domingo, 10 de abril de 2016

Já está passando da hora de acender o pavio (texto de Bruno Rodrigues)


Nosso camarada Bruno Rodrigues, militante da NOS Fortaleza e ativista do Coletivo Construção Socialista, analisa o chamado de Guilherme Boulos do MTST a incendiar o país de greves e ocupações e a reação tanto da direita como da esquerda revolucionária levando em consideração a conjuntura de ataques ainda maior aos direitos dos trabalhadores que se avizinham.

Boa leitura.

Nós, marxistas, consideramos Brüning, Hitler e Braun como os diversos elementos do mesmo sistema. A pergunta “Qual deles é o mal menor?” não tem qualquer sentido, porque o sistema que combatemos tem a necessidade de todos esses elementos. Mas esses elementos acham-se agora em conflito, e o partido do proletariado deve utilizar esse conflito no interesse da revolução. Uma escala compreende sete notas. A pergunta “Qual dessas notas é a 'melhor': dó, ré ou sol?” é uma pergunta desprovida de sentido. O músico, porém, deve saber quando e em que tecla bater. (...)

Claro que é doloroso ter que explicar este abêcê. Mas é triste, muito triste, quando músicos (...), em lugar de distinguir as notas, batem no teclado com as pastas.”

Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha

A declaração[1] do coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, de que caso o golpe reacionário institucional da oposição burguesa venha a se consumar, estaria disposto a incendiar o país inteiro com greves e ocupações de resistência, foi o mais importante chamado de um dirigente político do movimento de massas brasileiro, contra os golpistas. Nenhuma outra organização de importância nacional se dispôs, até então, a assumir qualquer chamado à mobilização generalizada contra o golpe. As corajosas palavras de Boulos, merecem ser levadas em consideração e com toda seriedade, por cada ativista social desse país. Se alguém guarda alguma ilusão de que podemos confiar nas manobras jurídicas e nos conchavos espúrios do próprio PT, e em troca abrir mão de instigar a ação direta e independente da classe trabalhadora, o golpe reacionário institucional passará e certamente, não será só o governo Dilma e seu partido que serão penalizados. Na verdade, o que está em questão é a tentativa, por parte dos setores opositores, de impor um grande salto para trás, aprofundando a pilhagem e o desmonte dos direitos trabalhistas, da seguridade social, dos serviços públicos e do direito de organização sindical.

A sanha dos golpistas, que se movimentaram muito rapidamente com o propósito de satanizar a declaração de Boulos, ganhou contornos bem mais sérios, quando deputados federais do DEM e PSDB encaminharam à Procuradoria da República um pedido de prisão contra o líder do MTST, reacendendo com toda força a criminalização dos movimentos sociais, que tem tudo para dar um verdadeiro salto de qualidade em razão da lei antiterror recém-aprovada, diga-se de passagem, pelo próprio governo Dilma, num gesto de quem é capaz da generosidade suicida de afiar o machado do próprio carrasco.




Essa peçonhenta provocação jurídico/policial contra Boulos e o MTST, esconde na verdade uma provocação contra todo o movimento social organizado e precisa ser respondida à altura, com uma ampla campanha de solidariedade nacional, custe o que custar. Admitir sem luta, esse insolente pedido de prisão contra Boulos é o mesmo que admitir que, logo em seguida, o tacão da repressão se bata com redobrada violência contra a vanguarda das mobilizações, contra os que fazem greves e contra os que ocupam escolas e fábricas. É inadmissível que a figura de Boulos e o MTST sejam atacados, sem que haja em contrapartida, o devido revide unitário da esquerda socialista brasileira.

Sobretudo, é ainda mais grave deixar que a declaração do MTST, que convoca à resistência generalizada contra a ofensiva conspirativa, simplesmente ecoe no vazio. É inacreditável que a essa altura do campeonato, ainda existam revolucionários recalcitrantes, que recusam que há um golpe institucional em curso, aliás, sugerindo argumentos dos mais genéricos como o de que “não há tanques desfilando nas ruas, nem movimentos de quartel”. Para quem não conhece a história de revoluções e contrarrevoluções no nosso continente, Honduras e Paraguai são exemplos vivos de que os tão desejados tanques, podem ser eventualmente dispensáveis. Aliás, mesmo que se tratasse de um golpe diretamente executado pelas forças armadas, com direito a manobras militares nos centros de poder mais decisivos, como foi em 64, teríamos que primeiro comprovar com os nossos próprios olhos, as ruas tomadas por tanques e os quartéis se insurgindo para, só então, concluir que de fato há um golpe e nos decidirmos pela resistência? Quem admite esse nível de raciocínio, joga tudo na mão da repressão e portanto, se porta como um aventureiro suicida, ainda que involuntariamente. Por outro lado, quem vulgariza o debate, sustentando argumentos inócuos como o de que “o golpe mesmo já foi dado e foi pelo próprio governo Dilma”, deixa solenemente em aberto a obrigação de uma caracterização plausível do que significa essa manobra jurídica/parlamentar/midiática da oposição burguesa contra o governo. Ora, quem confunde uma coisa com a outra e banaliza conceitos dessa forma tão ingênua, mecanicista e portanto deseducativa, não merece ser levado a sério. Se tudo é golpe, nada é golpe. Não é porque o governo Dilma, que de fato joga em favor do inimigo de classe, esteja sob pressão conspirativa de seus opositores burgueses, que podemos nos dar ao luxo de dizer “Bolas, eles que se matem. Não tenho nada que ver com isso”. Fechar os olhos diante dos nítidos movimentos golpistas da oposição burguesa, sob o pretexto das traições do governo Dilma, é estender o tapete vermelho para o rolo compressor do PSDB-DEM-PMDB, que virá logo em seguida. Esse tipo de postura derrotista, em última análise, abre mão de preparar entre nós a nossa própria saída e acaba desarmando qualquer possibilidade de resistência, conduzindo a classe à passividade, sob os pés de seu próprio algoz.

