domingo, 21 de abril de 2013

"O ser humano é mal por natureza"... é mesmo? (*)

Você com certeza já ouviu isso? Eu pelo menos ouvi muitas e muitas vezes. Meu próprio pai é campeão em repetir essa máxima tal como se fosse um mantra, meio que na esperança de que seu filho deixe de acreditar que a humanidade tem jeito. Sempre que possível ele me fala sobre as crianças que desde pequenas brigam umas com as outras repetindo o "é meu, é meu". O argumento parece irrefutável, afinal como é que mal aprendeu a falar o danado do "bicho gente", como meu velho gosta de se referir a todos nós, já começa a disputar a posse por isso ou por aquilo?

Bem... o conceito de propriedade é de fato um câncer para nossa espécie, mas honestamente ele é exatamenente isso e somente isso: um conceito. E os conceitos não nascem conosco, nós os aprendemos, e como somos muito inteligentes, aprendemos bem rápido, tal como os meninos, via de regra, aprendem a ser "masculinos" e as meninas a ser "femininas". Também aprendemos a ser competitivos, egoistas, oportunistas, insensíveis, machistas, racistas, homofóbicos...e é isso, nós aprendemos. E o aprendizado, tem a ver com o tipo de sociedade em que vivemos, com seus valores.

Lendo o livro de Dee Brown, "Enterrem meu coração na curva do Rio" sobre o exterminío das nações indígenas do norte da América pelos colonizadores europeus, me deparei com a seguinte passagem em que Colombo relata ao rei e à rainha da Espanha sobre os povos que por aqui viviam:
"Tão afáveis, tão pacíficos são eles que juro a Vossas Majestades que não há no mundo uma nação melhor. Amam a seus próximos como a si mesmos, e sua conversação é suave e gentil, e acompanhada de sorrisos; embora seja verdade que andam nus, suas maneiras são decentes e elogiáveis."
Onde está o homem mal "por natureza" no relato de Colombo? Sequer existe o medo do desconhecido. Viajantes cheirando mal e usando roupas malucas, falando linguas incompreensíveis e se portando como bárbaros sem um pingo de respeito pelos próprios corpos daqueles homens e mulheres nativos, aportam sem pedir licença nas terras daquela nação, e são recebidos com uma hospitalidade que hoje sequer temos capacidade de imaginar.

E não estamos falando de pequenos agrupamentos de homens e mulheres, mas de nações de milhares de pessoas. Só uma delas pra se ter idéia, os powhatan, do conhecido conto Pocahontas, quando por fim se levantou em guerra de resistência contra os abusos do colonizador inglês, viu 7 mil de seus irmãos e irmãs serem dizimados pelas armas de fogo européias.

Não... não é da natureza da humanidade ser mal. Infelizmente essa danação que inventamos há tempos, chamada "propriedade privada", e com ela todos os seus valores relacionados, tornou-se nosso monstro de Frankestein que tal como no romance de Mary Shelley, vai acabar nos levando à morte de uma vez por todas.

(*) Texto de opinião publicado em junho de 2011 como nota na minha abandonada página do Facebook que recentemente voltei a visitar.

Uma opinião "neutra" sobre o aborto (#charge via @elhombritorojo)

Naturalmente, não podemos fazer amor, nem engravidar ninguém,
não sabemos nada de mulheres, nem de maternidade, nem muito menos
o que representa ter um filho, por isso exigimos que nos escutem sobre o
tema do aborto... Onde vão encontrar uma opinião mais neutra que a nossa?

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Por que correram, deputados? (belo e oportuno artigo de Elaine Tavares para @Brasil_de_Fato)

O texto a seguir correu as redes sociais acompanhando as imagens dos deputados correndo dos índios ao adentrar na tal dita casa do povo no último dia 16 de abril em uma cena sem dúvida alguma impagável. A ação de ocupação da câmara foi um ato de bravura dos povos indígenas que nos enche de orgulho de ser brasileiros ao mesmo tempo que foi uma cena de imensa vergonha para os nada nobre deputados. A jornalista Elaine Tavares retrata o caso em um belo e oportuno artigo publicado no jornal Brasil de Fato e que colamos aqui na íntegra.

Por que correram, deputados?


A cena protagonizada pelos deputados seria risível se não representasse claramente o que pensam dos índios. Os engravatados correram, desesperados, quando viram um pequeno grupo de indígenas avançando em danças rituais pelo meio do plenário. Para eles, aqueles homens e mulheres nada mais são do que selvagens, perigosos e ameaçadores. Não conseguem os ver como cidadãos brasileiros, iguais a eles em direitos e deveres. Os deputados correram por que? De medo? E por que teriam medo? Porque sabem muito bem o que fazem e como tratam os povos indígenas nesse país

Elaine Tavares

As comunidades indígenas do Brasil estão em processo de crescimento. Desde 1991 , segundo mostraram os dados do IBGE, o aumento da população foi de 205%. Hoje, o Brasil já contabiliza 896,9 mil índios de 305 etnias, e em quase todos os municípios (80%) tem alguma pessoa autodeclarada indígena. Até mesmo alguns grupos já considerados extintos, como os Charrua, se levantam, se juntam, retomam suas raízes, formam associações e lutam por território. Isso significa que a luta que vem incendiando a América Latina desde o início dos anos 90 já chegou por aqui.

