domingo, 10 de abril de 2016

Já está passando da hora de acender o pavio (texto de Bruno Rodrigues)


Nosso camarada Bruno Rodrigues, militante da NOS Fortaleza e ativista do Coletivo Construção Socialista, analisa o chamado de Guilherme Boulos do MTST a incendiar o país de greves e ocupações e a reação tanto da direita como da esquerda revolucionária levando em consideração a conjuntura de ataques ainda maior aos direitos dos trabalhadores que se avizinham.

Boa leitura.

Nós, marxistas, consideramos Brüning, Hitler e Braun como os diversos elementos do mesmo sistema. A pergunta “Qual deles é o mal menor?” não tem qualquer sentido, porque o sistema que combatemos tem a necessidade de todos esses elementos. Mas esses elementos acham-se agora em conflito, e o partido do proletariado deve utilizar esse conflito no interesse da revolução. Uma escala compreende sete notas. A pergunta “Qual dessas notas é a 'melhor': dó, ré ou sol?” é uma pergunta desprovida de sentido. O músico, porém, deve saber quando e em que tecla bater. (...)

Claro que é doloroso ter que explicar este abêcê. Mas é triste, muito triste, quando músicos (...), em lugar de distinguir as notas, batem no teclado com as pastas.”

Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha

A declaração[1] do coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, de que caso o golpe reacionário institucional da oposição burguesa venha a se consumar, estaria disposto a incendiar o país inteiro com greves e ocupações de resistência, foi o mais importante chamado de um dirigente político do movimento de massas brasileiro, contra os golpistas. Nenhuma outra organização de importância nacional se dispôs, até então, a assumir qualquer chamado à mobilização generalizada contra o golpe. As corajosas palavras de Boulos, merecem ser levadas em consideração e com toda seriedade, por cada ativista social desse país. Se alguém guarda alguma ilusão de que podemos confiar nas manobras jurídicas e nos conchavos espúrios do próprio PT, e em troca abrir mão de instigar a ação direta e independente da classe trabalhadora, o golpe reacionário institucional passará e certamente, não será só o governo Dilma e seu partido que serão penalizados. Na verdade, o que está em questão é a tentativa, por parte dos setores opositores, de impor um grande salto para trás, aprofundando a pilhagem e o desmonte dos direitos trabalhistas, da seguridade social, dos serviços públicos e do direito de organização sindical.

A sanha dos golpistas, que se movimentaram muito rapidamente com o propósito de satanizar a declaração de Boulos, ganhou contornos bem mais sérios, quando deputados federais do DEM e PSDB encaminharam à Procuradoria da República um pedido de prisão contra o líder do MTST, reacendendo com toda força a criminalização dos movimentos sociais, que tem tudo para dar um verdadeiro salto de qualidade em razão da lei antiterror recém-aprovada, diga-se de passagem, pelo próprio governo Dilma, num gesto de quem é capaz da generosidade suicida de afiar o machado do próprio carrasco.




Essa peçonhenta provocação jurídico/policial contra Boulos e o MTST, esconde na verdade uma provocação contra todo o movimento social organizado e precisa ser respondida à altura, com uma ampla campanha de solidariedade nacional, custe o que custar. Admitir sem luta, esse insolente pedido de prisão contra Boulos é o mesmo que admitir que, logo em seguida, o tacão da repressão se bata com redobrada violência contra a vanguarda das mobilizações, contra os que fazem greves e contra os que ocupam escolas e fábricas. É inadmissível que a figura de Boulos e o MTST sejam atacados, sem que haja em contrapartida, o devido revide unitário da esquerda socialista brasileira.