Ademais, já não estamos mais em junho de 2013, quando o governo Dilma e os intelectuais do PT, acossados por milhões nas ruas de Norte a Sul do país, tentaram nos vender a pérfida chantagem de que aquelas manifestações não passavam de um “golpe”, quando na verdade estávamos diante de uma impactante onda de mobilizações empalmada pelo grosso da juventude trabalhadora e precarizada das grandes cidades, movida pelas mais justas reivindicações. Aqui, a coisa é bem diferente: estamos no auge da crise de popularidade de um governo de conciliação de classes, que esgotou suas reservas políticas e vê-se diante de um golpe institucional de signo político reacionário, travestido com a legalidade constitucional de um processo de impedimento, guiado por nomes infames (como Temer, Cunha, Aécio, Serra, FHC, Skaf e família Marinho) que instrumentalizam no interesse de sua ambição, peças chaves da burocracia estatal (PF, MP, Moro, OAB, etc.) e operam com o propósito de afastar o governo Dilma, enterrar as investigações da “lava jato” nos confins do esquecimento e aprofundar os planos de austeridade econômica sobre os ombros do proletariado brasileiro.

Não há outro caminho possível para os lutadores socialistas que não seja incendiar todo o Brasil com greves, ocupações e bloqueio de vias, num enfrentamento implacável para massacrar de vez a reação golpista. A declaração de Guilherme Boulos portanto, deve ser abraçada por todos nós.

Nem defender Dilma, nem a democracia como valor universal.

Todavia, há aqui um grande perigo que precisa ser discutido com sobriedade e dureza. É indesculpável permitir que o legítimo movimento de luta contra essa ofensiva reacionária, seja sequestrado pela tropa de choque do governismo e convertido num movimento chapa branca de explícito apoio político ao governo federal. Mesmo agora, com a hipótese do golpe se consumar, não cabe a menor linha de apoio a um governo que vacila diante dos golpistas, quando hesita em expulsar o PMDB do seu próprio governo, mas não pensa duas vezes em fustigar a classe trabalhadora com mais austeridade econômica e leis repressivas. É preciso se posicionar contra o golpe da oposição burguesa, não em favor dos interesses do governo de turno, mas justamente apesar dele e até mesmo contra ele. Para ser ainda mais enfático, é necessário estar disposto a ir além do que o próprio PT pode ir para esmagar a ofensiva golpista em curso. Mas não devemos ter a menor dúvida, de que, caso seja debelado o intento golpista, Dilma seguirá orquestrando os planos de ajuste ao mesmo tempo que convocará os golpistas à reconciliação, em proveito da democracia (burguesa). Não há elemento algum, que indique o contrário.

A unidade entre a esquerda, pela qual devemos combater, está justamente a serviço de impedir não só uma virada reacionária ainda mais desfavorável para a classe trabalhadora, mas principalmente, que possamos edificar um verdadeiro bloco nacional de esquerda e classista, capaz de atrair e unificar os mais abnegados ativistas das últimas mobilizações pelo país, e que permita oferecer uma verdadeira alternativa socialista, diante do processo de esgotamento do ciclo petista. É exatamente por tudo que foi dito até aqui, que é inaceitável que o chamado de Boulos seja não somente atendido, mas sobretudo, transformado em uma ampla e verdadeira campanha em torno da proposta de unidade. Assim como também é inadmissível que casos, como os recentes assassinatos de dois militantes do MST, não sirvam como um sinal de alarme para que os revolucionários concretizem essa necessária unidade. Não podemos nos dar ao luxo de perder ainda mais tempo. Já está passando da hora de acender o pavio.

[1]. “Há setores do mercado que acham que vão tirar Dilma e vão fazer as "reformas estruturais" que se precisa para a sociedade brasileira. O escambau. Este país vai ser incendiado por greves, por ocupações, mobilizações, travamentos. Se forem até as últimas consequências nisso não vai haver um dia de paz no Brasil’ referencia de dia e lugar em que isso foi dito” 22/03/16

LUTO


sexta-feira, 1 de abril de 2016

Uma "rápida" observação do que foram os atos desse dia 31 (texto de Bruno Rodrigues)


Mais uma contribuição do nosso camarada Bruno Rodrigues, estudante da UFC, ativista do Coletivo Construção Socialista e militante da Nova Organização Socialista. Neste texto Bruno aborda os atos de 31 de março promovidos em todo o país chamando atenção para a composição política que vai para bem além dos que supostamente aderiram ao governismo.

Como sempre, uma boa leitura.


Para uma "rápida" observação do que foram os atos desse dia 31, não acho prudente começar afirmando de forma sumária e portanto simplória, de que se tratava de um ato objetivamente governista. Que foram atos governistas, é só metade do assunto, pois, tal como dia 18, é preciso considerar não quem foi às ruas pelo governo, mas justamente quem foi apesar dele. Não se trata, aliás, somente da Frente Povo Sem Medo (do qual participam o PSOL, MTST e outras tantas correntes fora do governismo) que formalmente aderiu ao dia 31, tentando preservar algum espirito crítico em relação ao governo, mas particularmente para além dessa frente.

Para muitos, está claro como a luz do dia, que não se trata de preservar esse governo, mas de impedir que um pior se instale. Muitos amigos foram ontem, justamente com esse espírito.

Não creio que o apoio ao governo seja unânime na classe trabalhadora. Muitos dos que foram, apesar do governo e apesar do seu receio de se diluírem no mar CUTista de babação do Lula e da Dilma, o fizeram por saber, de forma muito certeira, que esse governo só pode ser derrubado pela própria classe trabalhadora, e não pelos partidos oficiais da burguesia. Por mais que o PT tenha se esforçado para conseguir um lugar no banquete, a burguesia não aceita quem venha de um berço de classe distinto do seu e pra ela, chegou a hora de expulsar esses "forasteiros no palácio do capital".