Não é sem razão que causou tanto estupor a declaração dos Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, de resistir até o último homem caso forem retirados de suas terras. É que as comunidades já estão fartas de conversinhas e promessas governamentais. Querem ver seus direitos garantidos agora e estão dispostos a lutar. Isso também coloca todo mundo em polvorosa, porque, de certa forma, quando os índios estão quietinhos nas aldeias, são muito bem vistos. Mas, bastou levantar o tacape para que os racistas e reacionários de plantão já se alvorocem. É o que acontece hoje em Santa Catarina, quando é chegada a hora da desintrusão da terra indígena do Morro dos Cavalos. Aceitos por vários anos, vivendo em condições precárias em poucos hectares, agora que tiveram as terras definitivamente demarcadas e lutam pela desocupação do território, provocam o ódio de comunidades pacatas e cheias de "gente de bem".

Também é o que se vê na luta contra Belo Monte e as demais hidrelétricas que poderão destruir boa parte da vida no Xingu. As revoltas das comunidades indígenas e ribeirinhas incitam os velhos ódios e não faltam as vozes a clamar contra o que chamam de "obstáculos ao progresso". Já as fazendas de gado e de monocultura que destroem pouco a pouco a Amazônia são vistas como "desenvolvimento". Da mesma forma foram julgados como baderneiros e oportunistas os indígenas que ocuparam e resistiram na Aldeia Maracanã por sete longos anos, querendo unicamente preservar um espaço histórico. Foram retirados à força, como se fossem bandidos.

Agora, os ataques vem do governo e do Congresso Nacional, no qual tramita uma proposta de mudança na Constituição, a PEC 215. Essa proposta tem por objetivo transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que até então é de responsabilidade do poder executivo, por meio da Funai, do Ibama e da FCP, respectivamente. A aprovação da PEC põe em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura.

Além disso também está em vigor a portaria 303, da AGU, que define que qualquer terra já demarcada pode ser revista e tirada das comunidades, basta que dentro delas haja algo que seja do interesse dessa gente sempre pronta a sugar as riquezas do país (minérios, petróleo, rios). Ou seja, é a forma moderna de dominação dos mesmos velhos opressores. Se antes eram os arcabuzes, agora é a lei. E o que é mais espantoso, uma lei que viola a Carta Magna.

Por isso é que os indígenas brasileiros organizados decidiram fazer uma ação em Brasília, junto aos deputados. Sabem que não dá para confiar numa casa cujos habitantes foram eleitos por grupos econômicos que sistematicamente vêm rapinando as riquezas da nação e, portanto, não hesitarão passar por cima de comunidades inteiras se isso for necessários aos seus interesses. E tanto isso é verdade que ontem (dia16.04) eles estavam lá, tentando conversar, tentando entrar na casa que dizem, é do povo. Mas, estavam impedidos. Só que decidiram não aceitar uma imposição sem sentido. Se a casa é do povo, entrariam. E foi o que fizeram. Forçaram a porta e adentraram ao plenário, onde os engravatados os ignoravam.

A cena protagonizada pelos deputados seria risível se não representasse claramente o que pensam dos índios. Os engravatados correram, desesperados, quando viram um pequeno grupo de indígenas avançando em danças rituais pelo meio do plenário. Para eles, aqueles homens e mulheres nada mais são do que selvagens, perigosos e ameaçadores. Não conseguem os ver como cidadãos brasileiros, iguais a eles em direitos e deveres. Os deputados correram por que? De medo? E por que teriam medo? Porque sabem muito bem o que fazem e como tratam os povos indígenas nesse país.

A vergonhosa correria rendeu frutos aos indígenas. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), acabou propondo uma saída honrosa. A casa suspenderia a criação da comissão especial que iria apreciar o mérito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e criaria um grupo paritário para discutir os temas de interesse dos povos indígenas. Os índios reunidos no Salão Verde conversaram e deliberaram aceitando a proposta .

