quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

As bobagens que se diz por aí: "Como pode ser de esquerda e beber coca-cola?"


Se fala muita bobagem da esquerda por aí. Uma dessas bobagens é aquela da tal "incoerência" entre ser de esquerda e beber Coca-Cola, comer McDonnald's, usar Microsoft Windows, etc, etc e mais outro tanto de etcéteras. Já ouvi cada uma das ditas incoerências que citei acima e inclusive usadas contra mim. Bom... não sou muito fã de Coca-cola, sanduíches do McDonald's, nem muito menos do Windows, mas não por me reivindicar de esquerda, aliás, acho uma imensa asneira vincular uma coisa à outra. Não sou fã porque prefiro outros produtos, seja porque deixei de gostar de refrigerantes, acho horríveis aqueles sanduíches produzidos em série e considero o Windows uma verdadeira bosta (pelo menos até o Windows 7). Nem por isso deixaria de consumir cada um desses esses produtos caso fosse necessário e de modo algum me sentiria nenhum pouquinho a menos de esquerda por isso.

Sim é verdade que Coca-cola é um simbolo do capitalismo desde muito antes do RPM cantar que a China já a bebia lá pelos idos de 1985. Da mesma forma é verdade que o "M" amarelo da grande fast-food estadunidense e seu palhaço Ronald são a cara do consumismo moderno. E, sim, a Microsoft tornou Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo por anos a fio. Mas levar o que é fato ao extremo de traçar como um verdadeiro certificado de esquerda a não utilização de qualquer um desses produtos é de uma idiotice digna de quem tem preguiça, mas muita preguiça mesmo, de pensar um pouquinho que seja.

Em certa medida o raciocínio é similar ao que levou o movimento operário em seu nascedouro a se enfrentar com as máquinas no início do século XIX. Pois bem, não são as máquinas ou as coisas que elas produzem que fazem do capitalismo o que é. São as relações sociais. Que os ludistas culpassem as máquinas ainda se consegue dar o desconto de ter de enfrentar a revolução industrial, agora depois de mais de 200 anos da bandalheira do capital, sacar essas comparaçõezinhas, é muita dificuldade de raciocínio. Então, pra deixar claro o quanto esse tipo de consumo influencia no teor de esquerda de alguém vale dizer que se um ativista for a uma passeata contra a exploração em sua categoria e em seguida for comer um hamburguer sem gosto do McDonnalds, esse cara é sim de esquerda, e honestamente será muito mais de esquerda, do que aquele que fica em casa lendo livros de economia política comprados em sebo tomando chazinho e sem nunca ter levantado um único dedo para defender suas posições.

Um amigo uma vez me disse que no socialismo não se deixaria de produzir Coca-Cola. Pelo contrário, ela seria servida encanada na casa de cada trabalhador. Espero que no socialismo consigamos produzir coisas muito mais saborosas e saudáveis do que o tal refrigerante de cola, mas gosto muito do argumento desse meu amigo. No fim das contas nada melhor que um exagero para combater e ridicularizar outro. Que venha encanada então. Tenho a ligeira impressão que Che aprovaria.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Você precisa ler: "A palavra dos mortos" (artigo de @jeanwyllys_real via @brasil247)

Na última quinta-feira, dia 10/01/13, o Grupo Gay da Bahia divulgou relatório anual que mostra o aumento de 27% nos assassinatos de LGBTs no país durante o ano de 2012. O dado é assustador e mostra que a intolerância homofóbica matou 1 pessoa a cada 26 horas ano passado. Mas por incrível que possa parecer a notícia tornou-se ainda mais mórbida e assustadora graças ao "humorista" Danilo Gentili que no mesmo dia teve a "genialidade" de comentar a seguinte pérola em sua conta no twitter: "1 gay é morto a cada 26 hs? 140 heteros são mortos a cada 24 hs. Alguém aí come meu cú hj? Só por segurança".

Obviamente não faltaram seguidores do engraçadinho para repassar sua "piada" (foram 1397 retweets). Felizmente também não faltaram vozes contrárias e atentas a esse tal humor "politicamente incorreto" como a do cartunista Laerte Coutinho e sua charge "Longe de mim preconceito mas..." e, é claro, do deputado do PSOL e ativista LGBT Jean Wyllis com seu artigo "A palavra dos mortos" que recomendo muito e reproduzo na integra aqui.

A palavra dos mortos

Diz-se que uma imagem vale mais que mil palavras, mas há palavras que mil imagens não traduzem: preconceito é uma delas. Ao contrário: as imagens, sejam quantas forem, podem reforçar aquilo a que se refere a palavra preconceito. Esta palavra também não pode ser traduzida por números nem estatísticas. Estes, porém, sempre atraem ou despertam palavras.