Sobretudo, é ainda mais grave deixar que a declaração do MTST, que convoca à resistência generalizada contra a ofensiva conspirativa, simplesmente ecoe no vazio. É inacreditável que a essa altura do campeonato, ainda existam revolucionários recalcitrantes, que recusam que há um golpe institucional em curso, aliás, sugerindo argumentos dos mais genéricos como o de que “não há tanques desfilando nas ruas, nem movimentos de quartel”. Para quem não conhece a história de revoluções e contrarrevoluções no nosso continente, Honduras e Paraguai são exemplos vivos de que os tão desejados tanques, podem ser eventualmente dispensáveis. Aliás, mesmo que se tratasse de um golpe diretamente executado pelas forças armadas, com direito a manobras militares nos centros de poder mais decisivos, como foi em 64, teríamos que primeiro comprovar com os nossos próprios olhos, as ruas tomadas por tanques e os quartéis se insurgindo para, só então, concluir que de fato há um golpe e nos decidirmos pela resistência? Quem admite esse nível de raciocínio, joga tudo na mão da repressão e portanto, se porta como um aventureiro suicida, ainda que involuntariamente. Por outro lado, quem vulgariza o debate, sustentando argumentos inócuos como o de que “o golpe mesmo já foi dado e foi pelo próprio governo Dilma”, deixa solenemente em aberto a obrigação de uma caracterização plausível do que significa essa manobra jurídica/parlamentar/midiática da oposição burguesa contra o governo. Ora, quem confunde uma coisa com a outra e banaliza conceitos dessa forma tão ingênua, mecanicista e portanto deseducativa, não merece ser levado a sério. Se tudo é golpe, nada é golpe. Não é porque o governo Dilma, que de fato joga em favor do inimigo de classe, esteja sob pressão conspirativa de seus opositores burgueses, que podemos nos dar ao luxo de dizer “Bolas, eles que se matem. Não tenho nada que ver com isso”. Fechar os olhos diante dos nítidos movimentos golpistas da oposição burguesa, sob o pretexto das traições do governo Dilma, é estender o tapete vermelho para o rolo compressor do PSDB-DEM-PMDB, que virá logo em seguida. Esse tipo de postura derrotista, em última análise, abre mão de preparar entre nós a nossa própria saída e acaba desarmando qualquer possibilidade de resistência, conduzindo a classe à passividade, sob os pés de seu próprio algoz.

Ademais, já não estamos mais em junho de 2013, quando o governo Dilma e os intelectuais do PT, acossados por milhões nas ruas de Norte a Sul do país, tentaram nos vender a pérfida chantagem de que aquelas manifestações não passavam de um “golpe”, quando na verdade estávamos diante de uma impactante onda de mobilizações empalmada pelo grosso da juventude trabalhadora e precarizada das grandes cidades, movida pelas mais justas reivindicações. Aqui, a coisa é bem diferente: estamos no auge da crise de popularidade de um governo de conciliação de classes, que esgotou suas reservas políticas e vê-se diante de um golpe institucional de signo político reacionário, travestido com a legalidade constitucional de um processo de impedimento, guiado por nomes infames (como Temer, Cunha, Aécio, Serra, FHC, Skaf e família Marinho) que instrumentalizam no interesse de sua ambição, peças chaves da burocracia estatal (PF, MP, Moro, OAB, etc.) e operam com o propósito de afastar o governo Dilma, enterrar as investigações da “lava jato” nos confins do esquecimento e aprofundar os planos de austeridade econômica sobre os ombros do proletariado brasileiro.

Não há outro caminho possível para os lutadores socialistas que não seja incendiar todo o Brasil com greves, ocupações e bloqueio de vias, num enfrentamento implacável para massacrar de vez a reação golpista. A declaração de Guilherme Boulos portanto, deve ser abraçada por todos nós.

Nem defender Dilma, nem a democracia como valor universal.

Todavia, há aqui um grande perigo que precisa ser discutido com sobriedade e dureza. É indesculpável permitir que o legítimo movimento de luta contra essa ofensiva reacionária, seja sequestrado pela tropa de choque do governismo e convertido num movimento chapa branca de explícito apoio político ao governo federal. Mesmo agora, com a hipótese do golpe se consumar, não cabe a menor linha de apoio a um governo que vacila diante dos golpistas, quando hesita em expulsar o PMDB do seu próprio governo, mas não pensa duas vezes em fustigar a classe trabalhadora com mais austeridade econômica e leis repressivas. É preciso se posicionar contra o golpe da oposição burguesa, não em favor dos interesses do governo de turno, mas justamente apesar dele e até mesmo contra ele. Para ser ainda mais enfático, é necessário estar disposto a ir além do que o próprio PT pode ir para esmagar a ofensiva golpista em curso. Mas não devemos ter a menor dúvida, de que, caso seja debelado o intento golpista, Dilma seguirá orquestrando os planos de ajuste ao mesmo tempo que convocará os golpistas à reconciliação, em proveito da democracia (burguesa). Não há elemento algum, que indique o contrário.

