mandar novo projeto pro Congresso mas vai ter que “convencer” 308 de 513 deputados e 49 de 81 senadores.
No fim, o golpe já está pago e muito bem pago. Mas como maldade pouca é bobagem, Temer e sua gangue, como que num verdadeiro show de ofertas a la canais de televendas, oferecem mais e mais aos senhores do poder, bem naquele estilo “e não é só isso” pra vender facas Ginsu e meias Vivarina. O que Temer por sua vez vende é sua continuidade no palácio do planalto apesar das inúmeras irregularidades e do incomparável índice de rejeição nas alturas. Para fazer engolir mercadoria de tão asquerosa qualidade, além de arrebentar com a educação pública via medida provisória, de preparar a entrega de terras brasileiras a estrangeiros, de querer restringir o direito de greve dos servidores (em especial os da saúde, segurança e educação) a superoferta da vez serão as contrarreformas da previdência e trabalhista. Em menos de um ano de desgoverno, Temer pretende deixar para trás qualquer alcunha de peça de decoração destruindo a seguridade social, uma das principais conquistas da Constituição de 1988, e a própria Consolidação das Leis Trabalhistas com o advento do “negociado sobre o legislado”. Idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mínimo de 25 anos de contribuição, 49 anos de contribuição para aposentadoria integral entre outras maldades da PEC 287 são o que se pode chamar de “Trabalhar até morrer”. Jornada mensal de 220 horas com até 12 horas diárias, intervalo de 30 minutos, percurso para o trabalho sem contar como hora trabalhada, remuneração por produtividade, por sua vez, são algumas das “modernidades” do PL 6787 que abrirá as portas para que se possa “Morrer de tanto trabalhar”.
A contrarreforma da previdência se aprovada torna-se Emenda Constitucional e não tem salvador da pátria que resolva pelas regras do jogo. Já a “modernização” da CLT que levará as relações de trabalho de volta aos séculos XIX ou mesmo XVIII só deixará de valer passando por cima dos setores empresariais do país. Não haverá “Feliz 2018” que dê jeito. As batalhas que as trabalhadoras e trabalhadores precisarão travar para não ter que passar pelo inferno de “trabalhar até morrer e morrer de tanto trabalhar” precisarão ser assumidas para agora, para já. Não temos tempo a perder nem pelo que esperar. O 08 e o 15 de março precisam ser transformados em um grande movimento de unidade na luta que entre abril a dentro e possa assim, quem sabe, fazer desmoronar o desgoverno Temer. Mãos a obra e vamos à luta.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 02/03/2017
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/03/02/trabalhar-ate-morrer-morrer-de-tanto-trabalhar/

Precisamos falar sobre a Estônia (*)



A República da Estônia é um país de 45.339 quilômetros quadrados situada no norte da Europa com um PIB de 35 bilhões de dólares, uma população de 1 milhão e 266 mil habitantes, renda per capita de 26,5 mil dólares e coeficiente de Gini de 34 pontos. Tornou-se independente da Rússia em 1992 e teve seu seu ingresso aceito na União Europeia em 2004. Tendo o tamanho do estado do Espírito Santo e um inverno rigoroso com o país coberto por neve entre 75 a 135 dias por ano, somente 16% de sua população acredita que exista um Deus. O futebol é inexpressivo e seu maior atleta é um esquiador.
A Estônia não tem nada a ver com o Brasil. Ou quase nada. Em pelo menos uma coisa Brasil e Estônia se igualam. Sãos os únicos dois países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que não taxam suas grandes fortunas. A OCDE, chamada também de “Grupo dos Ricos”, foi fundada em 1961 e possui 36 países membros, entre eles Alemanha, EUA, Japão, México, Grécia, Chile, França, Portugal e também o Brasil (pelo menos segundo declaração do próprio secretário-geral feita em junho deste ano).
Praticamente todos os países da OCDE tributam seus super-ricos. Na Alemanha, 48% da tributação total é proveniente dos lucros. Nos Estados Unidos esse número é de 57% e na França chega a 64%. Já o nosso querido Brasil é conhecido como paraíso tributário para milionários e bilionários. A Constituição de 1988 até prevê a taxação das grande fortunas mas, passados 28 anos desde sua promulgação, nenhum centavo vindo daí entrou nos cofres públicos brasileiros em função da ausência de lei específica para regulamentar. O peso pesado dos impostos brasileiros incide sobre renda e consumo e assim quem acaba sustentando o país é quem recebe a mordida do Leão direto no contra-cheque e quem precisa comprar pão e leite na mercearia.
Só em 2013 , os 71 mil brasileiros mais ricos (0,05% da população adulta) embolsaram quase 200 bilhões de reais livres de qualquer tributação. Caso aplicássemos a média da taxação de grandes fortunas da OCDE que é o percentual da Alemanha seriam 96 bilhões de reais nos cofres públicos. Usando o índice do Tio Sam seriam 114 bi e uma taxa à francesa nos renderia 128 bilhões. Isso em 2013. Diga-se de passagem, de lá pra cá os super-ricos brasileiros não ficaram qualitativamente menos milionários que antes. Somos o décimo sétimo país com mais milionários no mundo, com 149 mil pessoas nessas condições, estando à frente do Kuwait, Hong Kong, Noruega, de todos nossos hermanos da América Latina e também da Estônia.
Em tempos de “PEC do Fim do Mundo” e dos argumentos abobalhados que não se pode gastar mais do que se arrecada é bom ter em mente que ao invés de penalizar os brasileiros mais pobres e necessitados é possível aumentar significativamente a arrecadação simplesmente deixando de ter tanta piedade com nossos “pobres e indefesos” milionários.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 10/11/2016
http://novaorganizacaosocialista.com/2016/11/10/precisamos-falar-sobre-estonia/