Lula e o PT, já perderam aquela autoridade que tinham, quando aplicavam as piores contrarreformas sociais, ao mesmo tempo que pediam paciência da classe trabalhadora e ainda contavam com a obediência cega, surda e muda da CUT e da UNE, e com a trégua do MST. Michel Temer, que está a anos luz dessa autoridade, sem dúvidas será considerado um governo frágil e também estará sujeito a um novo afastamento por parte dos seus aliados, se não estiver à altura da empreitada que será aplicar sua "ponte para o futuro".

O dificílimo desafio está justamente, e por sinal já em atraso de alguns meses, em combater em dois fronts: impedir que o golpe institucional se consuma, ao mesmo tempo que se combata sem trégua, contra o plano de austeridade econômica do governo Dilma. Me esforçando para evitar o perigo do auto-engano, acredito que reverter a correlação de forças a nossa favor, não é impossível. Para isso, TODA unidade na ação é indispensável, mas a independência política e de classe, é fator vital.

Que chorem aqueles que se apavoram com as incongruências da conjuntura e exigem, armados com sua espadinha de papel da lógica formal, que a realidade volte a ser alinhada em preto e branco. Que praguejem sua fraseologia idealista à vontade: só encontrarão ouvidos moucos, em meio a classe trabalhadora. Quem não consegue reconhecer os matizes e variações de cores dessa conjuntura, só mostra que não entendeu nada do que vem acontecendo de junho de 2013 até aqui.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Fechando a Paulista (via Pirikart)


Estudantes denunciam o descaso com a educação no Ceará

Os estudantes do Grêmio Chico da Matilde divulgaram videos esta semana sobre o descaso das escolas públicas em Fortaleza, denunciando o caso do CAIC no bairro Bom Jardim que está sem aulas por falta d´água.

Seguem os videos.




terça-feira, 15 de março de 2016

A palavra de ordem é PREPAREMOS NOSSAS FORÇAS! (texto de Bruno Rodrigues)

Compartilhamos análise de conjuntura de nosso camarada Bruno Rodrigues que aponta a importante necessidade de PREPARAR NOSSAS FORÇAS diante da situação em que nos encontramos com esgotamento do PT, assanhamento da direita, aumento das lutas e surgimento de uma nova vanguarda.

Boa leitura.

“O mais contagiante entusiasmo rapidamente esfria-se ou evapora se não encontra uma clara compreensão das leis do desenvolvimento histórico. Frequentemente, observamos como os jovens entusiastas, ao dar uma cabeçada na parede convertem-se em sábios oportunistas; como ultra-esquerdistas desenganados passam em curto tempo a ser burocratas conservadores, assim como pessoas fora da lei se corrigem e se convertem em excelentes policiais. Adquirir conhecimento e experiência e ao mesmo tempo não dissipar o espírito lutador, o auto- sacrifício revolucionário e a disposição de ir até o final, esta é a tarefa da educação e da auto-educação da juventude revolucionária”

Leon Trotsky

"E o que a algum tempo era jovem e novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer"

Belchior 

Num país cujo cenário político está atravessado por uma crise agudíssima ao mesmo tempo que a economia vem cambaleando sucessivamente, tudo pode acontecer. O ano mal começou, e para a surpresa dos mais distraídos, uma onda de ocupação de escolas em SP e GO, “de repente” tomou o centro das atenções políticas do país, no que ficou conhecido como “Primavera Secundarista”. Em SP, o plano de “Reorganização” escolar, anunciado pelo governador Geraldo Alckmin foi o que acendeu o pavio dos estudantes, enquanto que em GO, foi o plano do governador Marconi Perilo que consistia em entregar a gestão das escolas para as malfadadas OS's, o detonador das ocupações. Por sinal, ambos os governadores são do PSDB.

Nesses dois estados, praticamente uma geração inteira de novos ativistas, à escala de alguns milhares, distribuídos em mais de 200 escolas em SP e 23 em GO, puderam fazer sua própria experiência com a ação direta: aprenderam a manejar a linguagem da luta política, da agitação e da propaganda; aprenderam a politizar e canalizar sua rebeldia contra os partidos do capital; descobriram com os seus próprios sentidos, os mecanismos de dominação do estado burguês; tonaram-se porta-vozes ou oradores, à frente de dezenas de outros ativistas; forjaram-se como lideranças locais; e ao fim, fizeram o seu próprio balanço em torno do que se passou. Em poucas semanas, puderam aprender coletivamente mais do que pode ser aprendido em anos de estudo individual. Algumas das principais lições políticas, dessa magnífica experiência, foram assimiladas e permanecerão em cada estudante que esteve naquelas ocupações. Encheram a muitos de nós com entusiamo, orgulho e esperança.

Dali em diante estaria lançado um exemplo. As flores dessa primavera, também brotaram em escolas de outros estados, como nas do RJ, onde hoje mesmo, não são poucos os que estão tomando as ruas, cerrando fileiras e se unindo aos professores em greve. Sobretudo, não imaginaram que estavam abrindo o caminho para os mais de 2000 metalúrgicos da empresa MABE, instalada em Campinas e Hortolândia no interior de SP. Incendiados, os operários se espelharam no que acontecia nas escolas e repetiram a experiência nas duas plantas da empresa, depois de ficarem três meses sem receber seus salários e benefícios: ocuparam a fábrica.

Professores em várias outras cidades também fizeram greves, como em Teresina e Fortaleza. Na capital cearense, como raramente se vê, os jovens trabalhadores precarizados do call center da Oi, arrastando o sindicato atrás de si, assumiam a linha de frente da luta em belíssimas paralisações na porta da empresa, em uma grande avenida da cidade. Na verdade, o último balanço do SAG-DIEESE a respeito do número de greves em 2013, atesta uma curva acendente no quesito quantidade de greves, como não se tem visto desde finais da década de 80, ainda que não consiga levar em conta as chamadas “greves selvagens” [1].