A unidade entre a esquerda, pela qual devemos combater, está justamente a serviço de impedir não só uma virada reacionária ainda mais desfavorável para a classe trabalhadora, mas principalmente, que possamos edificar um verdadeiro bloco nacional de esquerda e classista, capaz de atrair e unificar os mais abnegados ativistas das últimas mobilizações pelo país, e que permita oferecer uma verdadeira alternativa socialista, diante do processo de esgotamento do ciclo petista. É exatamente por tudo que foi dito até aqui, que é inaceitável que o chamado de Boulos seja não somente atendido, mas sobretudo, transformado em uma ampla e verdadeira campanha em torno da proposta de unidade. Assim como também é inadmissível que casos, como os recentes assassinatos de dois militantes do MST, não sirvam como um sinal de alarme para que os revolucionários concretizem essa necessária unidade. Não podemos nos dar ao luxo de perder ainda mais tempo. Já está passando da hora de acender o pavio.

[1]. “Há setores do mercado que acham que vão tirar Dilma e vão fazer as "reformas estruturais" que se precisa para a sociedade brasileira. O escambau. Este país vai ser incendiado por greves, por ocupações, mobilizações, travamentos. Se forem até as últimas consequências nisso não vai haver um dia de paz no Brasil’ referencia de dia e lugar em que isso foi dito” 22/03/16

LUTO


sexta-feira, 1 de abril de 2016

Uma "rápida" observação do que foram os atos desse dia 31 (texto de Bruno Rodrigues)


Mais uma contribuição do nosso camarada Bruno Rodrigues, estudante da UFC, ativista do Coletivo Construção Socialista e militante da Nova Organização Socialista. Neste texto Bruno aborda os atos de 31 de março promovidos em todo o país chamando atenção para a composição política que vai para bem além dos que supostamente aderiram ao governismo.

Como sempre, uma boa leitura.


Para uma "rápida" observação do que foram os atos desse dia 31, não acho prudente começar afirmando de forma sumária e portanto simplória, de que se tratava de um ato objetivamente governista. Que foram atos governistas, é só metade do assunto, pois, tal como dia 18, é preciso considerar não quem foi às ruas pelo governo, mas justamente quem foi apesar dele. Não se trata, aliás, somente da Frente Povo Sem Medo (do qual participam o PSOL, MTST e outras tantas correntes fora do governismo) que formalmente aderiu ao dia 31, tentando preservar algum espirito crítico em relação ao governo, mas particularmente para além dessa frente.

Para muitos, está claro como a luz do dia, que não se trata de preservar esse governo, mas de impedir que um pior se instale. Muitos amigos foram ontem, justamente com esse espírito.

Não creio que o apoio ao governo seja unânime na classe trabalhadora. Muitos dos que foram, apesar do governo e apesar do seu receio de se diluírem no mar CUTista de babação do Lula e da Dilma, o fizeram por saber, de forma muito certeira, que esse governo só pode ser derrubado pela própria classe trabalhadora, e não pelos partidos oficiais da burguesia. Por mais que o PT tenha se esforçado para conseguir um lugar no banquete, a burguesia não aceita quem venha de um berço de classe distinto do seu e pra ela, chegou a hora de expulsar esses "forasteiros no palácio do capital".

Lula e o PT, já perderam aquela autoridade que tinham, quando aplicavam as piores contrarreformas sociais, ao mesmo tempo que pediam paciência da classe trabalhadora e ainda contavam com a obediência cega, surda e muda da CUT e da UNE, e com a trégua do MST. Michel Temer, que está a anos luz dessa autoridade, sem dúvidas será considerado um governo frágil e também estará sujeito a um novo afastamento por parte dos seus aliados, se não estiver à altura da empreitada que será aplicar sua "ponte para o futuro".

O dificílimo desafio está justamente, e por sinal já em atraso de alguns meses, em combater em dois fronts: impedir que o golpe institucional se consuma, ao mesmo tempo que se combata sem trégua, contra o plano de austeridade econômica do governo Dilma. Me esforçando para evitar o perigo do auto-engano, acredito que reverter a correlação de forças a nossa favor, não é impossível. Para isso, TODA unidade na ação é indispensável, mas a independência política e de classe, é fator vital.

Que chorem aqueles que se apavoram com as incongruências da conjuntura e exigem, armados com sua espadinha de papel da lógica formal, que a realidade volte a ser alinhada em preto e branco. Que praguejem sua fraseologia idealista à vontade: só encontrarão ouvidos moucos, em meio a classe trabalhadora. Quem não consegue reconhecer os matizes e variações de cores dessa conjuntura, só mostra que não entendeu nada do que vem acontecendo de junho de 2013 até aqui.