domingo, 10 de junho de 2012

Pornografia é uma questão de esquerda? Gail Dines afirma que sim. E eu concordo. #antiporn


Gail Dines é uma professora estadunidense nascida na Inglaterra e uma atuante feminista anti-pornografia. Robert Jensen é um professor de jornalismo da Universidade do Texas nos Estados Unidos de posições anti-machistas, anti-porno, anti-racistas e crítico da ação bélica dos Estados Unidos pelo mundo. Juntos eles escreveram em dezembro de 2005 um valioso texto sobre a relação da esquerda de um modo geral com a pornografia chamado "Pornography Is A Left Issue" ou "Pornografia é uma questão de esquerda".

Logo em seu primeiro parágrafo Dines e Jensen se dedicam a falar dos insultos vindos da esquerda contra os ativistas do movimento anti-porn, em especial contra as mulheres desse movimento, normalmente tratadas como "anti-sexo, pudicas, simplistas, politicamente ingênuas, diversionistas e tacanhas" chegando ao conhecido insulto do estilo "o problema de vocês é falta de uma boa trepada". E isso, vale lembrar, vindo da esquerda. Mas por que tanta rispidez e ignorância nesse debate? Não seria o combate anti-pornografia uma questão de esquerda? Ou a pornografia não passa de fantasia que contribui para libertar a sexualidade e como tal não deve ser combatida?

Os professores elaboram suas posições anti-porn partindo exatamente de um ponto comum com o movimento de esquerda que é a critica dos meios de mídia de massa como "um local onde a classe dominante cria e impõe definições e explicações do mundo". Segundo o que nos explicam:
Aparentemente, a percepção comum da esquerda de que as imagens da mídia podem ser ferramentas para a legitimação da desigualdade, vale para uma análise da CBS ou CNN, mas evapora-se quando a imagem é de uma mulher tendo um pênis enfiado em sua garganta com tanta força que engasga. Nesse caso, por razões inexplicáveis, não devemos tomar a sério as representações pornográficas ou visualizá-los como produtos cuidadosamente construídos dentro de um sistema mais amplo de gênero, raça e desigualdade de classe. O valioso trabalho realizado pela crítica sobre a política da mídia de produção, aparentemente, não tem valor para a pornografia.
E quando o assunto é a tal fantasia eles disparam:
A pornografia é fantasia, de uma espécie. Assim como programas policiais na TV que afirmam a nobreza da polícia e promotores como protetores do povo são fantasia. Assim como as histórias de Horatio Alger de que trabalho duro são recompensados no capitalismo são fantasias. Assim como os filmes onde o elenco árabe são todos terroristas, são uma fantasia.

Todos esses produtos da mídia são criticados pela esquerda, precisamente porque o mundo de fantasia que eles criaram é uma distorção do mundo real em que vivemos. A polícia e promotores fazem, por vezes, a busca pela justiça, mas também reforçam o regime dos poderosos. Os indivíduos no capitalismo prosperam algumas vezes como resultado de seu trabalho árduo, mas o sistema não fornece a todos os que trabalham duro uma vida decente. Um pequeno número de árabes são terroristas, mas isso fica obscurecido na América branca quanto à humanidade da grande maioria árabe.