Ontem, por exemplo, no rastro da divulgação, nos principais portais de notícias, das estatísticas do Grupo Gay da Bahia acerca dos homicídios motivados por homofobia (o conjunto dos atos – inclusive dos atos linguísticos - apoiados no preconceito social anti-homossexual, um dos muitos preconceitos socialmente partilhados), vieram muitas palavras: a palavra dos leitores da notícia expressa em comentários publicados logo abaixo da mesma; a palavra dos intelectuais conservadores; as palavras dos políticos reacionários à esquerda e, principalmente, à direita; a palavra dos fundamentalistas cristãos católicos e evangélicos; e até a palavra de um famoso humorista que se diz "politicamente incorreto", mas que, ao fim e ao cabo, apenas põe seu "humor" a serviço da correção e da ortopedia moral que há séculos constrangem e estigmatizam, com violência verbal e/ou física, aqueles "desviantes" da ordem do macho-adulto-branco-heterossexual-e-cristão (ou seja, as mulheres, os negros, os judeus, os indígenas, o povo-de-santo, os gays, as lésbicas, as travestis e transexuais e as pessoas com deficiências; principalmente os mais pobres dentre esses).

Pode-se dizer que as palavras deles (dos leitores da notícia, dos intelectuais conservadores, dos políticos reacionários, dos fundamentalistas cristãos e do humorista) são quase as mesmas - com variações que dependem do grau de instrução e da posição social que cada um ocupa – e têm o mesmo objetivo: silenciar LGBTs e reprimir sua organização política por meio de interpretações deliberadamente equivocadas das estatísticas divulgadas e da conseguinte desqualificação das mesmas.

Não repetirei aqui todos "argumentos" dessa gente – até porque seu preconceito ou má fé não precisa de mais espaço do que já tem! – mas vou destacar um que é recorrente: a estatística de 336 homicídios em 2012 motivados por homofobia (numa proporção de um homossexual morto a cada 26 horas) seria irrelevante já que, no mesmo período, a taxa de homicídios em geral é de mais 50 mil. Ora, os porta-vozes desse "argumento" se não agem de má fé são limitados mesmo. As estatísticas não dizem apenas que 336 homossexuais morreram ano passado. As estatísticas dizem que 336 homicídios motivados por homofobia foram perpetrados em 2012 (o que representa um aumento de 26% em relação a 2011). Ou seja, 336 seres humanos foram assassinados em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero; foram mortos apenas porque eram gays, lésbicas, travestis e transexuais ou em circunstâncias em que sua orientação sexual e/ou identidade de gênero contribuiu/contribuíram decisivamente para o homicídio. Esses crimes não podem, portanto, ser dissolvidos nas taxas de homicídios em geral cujas motivações não são a orientação sexual nem a identidade de gênero.

Não conheço até o momento nenhum caso de homem que tenha sido cruelmente assassinado porque era heterossexual, ou seja, apenas pelo fato de que gostava de "comer mulher"; tampouco conheço um caso em que um homem tenha sido morto a pauladas por estar "vestido como homem". Mas posso citar centenas de casos de homens e mulheres que foram mortos apenas pelo fato de gostarem de transar com pessoas do mesmo sexo; e posso citar milhares de caso de pessoas que foram mortas apenas porque estavam vestidas de acordo com sua identidade de gênero. Esses crimes são considerados crimes de ódio porque vitima toda a comunidade à que pertence suas vítimas. Aliás, o fato de se pertencer a essa comunidade é a razão última do crime. Ora, será preciso desenhar para que essa gente entenda o que querem dizer as estatísticas?! Se uma imagem vale mais que mil palavras, talvez eu tente me aventurar pelo desenho pra ver se consigo sensibilizar esses caras (na hipótese de algum deles ser apenas equivocado e não estar agindo de má fé)...

E, por falar em imagem, a que ilustra este texto quer valer mais que as mil palavras não ditas pelo morto retratado. Perdoem-me os mais sensíveis, mas, numa sociedade devota da imagem como a nossa, "educada" pela televisão e pela publicidade, a foto chocante de um homicídio brutal motivado por homofobia talvez sensibilize mais as pessoas do que todas as palavras já ditas até aqui...

Por mais que eu me esforce, não conseguirei expressar as palavras não ditas pelos mortos... Aquelas palavras que sucumbem aos números frios das estatísticas e à tagarelice dos canalhas insensíveis à desgraça alheia; palavras que expressariam o horror diante da crueldade que põe fim às vidas e a dor insuportável dos que perderam seus entes queridos para a violência.