Em cada uma dessas experiências mencionadas, a luta organizada da juventude estudantil, dos professores e dos operários, pôde contar com a simpatia popular, quando famílias locais se solidarizavam e iam atém às ocupações prestar apoio material e político. Ao mesmo tempo, cada uma dessas mobilizações foi protagonizada por gerações inteiramente novas, e à revelia das entidades oficiais vinculadas aos interesses políticos do governo federal, tal como também foi na greve dos garis no RJ e na greve dos servidores estaduais do PR, em 2014, nas greves da peãozada do PAC, entre 2010 e 2013, e entre os petroleiros no ano passado, em sua maior greve nas últimas duas décadas.

A dinâmica da vida política brasileira definitivamente não é mais a mesma, principalmente depois de junho de 2013. O termômetro político, desde então, oscila entre temperaturas muito baixas para muito elevadas, praticamente num pestanejar. Aquele velho senso comum, já tão talhado ao limite da exaustão que afirma que o brasileiro possui uma essência passiva irremediável, vai sendo paulatinamente desmistificado e tudo indica que, pelo menos os próximos anos já mais não serão um “tranquilo passeio” para a burguesia. O relógio da história vê seus ponteiros operando em ritmo um pouco mais rápido, na medida em que as tensões sociais se agudizam. É preciso dedicar redobrada atenção aos acontecimentos, pois só estamos em Março de 2016 e o ano já promete sobressaltos muito maiores do que o que testemunhamos até então.

A combinação de queda no PIB, anunciada em 3,45% só para esse ano, mais taxa de juros batendo na casa dos 14,25% ao ano e um índice de desemprego estimado em 15,5% só entre a juventude, e mais uma exuberante coleção de epidemias somado com a explosão de violência nas cidades, sinaliza a magnitude da crise que está sendo descarregada sobre os ombros do proletariado brasileiro.

Particularmente, desde o início de seu segundo mandato presidencial, o governo de Dilma Rousseff se empenha de forma muito solícita em aplicar um receituário econômico dos mais amargos para a classe trabalhadora, onde as distintas áreas do serviço público, mas também o que sobra dos direitos trabalhistas, vêm sofrendo bombardeio permanente. A bola da vez é a previdência social, com a tentativa de impor a idade mínima, através de uma nova reforma. O preço desse regime de austeridade social à la FHC-PSDB, em síntese, é a ampliação e o aprofundamento da precarização das condições de vida da classe trabalhadora, em proveito dos lucros estratosféricos do sistema financeiro. Estão cegamente determinados a ir até as últimas consequências na aplicação dos planos de ajuste, como quem não percebe que pode estar “cutucando a onça com vara curta”.

Há muita frustração nas ruas, muito mau humor e muita insatisfação. As massas seguem suas vidas diárias, incomodadas, sem saber onde vão chegar. Se queixam nas filas dos bancos, dos ônibus e dos supermercados, pois estão sentido o seu nível de vida sendo deteriorado, o preço de itens básicos, indispensáveis na refeição, cada vez mais lhes pesando no bolso e o flagelo do desemprego, que já atinge 8,4 milhões de brasileiros, como uma ameaça sempre iminente. Descobriram que as benesses que gozavam, provenientes do crédito facilitado, quando o governismo vendia aos quatro ventos o mito da “nova classe média”, tornaram-se um grilhão de endividamento em seus tornozelos, da mesma forma que se desvanece no ar, o mito da ascensão econômica e social, possibilitada por programas federais de acesso ao ensino superior.

Essa cortina de ilusões foi um dos fatores que rendeu prestígio político ao PT, possibilitando eleger por duas vezes, a candidata Dilma Rousseff como sucessora de Lula. Mas aqueles tempos de relativa bonança e estabilidade econômico-social de uma década atrás, foram pelos ares de uma vez por todas.

Em razão do profundo desgaste provocado pela crise econômica que se arrasta pelos últimos anos, já se percebe que há um amplo e contínuo, ainda que lento, deslocamento de massas para a oposição ao governo.

Uma parte desse clima de insatisfação, vem sendo capitalizado pelos setores que fazem oposição ao governo pela direita, como aqueles alinhados com o PSDB/DEM, ou figuras ainda mais conservadoras e no mínimo deploráveis, como J. Bolsonaro ou S. Malafaia. Se apoiando nas extrações de classe média da sociedade e articulando conchavos com figuras da burocracia do estado burguês brasileiro, estes setores vêm se animando com a possibilidade de impor um golpe à la Paraguai [2], interromper o mandato de Dilma Rousseff antes das eleições de 2018 e assumirem por sua própria conta, as rédeas dos planos de ajustes. Se a primeira tentativa de golpe mediada por Eduardo Cunha (PMDB), via impeachment, perdeu fôlego e recuou, esse segundo round entre a oposição burguesa vs governo, tende a ser bem mais agudo, como pareceu claro nos lances midiáticos em torno da “condução coercitiva” de Lula pela PF e episódio de pedido de prisão preventiva, também de Lula, expedido pelo MP-SP. Que não restem dúvidas do lado cá: a classe trabalhadora, por mais insatisfeita que possa estar, jamais pode confundir sua justa e legítima indignação, com os interesses da oposição burguesa; menos ainda pode recuar em sua experiência com o governo, e abraçar a chantagem da CUT-UNE-MST-LPJ, que objetivamente impedem a ruptura Dilma-Lula. Ao fim e ao cabo, qualquer vacilação ou estreiteza sectária nesse campo, pode redundar nos colocando, na melhor das hipóteses, na condição de mero coro laudatório de uma dessas duas forças em disputa.

Contudo, nada está perdido, por mais difícil que possa parecer a situação. Parcelas da classe trabalhadora já começaram a se movimentar, protagonizando a maior quantidade de greves das duas últimas décadas. Longe de nós enganarmos a nós mesmos, acreditando que o caminho está ladeado de flores vermelhas para os militantes classistas. No entanto, a intervenção consciente e perseverante dos revolucionários nos próximos meses, apoiada nas mobilizações, pode ser capaz de reverter a correlação de forças em proveito da nossa classe. O ponto de partida está na defesa persistente da construção da UNIDADE CONTRA OS AJUSTES FISCAIS DO GOVERNO DILMA, como chave política capaz de alavancar a necessária unificação das lutas e criar as condições para derrotar tanto o PT-PMDB, como o PSDB-DEM.