Agora é vigiar porque esse não vai ser um debate fácil. Tanto o governo como os grupos de poder que financiam a maioria dos deputados querem poder dispor das terras indígenas que estão cheias de riqueza. Mas, o fato é que a ação do "abril indígena" conseguiu pelo menos colocar em pauta um tema que já vem caminhando desde anos e não recebe a devida atenção nem pela mídia nem pelos deputados. Foi uma vitória, parcial e temporária, mas ainda assim uma vitória. O que prova por a + b que só a ação direta e organizada faz a vida das gentes avançar. E, para aqueles que estão aí, na luta sempre, a cena do apavoramento dos deputados deixa muito claro que eles sim, têm medo, embora não tenham prurido de destruir sistematicamente o modo de vida dos povos indígenas. A lição do abril indígena é singela: é preciso fazer com essa gente que não leva em conta os desejos das maiorias voltem a ter medo delas. A luta de classes avança por aqui também...

domingo, 7 de abril de 2013

Fotos das manifestações deste domingo contra o "Exílio forçado" na Espanha #JuventudSinFuturo #QueSeVayanEllos7A







Leia sobre a manifestação da juventude espanhola neste 07 de abril aqui.

"Juventude sem futuro" espanhola tomou as ruas de 33 cidades no mundo este domingo


Neste domingo, 7 de abril, as ruas de Madrid e de outras 32 cidades no mundo foram palco de manifestações contra a política econômica da Troica na Europa e em especial na Espanha. O lema das manifestações foi "No nos vamos, nos echan" (Não nos vamos, nos expulsam) em referência à falta de perspectivas que leva a juventude espanhola ao que está sendo chamado de "exilio forçado".

Já fazem dois anos que a juventude espanhola se enfrenta com a crise econômica. Em 2011 o movimento 15M, referência à data 15 de março, protagonizou manifestações de rua com o lema "Sin casa, sin curro, sin pensión, sim miedo" (sem casa, sem trabalho, sem aposentadoria, sem medo). Daquela data pra cá as condições de vida dos espanhóis só pioraram e as perspectivas não são nada animadoras.

O dia de protesto que havia sido programado inicialmente para acontecer somente em Madrid recebeu a adesão de centenas de jovens em várias partes do mundo, muitos já "exilados" de suas cidades, o que levou a manifestações também em Amsterdam, Bruxelas, Buenos Aires, Lisboa, Londres, Munique, Nova Iorque, Paris, Roma, Santiago do Chile, entre outras.

Acertadamente os manifestantes entendem que é preciso expulsar seus governantes antes que a grande maioria da juventude se veja obrigada a enfrentar o exílio. Mas é preciso construir a ponte desta necessidade básica de morar e trabalhar em sua própria terra com a tarefa urgente de construir a alternativa de poder na Espanha. Expulsa-se um governante hoje, outro lhe toma o lugar. É preciso muti mais que isso. Tomar o poder e construir um governo da classe trabalhadora espanhola contra os banqueiros e grandes empresários da comunidade européia deveria ser o caminho da juventude em luta. Romper com a Comunidade Européia e construir um exemplo e ponto de apoio às lutas de todos os trabalhadores europeus deveria ser a pedra fundamental deste governo. Retomar o debate estratégico sobre o socialismo é inadiável.

Todo o esforço, toda energia que não aponte para este caminho infelizmente será em vão. Deter o exílio da juventude é urgente. Tomar o poder na Espanha também.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Desarquivando músicas que desafiavam canhões: Pra não dizer que não falei das flores #desarquivandoBr

Pra não dizer que não falei de flores é um clássico da música popular brasileira. Composta em 1968, participou do Festival da canção daquele mesmo ano e ficou em segundo lugar, perdendo para Sabiá de Tom Jobim e Chico Buarque. Perdeu, mas não sem protesto do público presente que vaiou com toda sua força aquele resultado. Seus versos fortes pertubaram o regime militar e fizeram seu autor, o paraibano Geraldo Pedroso de Araújo, o Geraldo Vandré, ser jurado de morte tal como relatam Caetano e Gil no documentário "Canções do Exílio". Os generais não poderiam admitir que uma canção questionasse a autoridade militar e era exatamente isso que a música fazia ao afirmar "Há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição de morrer pela pátria e viver sem razão". A ira despertada foi tanta que as fitas com a participação de Vandré naquele festival, simplesmente sumiram. Não existem mais.

Quando Caetano e Gil foram sequestrados pelos militares em dezembro de 1968, os golpistas também saíram à caça de Vandré mas não o encontraram. Avisado, partiu para o exílio. No dia 11 de setembro de 1973, Geraldo teria voltado do Chile, no exato dia do golpe de Pinochet. Apareceu no aeroporto e lá estava a TV Globo para entrevistá-lo. Falou que daquele dia em diante só cantaria músicas de amor. Gravou em seguida Fabiana em homenagem à FAB. No fim das contas voltou o Geraldo mas não voltou o Vandré. Relatos falam que fora preso ainda no Chile, meses antes da tal chegada. Teria sido torturado, emasculado, despedaçado e transformado em um morto-vivo, sem mais nenhum vestígio do autor de Disparada, Che, Aroeira, Cantiga Brava e muito menos de Pra não dizer que não falei das flores.

Os militares cumpriram sua promessa. Mataram o Vandré. Sua obra, porém, segue desafiando canhões.




Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer


Nota: Este post é uma contribuição à VII blogagem coletiva #desaquivandoBR.