Quem sabe se com essa imagem principalmente o humorista "politicamente incorreto" e sua claque cruel e sem pensamento mas de riso frouxo não percebam que não se pode fazer piada da dor dos outros? Sou um homem esperançado! Mas sou também um ativista: não fico apenas à espera de dias melhores, atuo para que eles cheguem logo; por isso mesmo, questionei e questiono os insensíveis e opressores, mesmo que isso implique em insultos impublicáveis e em injunções ao silêncio do tipo "você tem que trabalhar para o povo brasileiro e não para a sua classe" – injunções que nada mais são do que frutos da ignorância sobre o meu trabalho como parlamentar; da preguiça de se informar mais e melhor; da despolitização em geral e da falta de raciocínio lógico, uma vez que a minha "classe" pertence ao povo brasileiro.

De mais a mais, não vejo ninguém reclamar dos parlamentares ruralistas nem dos evangélicos por defenderem apenas seus interesses em casas legislativas; logo, ainda que eu atuasse para defender só os interesses de LGBTs (o que não é verdade; qualquer pesquisa básica mostrará isso), ainda assim eu estaria honrando o mandato que conquistei no jogo democrático. Não há insulto ou injunção ao silêncio que me detenha ou que me impeça de trazer, à luz, a palavra dos mortos!

"Longe de mim ter preconceito, mas..." (#charge de @LaerteCoutinho1)

Mais charges de Laerte aqui.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

GCM contra skatistas na Roosevelt: uma guarda muito além de seu próprio lema


Aconteceu na primeira sexta-feira do ano (04/01), foi parar no YouTube dois dias depois (06/01) e passou a ser notícia no G1 nesta terça (08/01). Um integrante a paisano da GCM de São Paulo, cujo lema é "AMIGA, PROTETORA e ALIADA" deu um chave de braço em um skatista na praça Roosevelt. Vários jovens cercaram o agressor pedindo que liberasse o rapaz ao que foram correspondidos com um show de spray de pimenta enquanto reforço era chamado. O skatista que estava filmando toda a cena também ganhou uma dose super-extra de spray de pimenta no rosto o que o fez afastar-se. Logo que pôde voltou à cena do crime e seguiu gravando a cena ao que foi recebido por um tratamento no mínimo inusitado pelo agente da GCM. O "diálogo" se deu mais ou menos assim:
- Agita meu! Agita meu! Vai agita! Vai, vai, agita!
- Que é você que quer mano?
- Seu pau no cu!
- Você é policial. Você tem que proteger a gente!
- Agita!
- Proteger. Você tá errado!
- Cala essa porra dessa boca, quem tá errado aqui é você seu bosta, tu não é porra nenhuma!
- Por que é que eu tô errado?
- Seu merda do caralho! Seu bosta!
- Eu não sirvo pra nada? Eu trabalho pra caramba.
- Taca pedra seu pau no cu! Trabalha porra nenhuma! Você é vagabundo! Fica aqui andando de skate!
- Ah... meu Deus!
- Tá? Seu arrombado!
- Beleza!
- Seu vagabundo "paga-bico" porra nenhuma!
Que maravilha hein? Depois de uma chave de braço "amiga" e de uma "protetora" dose de spray de pimenta, nada melhor que um belo bate-papo de "aliado".

Naturalmente o episódio descamba para o debate do tema do uso das praças e da convivência entre os diversos públicos e culturas, um assunto pra lá de saudável e necessário, coisa que é feita de forma tendenciosa pelo próprio G1 mas também de um ponto de vista que busca o diálogo como faz o Tsavkko em seu blog. Mas o que não pode em hipótese alguma deixar de ser debatido é a necessidade e até mesmo a própria existência da guarda municipal, seja ela em São Paulo ou em qualquer lugar do país. Isso mesmo! Sou daqueles que acredito que as guardas municipais sequer deveriam existir e suas existência e desenvolvimento, inclusive passando do armamento não-letal para armas de fogo como em Salvador, demonstram o fracasso da sociedade moderna de conceder o próprio acesso à cidade a seus moradores.

Qual o sentido da guarda? Seria porque os jovens estragam as praças com seus skates e tudo o mais? Ou seria porque os ambulantes atrapalham o caminho das "pessoas de bem" com suas tralhas espalhadas nas calçadas? Seria por causa dos moradores de rua que enfeiam a cidade? Seriam esses os problemas que justificariam a solução "Guarda neles"? Pois bem... se é isso então não poderia ser mais contrário do que sou à existência da guarda. O que nossa juventude precisa é de espaço para praticar skate ou o que quer que seja. Já os ambulantes existem porque não há emprego digno para todos nas cidades. E os moradores de rua por sua vez precisam é de lugar para morar. Ou seja, direito à cidade é o que todos precisamos. E como os administradores não estão dispostos nem são capazes de garantir isso o caminho, como sempre, é o da boa e velha repressão.

Aproveitando a deixa do autor do video do YouTube que colocou o problema da Roosevelt no centro das atenções nos últimos dias, deixo meu recado não menos irônico aos prefeitos e gestores municipais: "Parabéns pelo serviço de vocês, vocês estão de parabéns" (sic).

Segue o video: