segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Não existe crise 'mortal' para o capitalismo. #TrotskyEnsina


Não há nenhuma crise que, por si mesma, possa ser 'mortal' para o capitalismo. As oscilações da conjuntura criam somente uma situação na qual será mais fácil ou mais difícil para o proletariado derrotar o capitalismo. A passagem da sociedade burguesa para a sociedade socialista pressupõe a atividade de pessoas vivas, que fazem sua própria história.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

O que é ser um militante? (*)


A primeira coisa é que um militante, milita. As causas podem ser as mais diversas, o antirracismo, o feminismo, o orgulho LGBT, a luta por moradia, a defesa dos direitos humanos e um largo et cetera. Pode ser militância coletiva ou pode ser individual, mas um militante milita. Dedica nem que seja uma pequena parte de seus dias, talento e energia para uma causa.
Se alguém acha justa e apoia uma luta, vai até a uma outra passeata e posta aqui ou acolá em suas redes sociais uma menção a uma campanha ou quem sabe assina abaixo assinados sejam no papel ou virtuais, isso, por si só, não o torna um militante. Simpatizante seria o termo mais adequado para essa modalidade. Um militante milita. Assume tarefas de acordo com suas capacidades e faz o possível para cumpri-las.
Um militante orgânico é algo ainda maior. Ele não simplesmente assume uma causa. Ele vai além. Sabe que sozinho sua militância é absolutamente ineficaz. Não se dispõe a ser o beija-flor buscando gotas de orvalho para apagar o incêndio na floresta. Não se satisfaz com o “estou fazendo a minha parte” enquanto todos os demais nem se dão conta. Até porque para ele não se trata de convencer, satisfazer ou consolar a si próprio, e sim, de verdadeiramente “apagar o incêndio”. Leva tão a sério sua causa, porque é justa e necessária, que junta-se a outros e constrói laços de solidariedade e coletividade. Um militante orgânico é em si um ser coletivo que não basta a si mesmo, que se organiza e atua com outros. Não busca sonhos mas realidade.
Se dispõe a enxergar coletivamente os meandros e dificuldades para alcançar seus propósitos e fazer valer seus princípios. Faz de tudo para viver o coletivo porque sabe que para opinar e decidir os rumos da luta que é não só sua, mas de todos, é preciso estar presente. Enfrenta as dificuldades para estar junto até porque nessa vida corrida imposta pelo capitalismo, onde tempo é dinheiro, encontrar condições para reunir-se com outros é por si só já um grande ato de subversão. E quando mesmo enfrentando as dificuldades, não consegue vencê-las e precisa fazer-se ausente, avisa aos seus que dessa vez não será possível e sente-se na obrigação de superar-se no próximo enfrentamento.
Sabe que para ser militante orgânico no capitalismo, não basta doar tempo e talento, é preciso levantar fundos financeiros para a luta coletiva. Além de tempo doado para estar, pensar e agir junto, também se move na garantia de finanças coletivas, algumas vezes como parte de seu tempo trabalhado na forma de cota, outras fruto de campanhas individuais ou coletivas.
Leva tão a sério sua causa, que ainda que discorde dessa ou daquela tarefa, ou dessa ou daquela linha discutida coletivamente, aceita fazê-la valer se assim for a conclusão da maioria de seu coletivo. Existem aqueles que o fazem inclusive independente da opinião da maioria do coletivo, bastando que um “superior” diga que é pra fazê-lo. No fim conspira contra a própria causa coletiva, sendo um imenso contrassenso, e mesmo não sendo o melhor tipo de militância orgânica segue o sendo, até pelo menos virar puro seguidismo digno de seitas e não de organizações militantes.
Entre as causas mais dignas que um militante pode abraçar está a causa do socialismo que tem exatamente o tamanho do mundo inteiro e que só pode ser vencida a muitas e muitas mãos. A causa do socialismo abrange a luta contras as opressões de todas as espécies porque não existe capitalismo sem opressão. A luta por um teto pra morar, terra pra plantar, escola pra aprender, hospital pra cuidar e vida boa e digna pra viver passa pelo socialismo que almeja o fim da propriedade privada que garante toda a riqueza criada para o tal 1%. A luta pelo fim definitivo da escravidão e por direito a trabalho digno é a luta pela destruição do capitalismo. A própria batalha pela sobrevivência da humanidade e pelo planeta em que vivemos com toda sua diversidade e beleza passa por parar esse sistema maldito criado por nós e pela sua substituição por um outro modo de viver, trabalhar e partilhar os frutos do trabalho, de “cada um conforme sua capacidade” e “a cada um conforme suas necessidades”.
Se existe uma luta que precisa e vale a pena ser lutada, a muitas mãos e de forma organizada, é a nossa, a causa dos socialistas. Digna de multidões de simpatizantes mas ávida por militância orgânica e coletiva. Organizemo-nos camaradas. Há uma batalha maior logo a frente no meio dessa longa guerra que precisa ser vencida e não pode ser adiada.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 05/10/2017
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/10/05/o-que-e-ser-um-militante/

A peleja de memes entre “antirracistas” e “marxistas” na terra do golpe (*)