A geração de jovens secundaristas que está despertando, não carrega as ilusões no lulismo nem as derrotas do passado, que tanto pesam sobre as cabeças das gerações anteriores. Essa é característica que, aliás, também se reflete nas fábricas, canteiros de obras, bancos, serviços públicos, e outras tantas categorias, onde há uma nova geração de trabalhadores.

Em geral, muitas vezes a história provou que a juventude é um termômetro social, de onde pode-se aferir o grau de febre pela qual passa o conjunto da sociedade. Por ser mais sensível e desembaraçada de quaisquer amarras, ela pode antecipar, cronologicamente, os movimentos que a posteriori se desatarão no próprio seio da classe trabalhadora. As lutas da juventude desse ano, são indícios poderosos que apontam nessa perspectiva. Não há razão nenhuma, portanto, para se justificar qualquer atitude pessimista, mas também não há tempo para tergiversações.

O tempo histórico tem se acelerado em vários países e o Brasil está, aos poucos, despertando e acompanhando esse ritmo. Com o olhar voltado para o futuro, os socialistas revolucionários precisam adequar sua atividade militante cotidiana ao espírito do momento, que é centralmente ordenado por uma consigna elementar: PREPAREMOS NOSSAS FORÇAS, o que em outras palavras, significa dizer que a tarefa posta na ordem do dia é: ajudar a vanguarda a educar-se com as ideias do marxismo revolucionário; instruir novos ativistas no espírito da camaradagem, do classismo e do internacionalismo; impulsionar e defender a democracia operária de forma intransigente; cobrar das organizações vacilantes ou sectárias, a necessária unidade de ação para a luta; empenhar-se com afinco no trabalho de base; se incorporar nas campanhas de solidariedade; fazer de cada experiência da luta de classes, uma “escola de guerra” contra o capital, ajudando os trabalhadores a recuperar a confiança em suas próprias forças; combater as ilusões semeadas pelos reformistas e o freio burocrático das organizações pelegas; agitar bem alto a bandeira vermelha do socialismo; ajudar a construir novas ferramentas para a luta.

A militância nos próximos anos deve estar obrigatoriamente voltada para a necessidade de forjar e organizar, no calor das lutas que virão, novos quadros, capazes de servir à classe trabalhadora como instrumento de luta, sob pena de desperdiçar novas oportunidades históricas. Essa foi a mais severa lição que ficou daquele junho de 2013.

[1] http://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2013/estPesq79balancogreves2013.pdf

[2] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/06/senado-condena-lugo-em-processo-politico-no-paraguai.html

segunda-feira, 14 de março de 2016

Explicando a terceirização com Os Simpsons

O episódio de abril de 2006 do seriado "Os Simpsons" aborda um tema importantíssimo e ainda atual apesar de já passada quase uma década de sua exibição: o Outsourcing, ou melhor dizendo a Terceirização. No eposódio o senhor Burnies decide terceirizar a planta da Usina Nuclear de Springfield para a India e resolve anunciar tal medida exibindo um filme para os funcionários. O empresário não só consegue demitir todos os trabalhadores como consegue jogar uns contra os outros ao anunciar que teria que manter uma vaga que é é disputada literalmente na base do tapa.

Segue trecho do video:

domingo, 28 de fevereiro de 2016

OCUPAR E RESISTIR #RapDuBom

As ocupações das escolas secundaristas de São Paulo renderam muitos sonhos, esperanças, exemplos, documentários e também como diria Rappin Hood, "Rap do Bom". Pelo menos é o que se pode ver em "Ocupar e Resistir" dos estudantes Luka (Koka) do Grêmio do Caetano de Campos da Consolação e Fabrício Ramos.

Aperta o play e sente o som.



OCUPAR E RESISTIR

Salve família
Secundarista na voz
Vai segurando
De São Paulo pro mundo
A rua é nossa
Você tem sede do quê?
Eu quero outra escola
Não mexe com quem tá quieto

Acordei olhei pro lado
Vi manifestação 
E do outro lado vi
Uma pá de ocupação
Enquanto uns gritavam felizes
É campeão
Outros apanhavam e lutavam
Pela educação
Política desinteressante
Causada pela corrupção
Estigma digna indignação
Qual seria o tema do
Debate em questão
Gol da Alemanha
Ou senador no mensalão
Suor cansaço 
Causado pela exaustão
Fome e morte
Causada pela ambição
Enquanto nas ruas
O que se vê é opressão
Auto opressão
E na mídia
Alienação
E quem será o culpado em questão
Aquele que é eleito
Ou aquele que 
Vota na eleição

Direita tropa de choque
Em cima o governo fascista
Esquerda argumentação
Embaixo secundarista (2x)

Ocupar e resistir (8x)
Quantos lutaram 
Gritaram faleceram
Mais de mil?
Aqui vai virar o Chile
Ou o Chile virou o Brasil?

Memorável
Luta consciente
E coincidentemente incrível
E é difícil e dói saber
E descobrir
Que a única coisa 
Que cresce mais que a inflação
É o genocídio 
Só pra deixar bem claro, irmão
Não tem arrego
Você fecha a minha escola
E eu tiro o seu sossego.

Salve família
A rua é nossa

Ocupar e resistir (25x)

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Gregos fazem sua terceira greve geral de 2016. E a nossa quando sai mesmo?


Nesta quinta-feira, dia 04/02, em torno de 50 mil trabalhadores se reuniram no centro de Atenas que mais uma vez virou palco de guerra com manifestantes enfrentando a repressão policial a base de paus, pedras e coquetéis molotov. As imagens da batalha campal impressionam mas são só uma pequena demonstração de força e capacidade de luta a que chegaram os gregos. Escolas por todo o país foram paradas, o transporte entre as ilhas gregas e o continente foi suspenso, o transporte público parou e até mesmo hospitais ficaram somente com o pessoal de emergência. É a  terceira greve geral de 24 horas nos últimos 30 dias contra a situação de crise que se abateu na Grécia e obviamente também contra Tsipras, por mais que alguns ainda tentem dizer que não.