Tais fantasias também refletem como os detentores do poder querem que as pessoas subordinadas se sintam. Imagens de negros felizes nas plantações fazem brancos se sentirem satisfeitos na sua opressão aos escravos. Imagens de trabalhadores satisfeitos acalmam os receios capitalistas de uma revolução. E homens lidam com seus complexos sentimentais sobre a masculinidade contemporânea e sua tóxica mistura de sexo e agressão, buscando imagens de mulheres que gostam de dor e humilhação.
Uma posição absolutamente fundamentada e de esquerda. Ponto para os professores. Mas fica a pergunta: Por que raios a esquerda não assume também posições anti-pornô? Quando o tema é prostituição por exemplo existem as posições de combate, embora não seja descartável a possibilidade de muitos militantes de esquerda e muitas vezes seus próprios quadros dirigentes utilizar de seus serviços. Mas quanto à pornografia de fato sequer existe alguma crítica da mais ralinha que seja no campo da grande esquerda e seus partidos. Qual o motivo? Eles explicam:
Depois de anos enfrentando a hostilidade da esquerda em público e na imprensa, nós acreditamos que a resposta é óbvia: o desejo sexual pode restringir a capacidade das pessoas para a razão crítica – especialmente em homens nessa sociedade patriarcal, onde o sexo não é só uma questão de prazer, mas sobretudo uma questão de poder.
Ou seja, apesar do palavrório anti-machista, o movimento de esquerda que segue sendo um espaço amplamente masculino é um espaço machista. Por mais que os homens de esquerda combatam na superfície a opressão machista, via de regra, em seu íntimo, nem que seja em seu mais privado mundo de fantasias, sua relação com o sexo oposto segue sendo machista. Defender a pornografia e a indústria por tras dela não é defender a liberdade no prazer, é fundamentalmente, tal como nos explicaram Dines e Jensen, defender uma relação de poder do homem sobre mulheres, meninas e até mesmo meninos.

4 comentários:

  1. Pra vc não dizer que só critico, gostei bastante deste post e do artigo.

    (ia comentar antes, mas achei melhor dar um tempo, mas como já meti os pés pelas mãos de novo...)

    Os autores tocam em pontos importantes, fundamentais pro amadurecimento do discurso de esquerda, especialmente no brasil. Vc chegou a debater este artigo com esquerdistas? Fez esta pergunta "Por que raios a esquerda não assume também posições anti-pornô?" pros companheiros?

    Nunca entendi a defesa (ou a falta de crítica) da pornografia mainstream (tão abjetamente misógina e racista) por pessoas ditas de esquerda.

    Ou melhor, nunca aceitei, já que entender é perfeitamente possível quando lembramos que a política ainda é um espaço masculino, e que direita e esquerda enxergam a mulher da mesma forma. E ambas desdenham reivindicações feministas. Neste aspecto, aliás, sempre achei a direita mais coerente, já que ela não disfarça. Como vc disse, é apenas “palavrório anti-machista”. Quantos “revolucionários” suportam uma mulher de fato independente e livre?

    E a postura da esquerda é ainda mais perniciosa pro movimento feminista, na medida em que não há uma oposição clara pra ser contraposta. Não podemos brigar com quem concorda conosco no discurso, embora não mova uma palha no sentido de apoio real.

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    Mas, gostaria de te perguntar se vc critica todo tipo de pornografia ou apenas a pornografia mainstream?

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    Foi vc quem traduziu o artigo? Caso afirmativo, no item “A mídia corporativa”, terceira frase:

    “Devido à estrutura do sistema, é um dado que estas corporações criam programas que vão de encontro aos interesses dos anunciantes e elites, não das pessoas comuns.”

    Não ficaria mais adequado “...criam programas que vão AO encontro DOS interesses...” ou “...criam programas que atendam às necessidades e interesses...”?

    Do jeito que está, as grandes corporações trabalham pelas pessoas comuns, o que, evidentemente, não é o caso.

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    E fiquei pensando naquilo que vc disse, sobre a necessidade de enfrentar o governo pra conseguir mais respeito...

    Não é o governo que faz ou mantém o capitalismo. Governos se viram como podem dentro da lógica capitalista do mundo. Perdem força, inclusive, já que grandes corporações supranacionais têm muita influência e poder (e seus líderes, não sendo eleitos, não representam ninguém, ao contrário do governo). A luta, do meu ponto de vista, não é contra o governo (que, afinal, é posto lá). Muito menos a luta feminista. Mulheres foram (são) oprimidas sob as mais diversas formas de organização político-econômica. Com a esquerda que você conhece bem melhor do que eu, você acha que mudaria alguma coisa para as mulheres?

    A única forma de combater o machismo é fortalecer a mulher. E não dá pra esperar pela revolução pra isso.

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    Se vc ficar indignado com alguma coisa que eu disser, não precisa ser educado e agradecer o comentário. Eu sou teimosa. Não deixarei de perturbar vc só pq não agradeceu um comentário.