Quando escrevo estas linhas estamos às vésperas da votação no Senado Federal da contrarreforma trabalhista e curiosamente minha timeline não está abarrotada de denúncias sistemáticas de cada uma das medidas antipovo trabalhador e nem muito menos de cada um dos senadores e senadoras que estão a um voto de destruir um século de proteção social do povo brasileiro. Por outro lado, pululam memes supostamente antirracistas que insistem em afirmar que o marxismo de nada serve ao povo preto brasileiro, enquanto marxistas, pretos ou não, esforçam-se para resgatar figuras e personalidades negras que reivindicaram ou reivindicam o legado de Marx.
De lá pra cá e de cá pra lá, reproduzem-se “tretas” e “vrás”, enquanto os senhores do poder avançam sobre a ponte que legaliza o trabalho análogo ao escravo no Brasil. Eles, os novos donos da Casa Grande, megaempresários via de regra homens, brancos e podres de rico, seguem a festejar o novo cardápio de superexploração e opressão prestes a ser aprovado enquanto estudantes e trabalhadores pretos ou “quase pretos de tão pobres” fazem guerra de memes acerca do marxismo num imenso desperdício de força e energia.
É claro que é absurdo o argumento de que os pretos nada tem a aprender com o alemão Karl Marx. É como dizer a negras e negros que chegando à universidade não estudem Einstein pois ele é um europeu branco e a teoria da relatividade em nada serve aos que temos raízes africanas. Da mesma forma, Galileu Galilei e a lei da gravidade não devem ser estudados, nem muito menos o esnobe inglês Isaac Newton e que por sua vez as leis da física moderna são entulhos eurocentristas. Ninguém, com uma gota de sensatez na mente que seja, pensa em falar nisso nem no campo da Física, nem de nenhum outro tema em nenhum outro ramo de conhecimento. Todavia, no campo da teoria revolucionária, Marx e todos os que reivindicam seu legado, devem ser tratados como malditos, não pelos brancos e ricos, mas pelos pobres e pretos.
Não poderíamos discordar mais dessa atitude do que já discordamos e poderíamos passar horas falando sobre isso, mas vale dizer que sequer tais argumentos antimarxistas tem quaisquer coisas de novidade. No livro “We want freedom”, publicado desde a cadeia estadunidense por Mumia Abul Jamal, um dos poucos sobreviventes do Partido dos Panteras Negras, é possível encontrar um diálogo entre um jovem pantera e um militante islâmico negro que ao venderem seus jornais no Bronx, trocam ideias. Em determinado momento o pantera ouve de seu concorrente a seguinte provocação “Vocês deveriam seguir um homem negro, e não judeus como Marx e Lênin!” [1], ao que prontamente responde “Somos revolucionários, irmão, e nós estudamos sobre revolucionários em todo o mundo. Não estamos preocupados com a raça deles”. E isso foi durante a campanha pela libertação de Huey P. Newton no final dos anos 1960, há quase meio século atrás.
Os Panteras sabiam que o marxismo e o leninismo eram ferramentas poderosas demais para não serem utilizadas pelo povo pobre negro estadunidense. Assim como empunharam armas nas ruas do gueto, independente da pólvora ter sido inventada por chineses e a indústria bélica ser desde sempre branca, não abdicaram de estudar e conhecer o marxismo, o leninismo e tantas outras correntes e ideias revolucionárias. Dizer a um pantera, ainda que jovem, para ignorar Marx e Lênin era o mesmo que dizer não se organize, não ande armado, não pratique sua autodefesa. E toda vez que alguém diz isso a um jovem negro brasileiro, a única coisa que me vem a cabeça é “a quem interessa que os pretos e pretas não estejam organizados contra a burguesia brasileira?”.
Por outro lado, de pouco adianta aos verdadeiros marxistas falar dos benefícios ou contraindicações de Marx, o quanto o velho barbudo foi feroz inimigo dos escravocratas estadunidenses do século XIX ou sobre os mais variados episódios isolados em que fez ou deixou de fazer isso ou aquilo. Muito menos parece sensato, entrar na guerra de memes para defender o “sacrossanto” nome de Marx, ao ponto de se criar até página no Facebook para zoar de quem está em uma cruzada contra os “brancos marxistas europeus”. É um deixar se arrastar pela provocação mais minúscula que deixaria o velho mouro, pra dizer o mínimo, envergonhado. E isso, repito, às vésperas da aprovação da contrarreforma trabalhista.
Bem, não é disso que o marxismo trata. O melhor que fazem os que revindicam o legado de Lênin e Marx no Brasil é usar das teorias e instrumentos para organizar o povo pobre e trabalhador brasileiro na luta para derrotar os donos do poder e suas contrarreformas. Organizar nas favelas, ruas, campos e construções, o imenso mar de trabalhadores, em sua imensa maioria negra, para seguir exigindo a queda de Temer e caindo este, que se exija também a queda de Maia, de Eunício e de quem quer que ouse avançar sobre os parcos direitos e benefícios sociais de nosso povo.
[1] Página 112.
(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 10/07/2017
 
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/07/10/peleja-de-memes-entre-antirracistas-e-marxistas-na-terra-do-golpe/

sábado, 5 de maio de 2018

Quem tem medo da Greve Geral? (*)



Está marcada para o próximo 28 de abril a primeira greve geral brasileira do século XXI, para ser mais exato, a primeira greve geral dos últimos 26 anos. Todo ativista do movimento sindical e organizado surgido pós-1991 nunca viu, nem participou de algo parecido, só ouviu falar. Greves vimos aos montes nesses últimos anos, em especial por categorias e algumas delas até nacionalizadas, mas uma greve que se proponha a parar várias categorias do setor público e privado ao mesmo tempo em todo o país pelas mesmas bandeiras, só em sonhos ou nas palavras de ordem inaplicáveis levantadas por algumas organizações.
Passado tanto tempo sem nada parecido é normal que inclusive se duvide da capacidade tanto de fazer acontecer como do possível resultado positivo que poderia vir a partir daí. E não é pra menos. Desde 1991, já se foram 12 anos de neoliberalismo e reestruturação produtiva passando por Collor, Itamar e FHC somados a outros 13 anos de conciliação de classes de Lula e Dilma, e já quase um ano de rapina antinacional, antipopular e em especial anti-operária do golpista Michel Temer. Isso tudo tem um peso violento sobre o imaginário coletivo das brasileiras e brasileiros e também sobre a cultura e tradição das lutas de classe, e como não poderia deixar de ser, sobre a própria consciência de classe. Esse não é um pequeno detalhe. Não seria possível tentar fazer perder direitos e conquistas sociais das classes trabalhadoras brasileiras se já não tivessem sido perdidos valores e consciência de classe conquistados a duras penas.
Em recente pesquisa qualitativa realizada pela Fundação Perseu Abramo[1] sobre o imaginário social das periferias de São Paulo, identificou-se que os paulistanos não se identificam com a rivalidade entre ricos e pobres, esquerda versus direita ou em burguesia versus proletariado; que é possível vencer na vida por mérito próprio sem interferência do Estado tal como Lula, Silvio Santos ou Dória; e que o grande inimigo da população é o próprio Estado. As esferas do comunitário e do coletivo, e com elas o próprio senso de solidariedade foram perdidos. O individualismo e a meritocracia fazem parte dos valores da população das periferias da Grande São Paulo e que em certa medida é um grande espelho do que pensa e do que é a periferia e a classe trabalhadora em todo Brasil.
Esse cenário desastroso tem sido terreno fértil para proliferação do neopentecostalismo com sua “teologia da prosperidade” e também dos movimentos liberais-conservadores brasileiros. Mas para nada está dito que esse sertão não possa virar mar. A classe operária quando entra em luta aprende muito rápido. Sim, estamos imensamente atrasados e desarmados mas as medidas antipopulares desse governo são tantas e tamanhas que empurram a classe para a resistência. A essa altura Temer já é o presidente mais impopular da história dos presidentes; mesmo sem entender os meandros técnicos da contrarreforma previdenciária a população sabe que ela é ruim para os de baixo; o governo até então quase que imbatível já não possui base para a aprovação da PEC 287 com somente 101 votos[2] confirmados dos 308 necessários e desde que sejam feitas mudanças na proposta original do governo. É preciso enxergar que há mudanças nos ventos da luta de classe e que as lutas de março foram a base para essas mudanças. Se março, com suas manifestações de ruas e paralisações foi capaz de tais mudanças, imaginemos o que não será capaz de fazer a greve geral de 28 de abril.
Se vale a experiência histórica, em julho de 1917, tivemos a primeira greve geral brasileira que no decorrer de um mês inteiro mudou e moldou as relações de trabalho para sempre. A burguesia brasileira nasceu escravocrata e se ainda hoje mantém tais valores, imaginemos como não era há 100 anos, quando mal se faziam 30 anos da abolição. A ideia de pagar salários aos trabalhadores negros recém libertos era tão repugnante à elite brasileira de então que apelou-se à importação de trabalhadores europeus, mas ainda assim, tentando manter com esses trabalhadores a mesma relação de superexploração e humilhação que tinha para com os homens, mulheres e crianças escravizados por séculos a fio. Os relatos de trabalhadores italianos tratados na base do açoite ao reclamar da falta de pagamentos nas fazendas de café são muitos[3]. A jornada de trabalho diária de 12 a 16 horas contrastava com a jornada inglesa de 8 horas diárias reivindicada pelo movimento operário europeu desde 1866[4] e até mesmo conquistada em muitos países e categorias mundo afora. O trabalho de menores de 14 anos, o trabalho noturno de mulheres, a perseguição e prisão de grevistas, a proibição de sindicatos, os salários aviltantes e o próprio atraso de meses desses salários foram a base para a primeira greve geral no país. A partir dela, os trabalhadores se colocaram em movimento de tal maneira que o Estado brasileiro se viu obrigado a ceder cada vez mais e mais. Nesse contexto, é bom notar que a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943 nada mais foi que a criação de um código único que condensasse o conjunto de conquistas que os trabalhadores vinham arrancando desde sua grande greve de 1917[5].

Nos anos 1980, tivemos não só uma mas quatro grandes greves gerais. A primeira delas em 1983 durante o governo do general João Batista Figueiredo. Três milhões de trabalhadores, entre eles metalúrgicos, bancários, metroviários, professores e servidores públicos atenderam ao chamada da então comissão pró-CUT e paralisaram suas atividades em solidariedade à greve nacional dos petroleiros duramente reprimida pelo governo federal. A greve consolidou a possibilidade de fundação da Central Única dos Trabalhadores e acelerou o processo de redemocratização do país e da própria derrota do regime militar.

As greves gerais de 1986 e 1987 que se levantaram contra o governo Sarney, a carestia e seus planos cruzados tiveram também um impacto poderosíssimo sobre a recém inaugurada democracia brasileira. Em dezembro de 1986, vinte e cinco milhões de trabalhadores paralisaram suas atividades. Em agosto de 1987, o contingente foi menor mas o impacto foi igualmente poderoso. Foi nesse cenário de grandes greves operárias que ajudaram a derrubar Figueiredo e a imobilizar Sarney que foi promulgada em 1988, a chamada Constituição Cidadã. Os congressistas constituintes, em sua imensa maioria, homens e brancos, representantes diretos da mesma burguesia que nunca rompeu de fato com sua essência escravocrata, aprovaram entre outras coisas que racismo no Brasil é crime inafiançável e que as mulheres em função da dupla jornada têm o justo direito de aposentar-se mais cedo. É no mínimo ingenuidade acreditar que esses senhores não foram pressionados pelo ambiente de ascenso operário dos 1980.

Após a vitória arrancada na Constituinte de 1988 com a liberdade sindical, o direito de greve e a manutenção dos direitos conquistados desde a primeira greve geral brasileira consolidados na CLT, o movimento operário do final da década de 1980 deu um salto. Segundo dados do DIEESE no período de janeiro a agosto de 1989 ocorreram 1346 paralisações de trabalhadores, enquanto no mesmo período em 1988, as paralisações haviam sido 292. As greves e paralisações mais que quadruplicaram. Diante da crise econômica e do risco de hiperinflação o governo Sarney tentou jogar nas costas da classe trabalhadora o peso da crise com o chamado Plano Verão que propunha congelar os salários dos trabalhadores. A resposta foi a maior greve geral de nossa história paralisando 35 milhões de brasileiros nos dias 14 e 15 de março de 1989. O ascenso do movimento social era indiscutível.

No caminho do ascenso, porém, houve uma eleição. A primeira eleição direta para presidente da república depois de quase três décadas do pleito que levou Jânio Quadros e João Goulart à presidência e vice-presidência da república respectivamente, em 3 de outubro de 1960. As ilusões democráticas eram praticamente intransponíveis. O PT fundado somente 9 anos antes levou ao segundo turno a maior figura pública que o movimento operário brasileiro criara e por muito pouco, não fez em 1989 o primeiro presidente operário de sua história. O impacto tanto da derrota eleitoral de Lula como de sua quase vitória foi avassalador e deu início ao processo de refluxo do movimento operário. A derrota teve um peso fundamental sobre as massas que saíram desmotivadas e a quase vitória impactou, em especial, a vanguarda do movimento operário que abraçou com todas as forças o projeto de fazer Lula presidente, construindo o chamado “modo petista de governar”. Em 1991, nossa última greve geral[6], essa contra as medidas do governo Collor de Melo, mobilizou 19,5 milhões de trabalhadores e ainda que tenha feito parte do crepúsculo do intenso movimento de greves gerais dos 1980[7], de algum modo também deixou sua marca em construir as bases para o Fora Collor de 1992.
Agora quando nos aproximamos da greve geral de 28 de abril não temos o direito de deixar escapar essa oportunidade de nossas mãos. Partimos de muita incompreensão, desconfiança e deseducação política, mas o que fizermos agora para garantir o sucesso do 28A poderá entrar para a história do movimento operário brasileiro. Talvez, só talvez, poderemos estar entre os homens e mulheres que em abril de 2017 pararam o Brasil e construíram o caminho não só para derrotar as abomináveis contrarreformas trabalhista e previdenciária, mas que também criaram as condições de colocar o ponto final no desgoverno de Temer e suas corja de bandidos. Não estamos lidando com nenhuma certeza absoluta e hoje por hoje a correlação de forças segue favorável ao governo golpista. Até mesmo por isso é preciso dedicar-se com afinco nos próximos dias a consolidar e fazer acontecer o 28 de abril. Temos absolutamente todos os motivos para afirmar que definitivamente, nós, trabalhadoras e trabalhadores não estamos entre os que têm a temer e muito menos a perder com a Greve Geral. Que ela venha e que seja forte e fonte de inspiração para as próximas grandes lutas no país.
NOTAS:

[1] “Percepções e valores políticos na periferia de São Paulo”, disponível em http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/Pesquisa-Periferia-FPA-04042017.pdf
[2] A atualização de domingo, 16/04, do placar da previdência dá conta que 275 deputados estão contra a reforma do governo, 101 a favor e 137 não se definiram ou não se pronunciaram tal como mostra o artigo da IstoÉ negócios publicado também em 16/04. Ver https://goo.gl/Lkv8cy
[3]  Um relato interessante pode ser lido no capítulo “O inferno da Fazenda” do livro “Oreste Ristori: uma aventura anarquista” de Carlo Romani.
[4]  Em 1866 ocorreu a primeira conferência da Associação Internacional dos Trabalhadores na qual foi unânime a reivindicação pelas 8 horas diárias. Vito Giannotti discorre sobre a luta pela jornada diária de 8 horas no mundo em seu “História das lutas dos trabalhadores no Brasil”.
[5]  Sobre a greve de 1917 vale o artigo de Rafael Tatemoto na Brasil de fato. https://www.brasildefato.com.br/2017/04/12/primeira-greve-geral-brasileira-completa-100-anos/
[6] Em 1996, no governo FHC, as centrais sindicais convocaram uma greve geral que acabou se demonstrando como um mero movimento de barganha e blefe político, sendo desmarcada pelas mesmas centrais no dia anterior. Ainda assim, 5 milhões de trabalhadores chegaram a paralisar suas atividades.
[7] O Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT guarda uma cronologia das principais lutas dos anos 1980 em diante dando destaque às greves gerais. Acesso disponível em http://cedoc.cut.org.br/cronologia-das-lutas
(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 19/04/2017http://novaorganizacaosocialista.com/2017/04/19/quem-tem-medo-da-greve-geral/

Trabalhar até morrer. Morrer de tanto trabalhar (*)


O ano de 2016 encerrou-se com a aprovação da EC 95 (PEC 55) no Senado Federal impondo que pelas próximas duas décadas a imensa maioria do povo brasileiro encaixe suas vidas ao IPCA (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo). Na prática o que diz o governo Temer é que daqui pra frente não devem nascer, crescer, adoecer, aposentar-se ou até mesmo morrer nada mais do que a inflação permita. Se fizerem, que o façam por sua conta e risco. Está constitucionalmente proibido prestar-lhes assistência. 
Suponhamos “hipoteticamente” que estoure uma crise no sistema prisional, que estados do Nordeste enfrentem crises hídricas, que surtos de febre amarela tomem conta de áreas do país, que uma crise econômica derreta o PIB nacional ou que o desemprego atinja níveis alarmantes de mais de 20%. É verdade que é difícil para nós, brasileiros, imaginar um cenário tão catastrófico mas façamos o esforço ainda que com mero propósito didático. Pois bem, um governo supostamente “normal” em qualquer canto do mundo investiria dinheiro público muito além do que vinha investindo até então para tentar superar o momento de dificuldade. Mas o que fará nosso Brasil temerário e temeroso? Olhará para a inflação e dirá: “veja bem, o IPCA de 2016 foi de 6,29%, então eu até entendo que epidemias, secas e crises não consideram a inflação, até deveriam, mas não consideram. Então, infelizmente, eu sinto muito mas só poderemos atender a quem atendemos no ano passado mais 6,29% de forma a não ferir nossa amada Constituição Federal”. Que beleza não é mesmo? No final das contas é mais ou menos assim, mas para ser correto me permitam uma correção: pode-se até investir um pouco mais ali ou acolá acima da inflação mas com aquela conhecida lógica de cobertor curto, cobrindo a cabeça e descobrindo os pés, em uma verdadeira irresponsabilidade política e social.
Mas nem tudo está perdido, dizem alguns. Afinal Lula está com 30% das intenções de voto para 2018 e… Espera! Como assim 2018? Esse povo não entendeu o que é a EC 95? Sério? Me permitam explicar. Ela é o que podemos chamar de a “maldição do vice decorativo”. Foi em 07 de dezembro de 2015, com direito a citação em latim, que o até então senhor de todas as mesóclises veio a público em “carta pessoal vazada” desabafar sobre seu papel de “vice decorativo”. O tom da carta deixava clara às mágoas profundas de ter seu amigo Moreira Franco (agora ministro de Temer) fora do governo, de não ter sido convidado para conversar com o vice estadunidense quando este por aqui esteve, de não ter sido elogiado pelo infame “Uma ponte para o futuro” e outras xurumelas. Aquilo ficou tão doído que o ainda vice deve ter pensado: “Ah, mas eles vão ver. Minha vingança será maligna. Não só dá-lo-emos o golpe, como pedi-lo-ei ao Meirelles que prepare uma PEC que faça com que daqui pra frente os próximos 5 presidentes sejam meramente decorativos. Podem até se eleger com voto popular mas não poderão fazer mais nada, quem vai mandar no país é a PEC do Temer.” Pois é. Agora é constitucional. São vinte anos de presidentes decorativos. E pra deixar de ser assim, pelo menos pelas regras do jogo, só mudando a constituição, com votação em dois turnos de 3/5 dos deputados e senadores. Pode-se até mandar novo projeto pro Congresso mas vai ter que “convencer” 308 de 513 deputados e 49 de 81 senadores.
No fim, o golpe já está pago e muito bem pago. Mas como maldade pouca é bobagem, Temer e sua gangue, como que num verdadeiro show de ofertas a la canais de televendas, oferecem mais e mais aos senhores do poder, bem naquele estilo “e não é só isso” pra vender facas Ginsu e meias Vivarina. O que Temer por sua vez vende é sua continuidade no palácio do planalto apesar das inúmeras irregularidades e do incomparável índice de rejeição nas alturas. Para fazer engolir mercadoria de tão asquerosa qualidade, além de arrebentar com a educação pública via medida provisória, de preparar a entrega de terras brasileiras a estrangeiros, de querer restringir o direito de greve dos servidores (em especial os da saúde, segurança e educação) a superoferta da vez serão as contrarreformas da previdência e trabalhista. Em menos de um ano de desgoverno, Temer pretende deixar para trás qualquer alcunha de peça de decoração destruindo a seguridade social, uma das principais conquistas da Constituição de 1988, e a própria Consolidação das Leis Trabalhistas com o advento do “negociado sobre o legislado”. Idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mínimo de 25 anos de contribuição, 49 anos de contribuição para aposentadoria integral entre outras maldades da PEC 287 são o que se pode chamar de “Trabalhar até morrer”. Jornada mensal de 220 horas com até 12 horas diárias, intervalo de 30 minutos, percurso para o trabalho sem contar como hora trabalhada, remuneração por produtividade, por sua vez, são algumas das “modernidades” do PL 6787 que abrirá as portas para que se possa “Morrer de tanto trabalhar”.
A contrarreforma da previdência se aprovada torna-se Emenda Constitucional e não tem salvador da pátria que resolva pelas regras do jogo. Já a “modernização” da CLT que levará as relações de trabalho de volta aos séculos XIX ou mesmo XVIII só deixará de valer passando por cima dos setores empresariais do país. Não haverá “Feliz 2018” que dê jeito. As batalhas que as trabalhadoras e trabalhadores precisarão travar para não ter que passar pelo inferno de “trabalhar até morrer e morrer de tanto trabalhar” precisarão ser assumidas para agora, para já. Não temos tempo a perder nem pelo que esperar. O 08 e o 15 de março precisam ser transformados em um grande movimento de unidade na luta que entre abril a dentro e possa assim, quem sabe, fazer desmoronar o desgoverno Temer. Mãos a obra e vamos à luta.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 02/03/2017
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/03/02/trabalhar-ate-morrer-morrer-de-tanto-trabalhar/

Precisamos falar sobre a Estônia (*)