Diante de tal demonstração de força é normal que venha uma pergunta a mente: "afinal quando teremos a nossa greve geral? e como diabos os gregos conseguiram chegar a esse nível de mobilização?"

Comparações são sempre um terreno bem delicado e se vamos fazê-las é de bom tom ter uma visão um pouco mais ampla.

É importante que se saiba que os gregos passaram pelo pão que o capeta amassou até chegar ao nível de radicalização em que se encontram. A taxa de crescimento de suicídios entre os gregos atingiu níveis dos mais assustadores de toda a Europa desde que a crise econômica começou a dar as cartas antes que as soluções coletivas começassem a ganhar as ruas. Enquanto a taxa de desemprego no Brasil segue abaixo de 10%, na Grécia esse índice é de 25%. Entre os mais jovens (15-24 anos) é superior aos 50%. O endividamento grego é de 180% do PIB, já no Brasil esse índice está na casa dos 60%. É esse cenário de caos e falta de perspectiva que empurrou os gregos a acumular tantos quilômetros rodados em greves gerais nos últimos anos. Só entre 2009 e 2014 a Grécia viveu quase 30 greves gerais, 25 delas concentradas no período que vai desde o começo da crise até o ano de 2012.

No Brasil, ao que me vem a cabeça, a última grande greve geral foi em março de 1989. A queda do Collor em 1992 por exemplo não foi acompanhada de nenhuma greve geral. O PT e a CUT poderiam ter convocado, não o fizeram. Preferiram entoar o slogan "Feliz 1994" permitindo que a burguesia prepara-se sua saída da crise política tirando da manga FHC e o plano real.

Em 1995, se poderia ter chamado também uma grande greve seguindo o exemplo da greve petroleira. Quem tinha a maior autoridade para fazê-lo era a CUT que vergonhosamente optou por pedir aos petroleiros que voltassem ao trabalho. A greve foi derrotada com tanques de guerra invadindo as refinarias e os petroleiros amargando uma derrota histórica que permitiu ao governo FHC impor sua agenda de privatizações.

Já não temos uma grande central sindical nem muito menos um grande partido de classe capaz de empalmar o descontentamento crescente de nossa gente. A reorganização política e sindical aberta com a chegada do lulismo à presidência não pariu nenhuma grande alternativa à esquerda que fosse capaz de superar as organizações anteriores. Muito pelo contrário, fomos tomados por um mar de confusão, desmoralização e desmobilização sem fim. Uma grande greve que pare os principais centros de uma país continental como o Brasil exigirá grandes instrumentos e ferramentas de lutas nacionais. E isso quando vivemos uma grande tendência a lutas isoladas em todo território nacional.

Se não temos grandes instrumentos ao menos deveríamos ter a capacidade de construir a unidade na luta. Mas o movimento organizado de uma forma geral vive um estado de desconfiança permanente e uma tremenda incapacidade de agir em frente. Somos incapazes de fazer o debate político das diferenças que nos separam e de inclusive combater as posições do outro sem romper a unidade na ação diante do menor suspiro. Da mesma forma temos sido incapazes de perceber o que de uma forma ou de outra pode nos unir, ainda que momentaneamente.

Os tempos do petismo fizeram muito mal ao movimento organizado brasileiro. Passou da hora de superá-lo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Você precisa assistir o documentário "Anjos Rebeldes" da @TVBrasil


A TV Brasil produziu o documentário "Anjos Rebeldes" sobre o movimento de ocupações das escolas secundaristas em São Paulo que enfrentou a truculência policial e do governo Alckmin e impôs a derrota do projeto de "reorganização" que pretendia fechar 94 escolas.

Com 51 minutos de duração, "Anjos Rebeldes" ouviu ocupantes, pais de alunos, professores, especialistas sobre educação, jornalistas, entre tantos outros sobre o episódio que sem dúvida alguma entrou para a história do movimento de massas brasileiro e com certeza mudou também seu futuro.

O resultado do documentário é emocionante. Recomendadíssimo.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Pornografia e violência contra a mulher (texto de Melissa de Miranda) #antiporn

Pesquisa da Universidade da Califórna indica que homens que costumam pagar por sexo têm maior tendência a cometer agressões sexuais do que homens que não têm esse hábito. O tema foi tratado ano passado em artigo pelo médico Jairo Bouer em seu blog no UOL e é a base para o artigo da ativista Melissa de Miranda em seu primeiro artigo do ano publicado em sua página do Facebook. Mas o texto de Melissa não se detém especificamente na prostituição. O alvo é outro: a pornografia.

Vale a leitura.

Pornografia e violência contra a mulher


Um estudo indicou que homens que pagam por sexo são mais propensos a cometer estupros. O motivo? Seu relacionamento com sexo é impessoal: só interessa o prazer dele, não o da outra pessoa. É dissociado, as minas são vistas como um utensílio descartável.

"Outros estudos já tinham associado essa falta de empatia com atos de violência contra a mulher. Muitos especialistas, hoje, encaram a prostituição como uma forma de abuso sexual. E esperam que os resultados desse estudo ajudem a derrubar o mito de que consumidores de prostituição são ‘caras legais, apenas sexualmente frustrados’”.

O problema vai além disso.

E sim, eu vou encher o saco sobre o seu pornôzinho. Desculpa aí! Como diriam as publicações gordofóbicas insuportáveis de dieta pós-Ano Novo, “você é o que você consome” e eu não sei se quero viver numa sociedade assim.

A pornografia foi colocada num pedestal pós-moderno. Toda crítica é moralismo. Mas a forma como esse conteúdo vem sendo produzido (machista, irreal e cada vez mais hardcore, graças à livre concorrência) e consumido em massa (na internet) também contribui para essa cultura de insensibilização para sexo..

A humanidade do outro é secundária ao seu tesão. Não importa o que aparece na tela ou seus bastidores grotescos, o importante é gozar. Não importa como aquela garota ou aquele “vídeo caseiro” chegou lá, o importante é gozar. Não importa como o filme foi feito e definitivamente não importa se a mulher está gostando.

A probabilidade, hoje em dia, é que você vai fazer mais sexo com seu computador do que com uma garota. Então... Quem se importa com a garota?

E não vem me dizer que a maior parte da pornografia é de boas. Porque não é. Fico imaginando meninos de 12 anos vendo mulheres humilhadas na cara, com a garganta engasgada, usadas por mais de um, agindo como crianças inocentes e sendo seduzidas, corrigidas ou coagidas e submetidas a todo tipo de estripulia, de posição não-prazerosa que culmine no orgasmo do ator homem. Ou lendo títulos como “comendo duas vadias” e “banho com adolescente”, a la XVideos.

Somos coniventes com a pedofilia, com esse falocentrismo. Com uma sexualidade agressiva, com vídeos em que o orgasmo feminino é irrelevante e ridicularizado. “Todo mundo sabe que a mulher não está gostando”, “ela finge muito mal”... Tá. Então por que estamos assistindo?

Se você abrir qualquer site de pornô gratuito e observar todas as fotos, todos anúncios, todos os termos usados nos títulos, eu duvido que te faça sentir bem sobre ser mulher.

E se você é homem, talvez não se importe.

Boicotamos um macarrão Barilla porque o CEO fez um comentário homofóbico, mas não boicotamos sites com anúncios misóginos, humilhantes e agressivos. Com conteúdo P E D Ó F I L O. Sabe?

E aí vêm me dizer: “Ah, não tem outra opção” ou “Me masturbar é muito importante”. E eu me pergunto se é realmente uma escolha tão vergonhosa ou "último recurso" assim, se falamos abertamente sobre a pornografia que consumimos e fazemos piada com os sites que frequentamos, sem problematizar.

Então penso na minha adolescência, em mim mesma e em amigas em relacionamentos heterossexuais, fazendo sexo sem sentir prazer durante anos. Algumas mulheres pela vida inteira. Se submetendo desde jovens a todo tipo de posição sem realmente estar confortável ou entender aquilo, só para agradar... Para ver o cara feliz. Contentando-se com o contato físico, com o carinho e não com o sexo em si. Colocando seu orgasmo em segundo plano, porque (assim como nos filmes) uma mulher não sentir prazer é culturalmente aceito.

Quem liga? Certamente não os caras que cresceram achando que minas têm que ser putas na cama. Ou que viram nos vídeos que é só colocar o I no O que o trabalho tá feito. Certamente não o cara que tem tesão em ménage a trois e assedia garotas em relacionamentos lésbicos. Nem o namorado bacana que fica chateado porque não ganhou sexo e “poxa, né, amor...”. E menos ainda o mano que convence a namorada a fazer sexo anal mesmo que ela sinta um pouco de dor.

Por que as mulheres estão nessa posição? Se desdobrando e se submetendo? Por que essa falta de empatia com elas? Como o mundo pode usufruir tanto da sexualização feminina e não dar a mínima para as garotas?

Os donos do Xvideos também não se importam. Nem os seus usuários. E sequer vou entrar no mérito dos vídeos amadores e do revenge porn, porque aí é provocar a ira dos defensores da pornografia online. Ou concordamos com o conteúdo desses sites (e muitos concordam), ou somos coniventes.

E você provavelmente se autodenominaria como da segunda categoria. Dos que ignoram a pedofilia em sites pornôs. Ou o sucesso da categoria “teen” (atualmente, é o termo pornô mais buscado no Google), porque mentalmente não compactua com esta cultura e confia que a sociedade tem discernimento. Muito discernimento. Ou ainda dos que não se incomodam que a agressividade em vídeos pornôs seja direcionada 6% a homens... e estimados 94% a mulheres.

São diferentes tipos de violência de gênero, todos alimentados pela mesma cultura. Uma cultura que não tem empatia com as mulheres. Que faz tanta menina transar sem tesão e tanta mulher depender da indústria pornô e da prostituição para viver.

“Você tira o poder da mulher. O seu trabalho, a sua família, o seu dinheiro. Você a deixa com uma única moeda... a moeda com que ela nasceu. Pode ser de mau gosto e degradante, mas se ela precisar, ela vai gastá-la” – Red (Orange Is The New Black)

E acreditem: isso tem menos a ver com “emancipação feminina” e mais com 70% do tráfico humano mundial ser de mulheres, escravizadas ou forçadas à prostituição. Dados da ONU, não meus.

A exceção não faz a regra neste caso. A maioria daquelas mulheres não está por cima, mas isso não parece gerar empatia. O distanciamento cresce. E eu entendo que todos temos hipocrisias ideológicas em nossas vidas, mas poucas delas estão filmadas e colocadas bem na nossa cara.

Que em 2016, o tesão seja problematizado.

Sobre o estudo:
http://bit.ly/1JZnV7n

O estudo em si (inglês):
http://bit.ly/1PLPypc

Relatório da ONU sobre tráfico humano:
http://bit.ly/1MVDGMM

TEDx - "Por que parei de ver pornô":
http://bit.ly/1S630HC

Dados sobre a indústria pornô e depoimentos de diferentes atrizes sobre os abusos e a "iniciação" (recomendo ler!):
http://bit.ly/1O6O3Bk

Dados da organização Stop Porn Culture:
http://bit.ly/1PgSirG

Dados sobre buscas pornôs ("teens"):
http://bit.ly/1JZt8w9

domingo, 3 de janeiro de 2016

"Da Paz", conto #fabuloso de @marcelinofreire

Nos idos dos anos 2000, em especial no Rio de Janeiro, disseminou-se um movimento de marchas pela paz, com caminhadas com pessoas de branco carregando flores, fotos e cartazes pedindo paz e justiça. As caminhadas ganhavam especial comoção quando alguma criança do lado nobre da cidade era de alguma forma vítima de violência. Em São Paulo, tais marchas ganharam força em função das ações no PCC em 2006. Foi nesse contexto que o escritor pernambucano Marcelino Freire foi inquerido a escrever um conto com a temática das tais marchas. Inspirou-se ao ver uma das atrizes de malhação com seu "kit paz" convocando o evento.

