quinta-feira, 24 de abril de 2014

A morte de Lênin e a mensagem de Trotsky


Aos 53 anos de idade, no dia 21 de janeiro de 1924, Lênin faleceu. A causa da morte é questionável. É verdade que desde 1922 já havia sofrido três acidentes vasculares cerebrais e portanto o mais aceitável até o ano de sua morte seria a hipótese de que o corpo de Vladimir Ilitch simplesmente não tivesse mais suportado o ritmo alucinado de construir o primeiro Estado Operário do planeta. Todavia, examinando sua morte à luz dos acontecimentos que se sucederam nas duas décadas seguintes é de uma inocência injustificada não aceitar a tese de assassinato pelas mãos da própria burocracia. Lênin era um obstáculo.

Ainda em 1922, Lênin acordara para a necessidade de dar a batalha contra a burocracia. Data de dezembro de 22, suas cartas em que sugere afastar Stalin, que mais tarde seriam conhecidas como seu testamento. Em 1923, pouco antes do XII Congresso fechara acordo com Trotsky para exigir diretamente do Congresso o afastamento de Stalin, e isso sem qualquer discussão prévia no Birô Político ou no Comitê Central do partido. Insistira inclusive para que Leon não fechasse nenhum acordo com o triunvirato (Kamenev, Zinoviev e Stalin). Trotsky, não o ouviu e aceitou o recuo da burocracia em troca de não colocar suas cabeças a prêmio. Não teve ele, Lênin, a oportunidade de defender por conta própria suas posições em função de recaída há pouco mais de um mês da realização do Congresso.

Em janeiro do ano seguinte, Lenin morre. Trotsky, o segundo homem mais respeitado na Rússia Soviética, estava então em Tifilis curando-se de uma enfermidade que o afastara de Moscou. Quando entrou em contato para saber a data do funeral para que pudesse se preparar para estar presente, foi informado que seria no sábado, tornando impossível de chegar a tempo. A cerimônia foi no domingo. Stalin, foi o único orador naquele dia, prostrando-se sempre ao lado do caixão pelo qual passaram quase 1 milhão de pessoas apesar do rigoroso inverno.

De Tífilis, Trotsky escreveu a seguinte mensagem em homenagem a seu "mestre".


Lênin Morreu.


Lênin Morreu. Lênin já não existe. As leis obscuras que regulam o funcionamento da circulação arterial puseram termo a essa existência. A arte da medicina viu-se impotente para operar o milagre que dela se esperava apaixonadamente, que dela exigiam milhões de corações.

Quantos homens haverá entre nós que de boa vontade e sem hesitação teriam dado o sangue até à última gota para reanimar, para regenerar o organismo do grande chefe, de Lênin Ilitch, o único, o inimitável? Mas não havia milagre possível, aí onde a ciência era impotente. E Lenine morreu. Estas palavras caem sobre a nossa consciência de uma maneira terrível, tal como o rochedo gigante cai no mar. Poderá acreditar-se? Poderá aceitar-se?

A consciência dos trabalhadores do mundo inteiro não vai querer admitir este fato, pois o inimigo dispõe ainda de uma força considerável; o caminho a percorrer é longo; a grande tarefa, a maior que jamais foi empreendida na História, não está terminada; pois Lênin é necessário à classe operária mundial, indispensável como talvez jamais alguém o tenha sido na história da humanidade.

O segundo ataque da sua doença, muito mais grave do que o primeiro, durou mais de dez meses. O sistema arterial, segundo a amarga expressão dos médicos, não cessou de "brincar" durante todo esse tempo. Terrível brincadeira em que se jogava a vida de Ilitch. Podíamos esperar uma melhoria e quase que uma cura absoluta, mas também podiamos esperar uma catástrofe. Estávamos todos à espera da convalescença, foi a catástrofe que se produziu. O regulador cerebral da respiração recusou-se a funcionar e apagou o órgão do genial pensamento.

Perdemos Ilitch. O Partido está órfão, a classe operária está órfã. É, acima de tudo, o sentimento que temos ao ouvir a notícia da morte do mestre, do chefe.

Como iremos prosseguir? Encontraremos o caminho? Não iremos perder-nos? Porque Lênin, camaradas, já não se encontra entre nós...