A República da Estônia é um país de 45.339 quilômetros quadrados situada no norte da Europa com um PIB de 35 bilhões de dólares, uma população de 1 milhão e 266 mil habitantes, renda per capita de 26,5 mil dólares e coeficiente de Gini de 34 pontos. Tornou-se independente da Rússia em 1992 e teve seu seu ingresso aceito na União Europeia em 2004. Tendo o tamanho do estado do Espírito Santo e um inverno rigoroso com o país coberto por neve entre 75 a 135 dias por ano, somente 16% de sua população acredita que exista um Deus. O futebol é inexpressivo e seu maior atleta é um esquiador.
A Estônia não tem nada a ver com o Brasil. Ou quase nada. Em pelo menos uma coisa Brasil e Estônia se igualam. Sãos os únicos dois países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que não taxam suas grandes fortunas. A OCDE, chamada também de “Grupo dos Ricos”, foi fundada em 1961 e possui 36 países membros, entre eles Alemanha, EUA, Japão, México, Grécia, Chile, França, Portugal e também o Brasil (pelo menos segundo declaração do próprio secretário-geral feita em junho deste ano).
Praticamente todos os países da OCDE tributam seus super-ricos. Na Alemanha, 48% da tributação total é proveniente dos lucros. Nos Estados Unidos esse número é de 57% e na França chega a 64%. Já o nosso querido Brasil é conhecido como paraíso tributário para milionários e bilionários. A Constituição de 1988 até prevê a taxação das grande fortunas mas, passados 28 anos desde sua promulgação, nenhum centavo vindo daí entrou nos cofres públicos brasileiros em função da ausência de lei específica para regulamentar. O peso pesado dos impostos brasileiros incide sobre renda e consumo e assim quem acaba sustentando o país é quem recebe a mordida do Leão direto no contra-cheque e quem precisa comprar pão e leite na mercearia.
Só em 2013 , os 71 mil brasileiros mais ricos (0,05% da população adulta) embolsaram quase 200 bilhões de reais livres de qualquer tributação. Caso aplicássemos a média da taxação de grandes fortunas da OCDE que é o percentual da Alemanha seriam 96 bilhões de reais nos cofres públicos. Usando o índice do Tio Sam seriam 114 bi e uma taxa à francesa nos renderia 128 bilhões. Isso em 2013. Diga-se de passagem, de lá pra cá os super-ricos brasileiros não ficaram qualitativamente menos milionários que antes. Somos o décimo sétimo país com mais milionários no mundo, com 149 mil pessoas nessas condições, estando à frente do Kuwait, Hong Kong, Noruega, de todos nossos hermanos da América Latina e também da Estônia.
Em tempos de “PEC do Fim do Mundo” e dos argumentos abobalhados que não se pode gastar mais do que se arrecada é bom ter em mente que ao invés de penalizar os brasileiros mais pobres e necessitados é possível aumentar significativamente a arrecadação simplesmente deixando de ter tanta piedade com nossos “pobres e indefesos” milionários.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 10/11/2016
http://novaorganizacaosocialista.com/2016/11/10/precisamos-falar-sobre-estonia/

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O Brasil não pode ter bandido de estimação (artigo de @gduvivier)


Gregorio Duvivier mandando ver em mais um artigo espetacular na publicado na Folha de São Paulo, nessa segunda,  29/01/2018. Aproveitando-se da onda de criminalização sem provas de Lula da Silva, o ator faz uma viagem pra lá de boa nos vários bandidos de estimação do grande público. Imperdível.

O Brasil não pode ter bandido de estimação 


Vamos ser sinceros: não dá pra ter bandido de estimação. A gente precisa parar de proteger os corruptos com os quais a gente tem afinidade ideológica. Vocês sabem de quem eu tô falando. Não é só porque um candidato à Presidência é querido por muita gente que ele tá imune à Justiça. Tô falando, claro, do Alckmin, citado três vezes pela Odebrecht. “Ah, mas eu gosto dele!” Dane-se. “Ah, mas quem mandou votar nele foi a Opus Dei.” Não importa. Esta eleição só vai ter ficha limpa, meu amigo.

Claro, Alckmin não é o único que parece estar envolvido em escândalos de corrupção. Não se pode esquecer dele, o candidato mais popular entre os jovens, o homem, o mito. Bolsonaro surgiu no PP de Maluf e está entre os beneficiados da “lista de Furnas”, junto com Aécio, Cunha e muitos outros. Recentemente revelou-se que emprega funcionária fantasma vendedora de açaí e que a família dele multiplicou o patrimônio desde que entrou pra política. Como diz o bordão, é melhor Jair se acostumando… à cadeia. “Ah, mas ele é bom de meme.” Dane-se. “Ah, mas ele vai valorizar nosso nióbio.” Amigo, ele entende tanto de nióbio quanto de açaí.

Mas agora vamos falar daquele que todos querem ver preso: o candidato de origem nordestina que tem aquele imóvel suspeito na beira da praia. Segundo os “Panama Papers”, João Doria usou offshore pra comprar apartamento em Miami. Presidiu a Embratur durante o governo Sarney –precisa dizer mais? Sua revista “Caviar Lifestyle” (sic) recebeu um milhão e meio de reais do governo Alckmin em publicidade. Sim, o candidato tinha uma revista chamada “Caviar Lifestyle”.

Henrique Meirelles, além de presidente do Banco Central no governo Lula, presidiu o conselho da JBS. Sim, a empresa dos Irmãosley. Será mesmo que não sabia de nada? Rodrigo Maia, além de fiel escudeiro de Temer e filho de Cesar Maia, atendia pelo nome de Botafogo na lista da Odebrecht –será mesmo que não sabia de nada? Luciano Huck é (era?) BFF de Aécio –será mesmo que não sabia de nada? Alvaro Dias protagonizou o escândalo da farra das passagens, Marina passou 20 anos no PT, Ciro trocou de partido como Fábio Jr. trocou de esposa. Será mesmo que não sabiam de nada?

“Calma”, você diz. “Tem muito crime aí que ainda não foi provado. Ah, porque a presunção de inocência blá-blá-blá.” Gosta de bandido? Leva pra casa. Mas é melhor você morar num latifúndio, senão vai faltar espaço.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Bernie Sanders: é hora de nova rebeldia global (*)

Compartilho texto do senador estadunidense Bernie Sanders publicado recentemente mais pela curiosidade do que pelo acordo político. Claro que é impossível ter desacordo quanto a análise e o prognóstico que Sanders apresenta, mas já quanto as saídas a divergência é gritante. "Controlar o poder corporativo" como se ele é incontrolável? "Eliminar os fundos offshore" para na sequência outras manobras ilegais serem criadas? "Aumentar substancialmente a riqueza global de forma justa" é um completo descalabro, não é preciso aumentar a riqueza global, ela já é gigantesca, é preciso devolvê-la aos seus criadores, os trabalhadores de todo o mundo.

De toda forma, segue o texto para apreciação de a quem interessar possa.

Eis onde estamos como planeta em 2018: depois de todas as guerras, revoluções e grandes encontros internacionais nos últimos 100 anos, vivemos em um mundo onde um pequeno punhado de indivíduos incrivelmente ricos exercem níveis desproporcionais de controle sobre a vida econômica e política da comunidade global.

Difícil de compreender, o fato é que as seis pessoas mais ricas da Terra agora possuem mais riqueza do que a metade mais empobrecida da população mundial — 3,7 bilhões de pessoas. Além disso, o top 1% tem agora mais dinheiro do que os 99% de baixo. Enquanto os bilionários exibem sua opulência, quase uma em cada sete pessoas luta para sobreviver com menos de US$ 1,25 [algo como R$ 4] por dia e – horrivelmente – cerca de 29 mil crianças morrem diariamente de causas totalmente evitáveis, como diarreia, malária e pneumonia.

Ao mesmo tempo, em todo o mundo, elites corruptas, oligarcas e monarquias anacrônicas gastam bilhões nas mais absurdas extravagâncias. O Sultão do Brunei possui cerca de 500 Rolls-Royces e vive em um dos maiores palácios do mundo, um prédio com 1.788 quartos, avaliado em US$ 350 milhões. No Oriente Médio, que possui cinco dos 10 monarcas mais ricos do mundo, a jovem realeza circula pelo jet set ao redor do mundo, enquanto a região sofre a maior taxa de desemprego entre os jovens no mundo e pelo menos 29 milhões de crianças vivem na pobreza, sem acesso a habitação digna, água potável ou alimentos nutritivos. Além disso, enquanto centenas de milhões de pessoas vivem em condições de vida indignas, os comerciantes de armas do mundo enriquecem cada vez mais, com os gastos governamentais de trilhões de dólares em armas.

Nos Estados Unidos, Jeff Bezos — fundador da Amazon, e atualmente a pessoa mais rica do mundo — tem um patrimônio líquido de mais de US$ 100 bilhões. Ele possui pelo menos quatro mansões que, em conjunto, valem várias dezenas de milhões de dólares. Como se isso não bastasse, está gastando US$ 42 milhões na construção de um relógio dentro de uma montanha no Texas, que supostamente funcionará por 10.000 anos. Mas, nos armazéns e escritórios da Amazon em todo o país, seus funcionários usualmente trabalham em jornadas longas e extenuantes e ganham salários tão baixos que precisam crucialmente do Medicaid, de cupons de alimentos e subsídios públicos para habitação, pagos pelos contribuintes dos EUA.

Não só isso: neste momento de riqueza concentrada e desigualdade de renda, pessoas em todo o mundo estão perdendo a fé na democracia. Eles percebem cada vez mais que a economia global foi manipulada para favorecer os que estão no topo à custa de todos os demais — e estão revoltados.

Milhões de pessoas estão trabalhando mais horas por salários mais baixos do que há 40 anos, tanto nos Estados Unidos quanto em muitos outros países. Elas olham à frente e sentem-se indefesas diante de poucos poderosos que compram eleições e uma elite política e econômica que se torna mais rica, enquanto futuro de seus próprios filhos torna-se cada dia mais incerto.

Em meio a toda essa disparidade econômica, o mundo está testemunhando um aumento alarmante do autoritarismo e do extremismo de direita — que alimenta, explora e amplifica os ressentimentos dos que ficaram para trás e inflamam o ódio étnico e racial.

Agora, mais do que nunca, aqueles que acreditamos na democracia e em governos progressistas devemos mobilizar as pessoas de baixa renda e trabalhadoras em todo o mundo para uma agenda que atenda suas necessidades. Em vez de ódio e divisão, devemos oferecer uma mensagem de esperança e solidariedade. Devemos desenvolver um movimento internacional que rejeite a ganância e a ideologia da classe bilionária e conduza-nos a um mundo de justiça econômica, social e ambiental. Isso será uma luta fácil? Certamente não. Mas é uma luta que não podemos evitar. Os riscos ao futuro são altos demais.

Como o Papa Francisco observou corretamente em um discurso no Vaticano em 2013: “Criamos novos ídolos; a adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e impiedosa imagem no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem rosto nem propósito verdadeiramente humanos.” Ele continuou: “Hoje, tudo está sob as leis da competição e da sobrevivência dos mais aptos enquanto os poderosos se alimentam dos sem poder. Como consequência, milhões de pessoas encontram-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem possibilidades, sem meios de escapar”.

Um novo movimento progressista internacional deve comprometer-se a enfrentar a desigualdade estrutural tanto entre as nações como em seu interior. Tal movimento deve superar o “culto do dinheiro” e a “sobrevivência dos mais aptos”, como advertiu o Papa. Deve apoiar políticas nacionais e internacionais destinadas a aumentar o nível de vida das pessoas pobres e da classe trabalhadora — desde o pleno emprego e salário digno até o ensino superior e saúde universais e acordos de comércio justo. Além disso, devemos controlar o poder corporativo e interromper a destruição ambiental do nosso planeta que tem resultado nas mudanças climáticas.

Este é apenas um exemplo do que precisamos fazer: apenas alguns anos atrás, a Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) estimou que as pessoas mais ricas e as maiores corporações em todo o mundo esconderam entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões em paraísos fiscais, para evitar o pagamento de sua justa contribuição em impostos. Se trabalharmos juntos para eliminar o abuso tributário offshore, a nova receita que será gerada poderá pôr fim à fome global, criar centenas de milhões de novos empregos e reduzir substancialmente a concentração de renda e a desigualdade. Tais recursos poderão ser usados para promover de forma acelerada uma agricultura sustentável e para acelerar a transição de nosso sistema de energia dos combustíveis fósseis e para as fontes de energia renováveis.

Rejeitar a ganância de Wall Street, o poder das gigantescas corporações multinacionais e a influência da classe dos bilionários globais não é apenas a coisa certa a fazer — é um imperativo geopolítico estratégico. Pesquisa realizada pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas mostrou que a percepção dos cidadãos sobre a desigualdade, a corrupção e a exclusão estão entre os indicadores mais consistentes para definir se as comunidades apoiarão o extremismo de direita e os grupos violentos. Quando as pessoas sentem que as cartas estão empilhadas na mesa contra si e não veem caminho para o recurso legítimo, tornam-se mais propensas a recorrer a soluções prejudiciais a elas próprias e que apenas exacerbam o problema.

Este é um momento crucial na história do mundo. Com a explosão da tecnologia avançada e os novos paradigmas que ela permitiu, agora temos a capacidade de aumentar substancialmente a riqueza global de forma justa. Os meios estão à disposição para eliminar a pobreza, aumentar a expectativa de vida e criar um sistema de energia global barato e não poluente.

Isto é o que podemos fazer se tivermos a coragem de nos unir e confrontar os poderosos que querem cada vez mais para si mesmos. Isto é o que devemos fazer pelo bem de nossos filhos, netos e o futuro do nosso planeta.