Segue o texto brilhante e ao final as interpretações emocionantes de Naruna Costa, Renan Inqérito e do próprio Marcelino.


Da Paz


Eu não sou da paz.

Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça.

Uma desgraça.

Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquele ator?

Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não.

Não vou.

A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo.

A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança. Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.

Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio. A nenhuma passeata. Não saio. Não movo uma palha. Nem morta. Nem que a paz venha aqui bater na minha porta. Eu não abro. Eu não deixo entrar. A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Rezar nesse inferno eu já rezo. Amém. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou. Não vou.

Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein?

Hein?

Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida. Marchar não vou, ao lado de polícia. Toda vez que vejo a foto do Joaquim, dá um nó. Uma saudade. Sabe? Uma dor na vista. Um cisco no peito. Sem fim. Ai que dor! Dor. Dor. Dor.

A minha vontade é sair gritando. Urrando. Soltando tiro. Juro. Meu Jesus! Matando todo mundo. É. Todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. A paz é que é culpada. Sabe, não sabe?

A paz é que não deixa.





sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Apesar de tudo, obrigado 2015. Dois mil e dezesseis, vamos à luta!


Dois mil e quinze já era. E não vai deixar saudades, não é mesmo? Afinal, foi crise pra lá, crise pra cá, cortes de direitos, demissões e mais demissões. Um roteiro que ninguém quer ver se repetir no novo ano que começa. Por outro lado 2015 ao menos merece ser abordado de um ângulo um pouquinho diferente.

Quem se lembra do final de 2014, com os resultados eleitorais que levaram ao Congresso Nacional sua composição mais reacionária de toda a história e da preparação do gabinete da recém reeleita presidenta, Dilma Roussef, com figuras como Levy e Kátia Abreu sabe que estávamos diante de um round, digo, ano que tínhamos tudo pra levar uma gigantesca surra.

Ainda em dezembro 2014, a reeleita já afirmava que o ano novo seria duríssimo para os brasileiros dos andares de baixo. O termo ajuste fiscal já entrava na agenda de governo com uma proposta para "economizar" 100 bilhões de reais. É sempre bom deixar claro que o tal ajuste fiscal que tanto se falou nada mais é do que cortes, arrocho e precarização do serviço público. E também foi em dezembro de 2014 que Dilma 2.0 não só começou a falar como colocou em vigor medidas para dificultar o acesso ao seguro desemprego, PIS/PASEP, seguro defeso, etc.. Ou seja, a depender do governo, 2014 já tinha deixado claro que íamos sentir saudades.

Mas não foi só do governo federal que a pancadaria já estava anunciada. Com uma bancada BBB supervitaminada e fortalecida no Congresso Nacional, 2015 nos preparava um verdadeiro show de horrores. E não foi pra menos. Ainda em fevereiro, o famigerado Eduardo Cunha foi eleito para presidente da Casa. Em sua agenda estavam a redução da maioridade penal, ilegalizar o pouco de aborto legal, o "bolsa estupro", o dia do orgulho heterossexual, o estatuto da família, estatuto do desarmamento, apoio ao sistema de saúde privado e a terceirização.

Pra completar a confirmação de que estávamos diante de um ano perdido, ainda em março, a direitada tomou as ruas e inaugurou um movimento até então inédito na democracia brasileira: o carnacoxinha. Só na Paulista foram 160 mil pessoas pedindo "Fora Dilma", "Fora PT" e também "Intervenção militar". A termo de comparação, em junho de 2013 a maior manifestação na Paulista colocou 110 mil pessoas na rua. Não tinha como não olhar pra frente e não ver com muito medo o desenrolar do ano.

E esse é o ponto. Mesmo com toda a ofensiva do lado de lá, e tanta desmoralização e desmobilização do lado de cá, eles não nos levaram à lona. E não é que não tentaram. Simplesmente não conseguiram.

Ainda no primeiro semestre não conseguiram impor o maldito PL 4330 nem a redução da maioridade. A Câmara até aprovou mas diante da reação popular o Senado simplesmente não topou levar adiante. E no segundo semestre então nem se fala, além da malfadada ameaça permanente de impeachment que deixaria a vida dos trabalhadores ainda pior mas que não conseguiu se efetivar, Cunha colocou em discussão o PL 5069 que levou às ruas milhares de mulheres no país e pôs em pauta o movimento feminista como há muito não vimos.

E pra deixar o peito cheio de orgulho, 2015 nos presenteou com um movimento em defesa da escola pública na capital paulista de encher os olhos e o coração. Mais de duzentas escolas ocupadas por uma nova geração de lutadores que impôs brilhantemente a derrota do governo tucano. Se fizermos contas superficiais em termos quantitativos, duzentas escolas vezes uma média de cinquenta ocupantes, chegamos a um número de 10.000 novos ativistas só em São Paulo que experimentaram a necessidade de auto-organização e resistência, enfrentando-se com uma das PMs mais truculentas do país e ainda por cima, não se deixando arrastar pelos aparatos derrotistas que se tornaram as entidades estudantis como UNE, UBES e companhia.

Aos que lutam e resistem, o anos de 2015, por mais que tenha sido sofrido, honestamente até que terminou com um gostinho de quero mais. Em especial as primaveras feminista e secundarista do ano que chegou ao fim nos deixaram sementes de esperança para o ano que começa. Que aliás será de luta pois o governo já anunciou que quer reforma da previdência e ajuste (leia-se cortes e arrocho). E se depender do que aprendemos nos enfrentamentos do ano que se foi, 2016 tem tudo pra ser de grandes vitórias.

Então... apesar de tudo, obrigado 2015. Dois mil e dezesseis, vamos à luta!