Lênin já não existe, mas temos o leninismo. O que havia de imortal em Lênin - os seus ensinamentos, o seu trabalho, os seus métodos, o seu exemplo - vive em nós, neste Partido que criou, neste primeiro Estado operário à cabeça do qual se encontrou e que ele dirigiu.

Neste momento, os nossos corações estão invadidos por esta dor tão profunda, porque todos nós fomos contemporâneos de Lênin, trabalhamos a seu lado, estudamos na sua escola. O nosso Partido é o leninismo em ação; o nosso Partido é o chefe coletivo dos trabalhadores. Em cada um de nós vive uma parcela de Lênin, o que constitui o melhor de cada um de nós.

Como avançaremos a partir de agora? Com o facho do leninismo na mão. Encontraremos o caminho? Sim, através do pensamento coletivo, da vontade coletiva do Partido, encontrá-lo-emos!

E amanhã, e depois de amanhã, daqui a oito dias, daqui a um mês, interrogar-nos-emos ainda: será possível que Lênin já não exista? Durante longo tempo esta morte parecer-nos-á um capricho da natureza, inverosímil, impossível, monstruoso.

Que este sofrimento cruel que sentimos, que cada um de nós sente no coração ao lembrar-se que Lênin já não existe, seja para nós um aviso diário: lembremo-nos que a nossa responsabilidade é agora muito maior. Sejamos dignos do chefe que nos instruiu!

No sofrimento e no luto, cerremos fileiras, aproximemos os nossos corações, agrupemo-nos mais estreitamente para as novas batalhas!

Camaradas, irmãos, Lênin já não está entre nós. Adeus Ilitch! Adeus, chefe!...

Estação de Tiflis, 22 de Janeiro de 1924.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Você precisa assistir "11 de setembro" de Ken Loach


Ken Loach é um cineasta britânico responsável por filmes como Terra e Liberdade (1995) e Pão e Rosas (2000). Em 2002 participou de uma coletânea de curtas sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 com outros 10 cineastas. Cada um contou sobre sua visão sobre o episódio em 11 minutos. Ken Loach resolveu fazer algo diferente. Resolveu contar a história de outro 11 de setembro. O de 1973, no Chile.

Com a narrativa do cantor chileno Vladimir Vega, conta a tragédia que derrubou o presidente eleito Salvador Allende e instaurou uma ditadura de 17 anos que pode ter vitimado mais de 100.000 pessoas.

O curta de Ken Loach recebeu o Prêmio dos Críticos Internacionais (Fipresci) no Festival de Veneza. Em nota para o festival disse: "Os eventos de 11 de setembro correm o risco de ser interpretados somente de um jeito. Todos sabem como aconteceu. Ninguém parece perguntar por quê. Este filme tem coisas importantes para dizer sobre isso. Olhando para trás no último meio século, do Vietnã ao Camboja, passando pelo Chile, Nicarágua, El Salvador até o Oriente Médio, somos levados a indagar: quem são os verdadeiros terroristas?".

Vale destacar que em 2002 todos aqueles que ousavam questionar os motivos dos atentados eram praticamente tidos como terroristas.

Um filme simples e indispensável. Segue video do YouTube(*), no Vimeo e também link para download no Mega.


(*) O video no YouTube foi proibido para o Brasil :(

terça-feira, 1 de abril de 2014

Coletânea de 21 charges de @Angeli para não deixar esquecer #50anosDoGolpe #DesarquivandoBr #NuncaMais






















Nota: Este post é uma contribuição à IX blogagem coletiva #desaquivandoBR.

Coletânea de 25 charges de @CarlosLatuff para não deixar esquecer #50anosDoGolpe #DesarquivandoBr #NuncaMais


























Nota: Este post é uma contribuição à IX blogagem coletiva #desaquivandoBR.

Os cinquenta anos do golpe dos quais passamos quase trinta sem denunciar #desarquivandoBR #50anosdogolpe


Há cinquenta anos o Brasil iniciou um período sombrio de 21 anos arrastando conosco para o mesmo porão fétido de perseguição, tortura e assassinatos nossos irmãos chilenos (1973 a 1989), uruguaios (1973 a 1985) e argentinos (1976 a 1980). Com isso a América Latina foi forçada a ir ao fundo do poço. E assim foi feito para que não encontrássemos nosso próprio caminho.

Os anos 1960 foram um período de imensa efervescência cultural, social e principalmente política. Era como se os ventos daqueles anos anunciassem que grandes transformações estivessem por vir. O maior dos exemplos havia sido dado há pouco tempo, em janeiro de 1959, quando uma ilha ousou tornar-se revolucionária em pleno mar do Caribe expulsando o ditador Fulgêncio Batista bem nas barbas do Tio Sam. Não satisfeita com seu exemplo, dois anos depois, esta mesma ilha derrotaria a invasão da Baía dos Porcos patrocinada pelo governo estadunidense em abril de 1961. Na África do Sul a luta anti-apartheid ganhava força e apresentava mártires a todos aqueles que sonhavam com um mundo melhor. Nos Estados Unidos a luta anti-racista tomava corpo com nomes como Malcom X (assassinado em 1965), Luther King (assassinado em 1969) e com o Partido dos Panteras Negras (fundado em 1966 e somente desbaratado nos anos 1980 com uma grande dedicação do FBI). Esta mesma luta anti-racista embalava a luta contra a Guerra do Vietnã que foi derrotada não somente pela bravura vietnamita mas também pela insubordinação em pleno solo ianque. Na França, barricadas foram erguidas em pleno de maio de 1968 pelos estudantes de Paris para logo impulsionar greves com ocupações de fábricas em todo o país.

Eram esses os ventos dos anos 1960. E assim também eles sopravam em nosso Brasil.

O governo do trabalhista João Goulart, eleito como vice em 1960 e tornado presidente em 1961 com a renúncia de Jânio Quadros, aos poucos foi sendo forçado pelo movimento de massas a colocar em pauta reformas de base que tocavam ainda que superficialmente na estrutura arcaica e retrógrada do país. Estavam lá, em seu plano de governo, temas como reforma agrária, estudantil, fiscal e política. Veio do grande "irmão do norte" a percepção de que naquele cenário turbulento de que para onde fosse o Brasil iriam seus vizinho latino-americanos. E Lyndon Johnson estimulou e patrocinou o golpe que nos jogou em um atraso de bem mais do que cinquenta anos e junto conosco de fato vieram nossos vizinhos.

Essa não é uma história nada nova. Ela é muitíssimo mal contada, é verdade. Mas de nova não tem nada.

Mas é preciso dizer que há um clima novo e crescente no país. Hoje, quando completamos 50 anos do golpe militar, não faltam artigos e comentários nas redes sociais sobre o tema. Alguns até conclamando a volta dos militares mesmo porque retardado mental e fascista tem de monte por aí. Mas felizmente a imensa maioria é de condenação e de repúdio para que nunca mais volte a acontecer. E o que há de novo nisso? Bem... já se vão 29 anos desde que o último governo militar caiu. São quase 3 décadas e por incrível que possa parecer a imensa maioria delas foi de um imenso e profundo silêncio quebrado pouquíssimas, mas pouquíssimas vezes mesmo. Nesse interím, nenhuma grande organização política ou social se propôs a levantar por exemplo uma única campanha pela prisão dos torturadores. Completamos 50 anos do golpe com direito a hashtag e tudo mais, mas o mesmo não podemos dizer do momento em que chegamos aos seus 30 anos (1994), 40 (2004) ou mesmo 45 (2009).

Esse silêncio vergonhoso só vem sendo possível quebrar, por incrível que possa parecer, pós eleição do governo Dilma Roussef iniciado em janeiro de 2011 e pós implantação da Comissão Nacional da Verdade em maio de 2012. Digo incrível porque nem Dilma, nem sua CNV, fazem lá grande esforço para que a verdade venha de fato a tona, nem muito menos moverá uma palha que seja para que os crimes cometidos durante os 21 anos do regime militar sejam punidos.

De toda forma, o fato é que o silêncio vem sendo quebrado e nossa história vai sendo desarquivada. Ainda que seja em dolorosos e lentos passos de quem desaprendeu a andar sozinho. E a cada passo dado nossa vontade de correr só cresce e cresce. É... nossa memória pode até ser curta mas nossa vontade de alargá-la, pode crer que é imensa.

Nota: Este post é uma contribuição à IX blogagem coletiva #desaquivandoBR.