(*) tradução de Mauro Lopes publicada no site Outras Palavras.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Elogio do Revolucionário #poema #BertoldBrecht


Elogio do Revolucionário 
Bertold Brecht

Quando aumenta a repressão, muitos desanimam.
Mas a coragem dele aumenta.
Organiza sua luta pelo salário, pelo pão
e pela conquista do poder.

Interroga a propriedade:
De onde vens?
Pergunta a cada idéia:
Serves a quem?

Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino,
ele cita os nomes.
À mesa onde ele se senta
se senta a insatisfação.
A comida sabe mal e a sala se torna estreita.
Aonde ele vai há revolta
e de onde o expulsam
persiste a agitação.

domingo, 10 de abril de 2016

Já está passando da hora de acender o pavio (texto de Bruno Rodrigues)


Nosso camarada Bruno Rodrigues, militante da NOS Fortaleza e ativista do Coletivo Construção Socialista, analisa o chamado de Guilherme Boulos do MTST a incendiar o país de greves e ocupações e a reação tanto da direita como da esquerda revolucionária levando em consideração a conjuntura de ataques ainda maior aos direitos dos trabalhadores que se avizinham.

Boa leitura.

Nós, marxistas, consideramos Brüning, Hitler e Braun como os diversos elementos do mesmo sistema. A pergunta “Qual deles é o mal menor?” não tem qualquer sentido, porque o sistema que combatemos tem a necessidade de todos esses elementos. Mas esses elementos acham-se agora em conflito, e o partido do proletariado deve utilizar esse conflito no interesse da revolução. Uma escala compreende sete notas. A pergunta “Qual dessas notas é a 'melhor': dó, ré ou sol?” é uma pergunta desprovida de sentido. O músico, porém, deve saber quando e em que tecla bater. (...)

Claro que é doloroso ter que explicar este abêcê. Mas é triste, muito triste, quando músicos (...), em lugar de distinguir as notas, batem no teclado com as pastas.”

Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha

A declaração[1] do coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, de que caso o golpe reacionário institucional da oposição burguesa venha a se consumar, estaria disposto a incendiar o país inteiro com greves e ocupações de resistência, foi o mais importante chamado de um dirigente político do movimento de massas brasileiro, contra os golpistas. Nenhuma outra organização de importância nacional se dispôs, até então, a assumir qualquer chamado à mobilização generalizada contra o golpe. As corajosas palavras de Boulos, merecem ser levadas em consideração e com toda seriedade, por cada ativista social desse país. Se alguém guarda alguma ilusão de que podemos confiar nas manobras jurídicas e nos conchavos espúrios do próprio PT, e em troca abrir mão de instigar a ação direta e independente da classe trabalhadora, o golpe reacionário institucional passará e certamente, não será só o governo Dilma e seu partido que serão penalizados. Na verdade, o que está em questão é a tentativa, por parte dos setores opositores, de impor um grande salto para trás, aprofundando a pilhagem e o desmonte dos direitos trabalhistas, da seguridade social, dos serviços públicos e do direito de organização sindical.

A sanha dos golpistas, que se movimentaram muito rapidamente com o propósito de satanizar a declaração de Boulos, ganhou contornos bem mais sérios, quando deputados federais do DEM e PSDB encaminharam à Procuradoria da República um pedido de prisão contra o líder do MTST, reacendendo com toda força a criminalização dos movimentos sociais, que tem tudo para dar um verdadeiro salto de qualidade em razão da lei antiterror recém-aprovada, diga-se de passagem, pelo próprio governo Dilma, num gesto de quem é capaz da generosidade suicida de afiar o machado do próprio carrasco.




Essa peçonhenta provocação jurídico/policial contra Boulos e o MTST, esconde na verdade uma provocação contra todo o movimento social organizado e precisa ser respondida à altura, com uma ampla campanha de solidariedade nacional, custe o que custar. Admitir sem luta, esse insolente pedido de prisão contra Boulos é o mesmo que admitir que, logo em seguida, o tacão da repressão se bata com redobrada violência contra a vanguarda das mobilizações, contra os que fazem greves e contra os que ocupam escolas e fábricas. É inadmissível que a figura de Boulos e o MTST sejam atacados, sem que haja em contrapartida, o devido revide unitário da esquerda socialista brasileira.

Sobretudo, é ainda mais grave deixar que a declaração do MTST, que convoca à resistência generalizada contra a ofensiva conspirativa, simplesmente ecoe no vazio. É inacreditável que a essa altura do campeonato, ainda existam revolucionários recalcitrantes, que recusam que há um golpe institucional em curso, aliás, sugerindo argumentos dos mais genéricos como o de que “não há tanques desfilando nas ruas, nem movimentos de quartel”. Para quem não conhece a história de revoluções e contrarrevoluções no nosso continente, Honduras e Paraguai são exemplos vivos de que os tão desejados tanques, podem ser eventualmente dispensáveis. Aliás, mesmo que se tratasse de um golpe diretamente executado pelas forças armadas, com direito a manobras militares nos centros de poder mais decisivos, como foi em 64, teríamos que primeiro comprovar com os nossos próprios olhos, as ruas tomadas por tanques e os quartéis se insurgindo para, só então, concluir que de fato há um golpe e nos decidirmos pela resistência? Quem admite esse nível de raciocínio, joga tudo na mão da repressão e portanto, se porta como um aventureiro suicida, ainda que involuntariamente. Por outro lado, quem vulgariza o debate, sustentando argumentos inócuos como o de que “o golpe mesmo já foi dado e foi pelo próprio governo Dilma”, deixa solenemente em aberto a obrigação de uma caracterização plausível do que significa essa manobra jurídica/parlamentar/midiática da oposição burguesa contra o governo. Ora, quem confunde uma coisa com a outra e banaliza conceitos dessa forma tão ingênua, mecanicista e portanto deseducativa, não merece ser levado a sério. Se tudo é golpe, nada é golpe. Não é porque o governo Dilma, que de fato joga em favor do inimigo de classe, esteja sob pressão conspirativa de seus opositores burgueses, que podemos nos dar ao luxo de dizer “Bolas, eles que se matem. Não tenho nada que ver com isso”. Fechar os olhos diante dos nítidos movimentos golpistas da oposição burguesa, sob o pretexto das traições do governo Dilma, é estender o tapete vermelho para o rolo compressor do PSDB-DEM-PMDB, que virá logo em seguida. Esse tipo de postura derrotista, em última análise, abre mão de preparar entre nós a nossa própria saída e acaba desarmando qualquer possibilidade de resistência, conduzindo a classe à passividade, sob os pés de seu próprio algoz.