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    vc sabe que cheguei até aqui pelo blog do Saka, né?

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    já se arrependeu de ter deixado seu endereço lá?

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  2. Oi Cora,

    De trás pra frente.

    Do blog do Sakamoto foi? Que bacana. Deixarei meu endereço mais vezes por lá. Visitantes inquietos como você são muito bem vindos. :)

    "A única forma de combater o machismo é fortalecer a mulher. E não dá pra esperar pela revolução pra isso." - Concordo que não dá para esperar pela revolução para combater o machismo mas não tenho acordo que a única forma seja "fortalecer" a mulher. Mulheres burguesas exploram mulheres operárias. Não será fortalecendo as primeiras que a opressão sobre as outras, que são maioria será combatida. O combate é bem mais embaixo, é bem mais radical.

    Com a esquerda que você conhece bem melhor do que eu, você acha que mudaria alguma coisa para as mulheres? - Com essa esquerda que hoje está aí no Brasil de fato está muito difícil. Mas sem medidas concretas de governo contra o machismo não há um verdadeiro combate. É preciso exigir dos governos de plantão todo e qualquer avanço por mais mínimo que seja. E quando esse pequeno avanço for conseguido é preciso dizer "exigimos mais".

    Ainda sobre a esquerda fazer alguma coisa pela mulher, sugiro ler Lênin e os avanços para a mulher na União Soviética até 1923, com a legalização do aborto, o direito ao divórcio, as creches e restaurantes coletivos, entre tantas outras medidas. No marxists.org tem uns textos online sobre o tema tal como esse aqui.

    Sobre a tradução, sim fui eu que fiz, mas com a ajuda do Google Tradutor. Meu inglês não é lá essas coisas. Obrigado pela correção. Vou replicar no texto.

    ...gostaria de te perguntar se vc critica todo tipo de pornografia ou apenas a pornografia mainstream? - Não sou conhecedor, estudioso ou consumidor de obras pornográficas para dar um parecer bem embasado, mas via de regra na sociedade machista, a mulher será objeto. E mesmo quando estiver no comando do ato sexual, ela simplesmente estará cumprindo um papel para saciar o desejo masculino, ou seja, objeto de novo. Então tendo a ser contrário.

    Vc chegou a debater este artigo com esquerdistas? Fez esta pergunta "Por que raios a esquerda não assume também posições anti-pornô?" pros companheiros? - Convivi por muito tempo com parte da esquerda trotskista brasileira (sou trotskista) aqui no Ceará e conheci alguns troskos país afora, mas o tema da pornografia nunca veio à tona. Na verdade a esquerda brasileira hoje está praticamente dividida entre os eco-socialisitas do PSOL e os sindicalistas do PSTU e normalmente quaisquer temas simples e fundamentais que saem do campo de visão é sempre pouco debatido. No PSOL tudo se orienta em torno de eleições. No PSTU em torno do economicismo cotidiano. Temas que envolvem o feminismo, entre tantos outros, por mais que conste de seus programas, é sempre tratado como algo transversal.

    Abraços

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  3. O blog do Saka não é mais o mesmo. Não em relação aos posts, claro! Falo dos comentários. O nível do debate por lá caiu muito depois das mudanças de hospedagem. Na verdade nem há mais debate, só um monte de gente criticando de forma intolerante e preconceituosa os post mais “polêmicos” (acredite, sugerir qq reflexão sobre são paulo ou sobre trabalho escravo ou sobre a ditadura militar é considerado polêmico por lá, chega dar medo! Afinal esse pessoal tá por aí!!).

    Hj vc não consegue nem mesmo deixar um link lá.

    Consequência das mudanças? Nenhum dos leitores tem a possibilidade de desenvolver uma ideia e iniciar um debate. Infelizmente.

    (e por falar em medo, o final do meu comentário ficou estranho. não foi uma ameaça não, viu?)

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  4. Quando disse fortalecer a mulher não me referia às burguesas apenas. Muito menos fortalecer burguesas enquanto burguesas. Mesmo pq, essas q exploram costumam ser machistas e preconceituosas (redundante, isso?).