Ademais, já não estamos mais em junho de 2013, quando o governo Dilma e os intelectuais do PT, acossados por milhões nas ruas de Norte a Sul do país, tentaram nos vender a pérfida chantagem de que aquelas manifestações não passavam de um “golpe”, quando na verdade estávamos diante de uma impactante onda de mobilizações empalmada pelo grosso da juventude trabalhadora e precarizada das grandes cidades, movida pelas mais justas reivindicações. Aqui, a coisa é bem diferente: estamos no auge da crise de popularidade de um governo de conciliação de classes, que esgotou suas reservas políticas e vê-se diante de um golpe institucional de signo político reacionário, travestido com a legalidade constitucional de um processo de impedimento, guiado por nomes infames (como Temer, Cunha, Aécio, Serra, FHC, Skaf e família Marinho) que instrumentalizam no interesse de sua ambição, peças chaves da burocracia estatal (PF, MP, Moro, OAB, etc.) e operam com o propósito de afastar o governo Dilma, enterrar as investigações da “lava jato” nos confins do esquecimento e aprofundar os planos de austeridade econômica sobre os ombros do proletariado brasileiro.

Não há outro caminho possível para os lutadores socialistas que não seja incendiar todo o Brasil com greves, ocupações e bloqueio de vias, num enfrentamento implacável para massacrar de vez a reação golpista. A declaração de Guilherme Boulos portanto, deve ser abraçada por todos nós.

Nem defender Dilma, nem a democracia como valor universal.

Todavia, há aqui um grande perigo que precisa ser discutido com sobriedade e dureza. É indesculpável permitir que o legítimo movimento de luta contra essa ofensiva reacionária, seja sequestrado pela tropa de choque do governismo e convertido num movimento chapa branca de explícito apoio político ao governo federal. Mesmo agora, com a hipótese do golpe se consumar, não cabe a menor linha de apoio a um governo que vacila diante dos golpistas, quando hesita em expulsar o PMDB do seu próprio governo, mas não pensa duas vezes em fustigar a classe trabalhadora com mais austeridade econômica e leis repressivas. É preciso se posicionar contra o golpe da oposição burguesa, não em favor dos interesses do governo de turno, mas justamente apesar dele e até mesmo contra ele. Para ser ainda mais enfático, é necessário estar disposto a ir além do que o próprio PT pode ir para esmagar a ofensiva golpista em curso. Mas não devemos ter a menor dúvida, de que, caso seja debelado o intento golpista, Dilma seguirá orquestrando os planos de ajuste ao mesmo tempo que convocará os golpistas à reconciliação, em proveito da democracia (burguesa). Não há elemento algum, que indique o contrário.

A unidade entre a esquerda, pela qual devemos combater, está justamente a serviço de impedir não só uma virada reacionária ainda mais desfavorável para a classe trabalhadora, mas principalmente, que possamos edificar um verdadeiro bloco nacional de esquerda e classista, capaz de atrair e unificar os mais abnegados ativistas das últimas mobilizações pelo país, e que permita oferecer uma verdadeira alternativa socialista, diante do processo de esgotamento do ciclo petista. É exatamente por tudo que foi dito até aqui, que é inaceitável que o chamado de Boulos seja não somente atendido, mas sobretudo, transformado em uma ampla e verdadeira campanha em torno da proposta de unidade. Assim como também é inadmissível que casos, como os recentes assassinatos de dois militantes do MST, não sirvam como um sinal de alarme para que os revolucionários concretizem essa necessária unidade. Não podemos nos dar ao luxo de perder ainda mais tempo. Já está passando da hora de acender o pavio.

[1]. “Há setores do mercado que acham que vão tirar Dilma e vão fazer as "reformas estruturais" que se precisa para a sociedade brasileira. O escambau. Este país vai ser incendiado por greves, por ocupações, mobilizações, travamentos. Se forem até as últimas consequências nisso não vai haver um dia de paz no Brasil’ referencia de dia e lugar em que isso foi dito” 22/03/16

LUTO


sexta-feira, 1 de abril de 2016

Uma "rápida" observação do que foram os atos desse dia 31 (texto de Bruno Rodrigues)


Mais uma contribuição do nosso camarada Bruno Rodrigues, estudante da UFC, ativista do Coletivo Construção Socialista e militante da Nova Organização Socialista. Neste texto Bruno aborda os atos de 31 de março promovidos em todo o país chamando atenção para a composição política que vai para bem além dos que supostamente aderiram ao governismo.

Como sempre, uma boa leitura.


Para uma "rápida" observação do que foram os atos desse dia 31, não acho prudente começar afirmando de forma sumária e portanto simplória, de que se tratava de um ato objetivamente governista. Que foram atos governistas, é só metade do assunto, pois, tal como dia 18, é preciso considerar não quem foi às ruas pelo governo, mas justamente quem foi apesar dele. Não se trata, aliás, somente da Frente Povo Sem Medo (do qual participam o PSOL, MTST e outras tantas correntes fora do governismo) que formalmente aderiu ao dia 31, tentando preservar algum espirito crítico em relação ao governo, mas particularmente para além dessa frente.

Para muitos, está claro como a luz do dia, que não se trata de preservar esse governo, mas de impedir que um pior se instale. Muitos amigos foram ontem, justamente com esse espírito.

Não creio que o apoio ao governo seja unânime na classe trabalhadora. Muitos dos que foram, apesar do governo e apesar do seu receio de se diluírem no mar CUTista de babação do Lula e da Dilma, o fizeram por saber, de forma muito certeira, que esse governo só pode ser derrubado pela própria classe trabalhadora, e não pelos partidos oficiais da burguesia. Por mais que o PT tenha se esforçado para conseguir um lugar no banquete, a burguesia não aceita quem venha de um berço de classe distinto do seu e pra ela, chegou a hora de expulsar esses "forasteiros no palácio do capital".

Lula e o PT, já perderam aquela autoridade que tinham, quando aplicavam as piores contrarreformas sociais, ao mesmo tempo que pediam paciência da classe trabalhadora e ainda contavam com a obediência cega, surda e muda da CUT e da UNE, e com a trégua do MST. Michel Temer, que está a anos luz dessa autoridade, sem dúvidas será considerado um governo frágil e também estará sujeito a um novo afastamento por parte dos seus aliados, se não estiver à altura da empreitada que será aplicar sua "ponte para o futuro".

O dificílimo desafio está justamente, e por sinal já em atraso de alguns meses, em combater em dois fronts: impedir que o golpe institucional se consuma, ao mesmo tempo que se combata sem trégua, contra o plano de austeridade econômica do governo Dilma. Me esforçando para evitar o perigo do auto-engano, acredito que reverter a correlação de forças a nossa favor, não é impossível. Para isso, TODA unidade na ação é indispensável, mas a independência política e de classe, é fator vital.

Que chorem aqueles que se apavoram com as incongruências da conjuntura e exigem, armados com sua espadinha de papel da lógica formal, que a realidade volte a ser alinhada em preto e branco. Que praguejem sua fraseologia idealista à vontade: só encontrarão ouvidos moucos, em meio a classe trabalhadora. Quem não consegue reconhecer os matizes e variações de cores dessa conjuntura, só mostra que não entendeu nada do que vem acontecendo de junho de 2013 até aqui.