    A mulher deve se posicionar mais claramente contra o machismo. Pra isso deve reconhecê-lo e ter força e respaldo pra contrapô-lo e enfrentá-lo. Como rejeitar atitudes machistas sem ter força para tal? E de onde vem esta força? De debates, de movimentos q denunciem e discutam o machismo. De movimentos q discutam e difundam o feminismo (impressiona o tanto de gente q critica atitudes machistas como se estas fossem feministas o.O). Vem da identificação com outras mulheres. Vem do autoconhecimento. Vem da segurança. Entendo q trabalhadoras sofram mais, mas a luta é de todas as mulheres, por todas as mulheres.

    Não sei até q ponto esta distinção entre mulheres burguesas/operárias é válida pra esta questão. Mesmo pq, qdo uma mulher burguesa percebe ou entende e rejeita o machismo, rejeita a exploração de outra mulher, pois passa a identificar-se com ela. Não são diferentes. São iguais.

    (não estou negando a existência de classes sociais e a importância disso na luta conta a opressão, por favor!!)

    Vc divide mulheres em duas categorias e acredita q as reivindicações de uma não sirvam para a outra. Enquanto classe social certamente não. Mas enquanto mulheres, entendo q sim. Ser entendida como um ser humano pleno, ter sua participação no espaço público reconhecida, isso serve a todas.

    É a rejeição cotidiana às atitudes machistas (por mulheres e homens) q enfraquecerá o machismo. Como um publicitário pensará numa campanha machista se souber q haverá uma rejeição massiva e importante a ela e, mais importante (pra ele), ao produto? Ou ainda melhor, como pensará numa campanha degradante, se não enxergar a mulher de forma degradante? Como mães e pais educarão filhxs machistas se há forte oposição a isso na sociedade?

    Exagerei no uso de “única forma”, admito.

    Reconheço o papel do estado na forma de campanhas e programas específicos, mas isso só se materializa frente à demanda da sociedade. Grandes mudanças, na forma de lei, dependem do congresso, que, por sua vez, é reflexo da sociedade. Reflexo feio, é verdade, mas devemos lidar com isso.

    Veja, p. ex., toda repercussão sobre o material contra homofobia (chamado, de forma infame, de “kit gay”) e o desfecho do caso. Sociedade rejeitou e o governo não teve como levar adiante. Ou a forma como a questão do aborto foi “debatida” durante a campanha presidencial. O q estes episódios podem ensinar sobre a sociedade brasileira? Somos assim tão conservadores? Estamos mais conservadores? O q o crescimento dos neopentecostais indica? Qual o papel do pensamento liberal, q sequer reconhece minorias, nisso?

    Vc tem razão, o combate é bem mais radical. E são sim necessárias ações governamentais. É necessário pressionar o governo (como sempre, aliás, pra tudo). Mas não só. A luta não se esgota no enfrentamento ao governo. Ou melhor, pra pressionar o governo de forma efetiva, precisamos de pessoas, muitas pessoas. Mobilização. Imagina se um movimento grande (só pra ficar no meu exemplo) aparecesse defendendo q o material anti-homofobia fosse distribuído, ao invés do relativo silêncio q (ou)vimos?

    O assunto tem q circular, tem q aparecer, afinal, a luta feminista é por direitos humanos.

    O pensamento liberal está transformando o “politicamente incorreto” (=preconceituoso, indiferente e intolerante), em “cool”. Como agir, uma vez q liberais usam a desonestidade de relacionar críticas com censura? Q estratégia adotar aqueles q defendem os direitos humanos, ironizados frequentemente pelos liberais?

    Sei q sou ingênua. E contraditória. Ao mesmo tempo em q não acredito no ser humano, tenho uma esperança tola na reflexão como forma de mudança. Estou afastada de movimentos políticos organizados (partidários ou não). E minha atuação política é modesta, de pouco alcance, muito local. Mas sempre no sentido do esclarecimento, do fortalecimento pessoal, da identificação.

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