quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Você precisa assistir o documentário "Anjos Rebeldes" da @TVBrasil


A TV Brasil produziu o documentário "Anjos Rebeldes" sobre o movimento de ocupações das escolas secundaristas em São Paulo que enfrentou a truculência policial e do governo Alckmin e impôs a derrota do projeto de "reorganização" que pretendia fechar 94 escolas.

Com 51 minutos de duração, "Anjos Rebeldes" ouviu ocupantes, pais de alunos, professores, especialistas sobre educação, jornalistas, entre tantos outros sobre o episódio que sem dúvida alguma entrou para a história do movimento de massas brasileiro e com certeza mudou também seu futuro.

O resultado do documentário é emocionante. Recomendadíssimo.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Pornografia e violência contra a mulher (texto de Melissa de Miranda) #antiporn

Pesquisa da Universidade da Califórna indica que homens que costumam pagar por sexo têm maior tendência a cometer agressões sexuais do que homens que não têm esse hábito. O tema foi tratado ano passado em artigo pelo médico Jairo Bouer em seu blog no UOL e é a base para o artigo da ativista Melissa de Miranda em seu primeiro artigo do ano publicado em sua página do Facebook. Mas o texto de Melissa não se detém especificamente na prostituição. O alvo é outro: a pornografia.

Vale a leitura.

Pornografia e violência contra a mulher


Um estudo indicou que homens que pagam por sexo são mais propensos a cometer estupros. O motivo? Seu relacionamento com sexo é impessoal: só interessa o prazer dele, não o da outra pessoa. É dissociado, as minas são vistas como um utensílio descartável.

"Outros estudos já tinham associado essa falta de empatia com atos de violência contra a mulher. Muitos especialistas, hoje, encaram a prostituição como uma forma de abuso sexual. E esperam que os resultados desse estudo ajudem a derrubar o mito de que consumidores de prostituição são ‘caras legais, apenas sexualmente frustrados’”.

O problema vai além disso.

E sim, eu vou encher o saco sobre o seu pornôzinho. Desculpa aí! Como diriam as publicações gordofóbicas insuportáveis de dieta pós-Ano Novo, “você é o que você consome” e eu não sei se quero viver numa sociedade assim.

A pornografia foi colocada num pedestal pós-moderno. Toda crítica é moralismo. Mas a forma como esse conteúdo vem sendo produzido (machista, irreal e cada vez mais hardcore, graças à livre concorrência) e consumido em massa (na internet) também contribui para essa cultura de insensibilização para sexo..

A humanidade do outro é secundária ao seu tesão. Não importa o que aparece na tela ou seus bastidores grotescos, o importante é gozar. Não importa como aquela garota ou aquele “vídeo caseiro” chegou lá, o importante é gozar. Não importa como o filme foi feito e definitivamente não importa se a mulher está gostando.

A probabilidade, hoje em dia, é que você vai fazer mais sexo com seu computador do que com uma garota. Então... Quem se importa com a garota?

E não vem me dizer que a maior parte da pornografia é de boas. Porque não é. Fico imaginando meninos de 12 anos vendo mulheres humilhadas na cara, com a garganta engasgada, usadas por mais de um, agindo como crianças inocentes e sendo seduzidas, corrigidas ou coagidas e submetidas a todo tipo de estripulia, de posição não-prazerosa que culmine no orgasmo do ator homem. Ou lendo títulos como “comendo duas vadias” e “banho com adolescente”, a la XVideos.

Somos coniventes com a pedofilia, com esse falocentrismo. Com uma sexualidade agressiva, com vídeos em que o orgasmo feminino é irrelevante e ridicularizado. “Todo mundo sabe que a mulher não está gostando”, “ela finge muito mal”... Tá. Então por que estamos assistindo?

Se você abrir qualquer site de pornô gratuito e observar todas as fotos, todos anúncios, todos os termos usados nos títulos, eu duvido que te faça sentir bem sobre ser mulher.

E se você é homem, talvez não se importe.

Boicotamos um macarrão Barilla porque o CEO fez um comentário homofóbico, mas não boicotamos sites com anúncios misóginos, humilhantes e agressivos. Com conteúdo P E D Ó F I L O. Sabe?

E aí vêm me dizer: “Ah, não tem outra opção” ou “Me masturbar é muito importante”. E eu me pergunto se é realmente uma escolha tão vergonhosa ou "último recurso" assim, se falamos abertamente sobre a pornografia que consumimos e fazemos piada com os sites que frequentamos, sem problematizar.

Então penso na minha adolescência, em mim mesma e em amigas em relacionamentos heterossexuais, fazendo sexo sem sentir prazer durante anos. Algumas mulheres pela vida inteira. Se submetendo desde jovens a todo tipo de posição sem realmente estar confortável ou entender aquilo, só para agradar... Para ver o cara feliz. Contentando-se com o contato físico, com o carinho e não com o sexo em si. Colocando seu orgasmo em segundo plano, porque (assim como nos filmes) uma mulher não sentir prazer é culturalmente aceito.

Quem liga? Certamente não os caras que cresceram achando que minas têm que ser putas na cama. Ou que viram nos vídeos que é só colocar o I no O que o trabalho tá feito. Certamente não o cara que tem tesão em ménage a trois e assedia garotas em relacionamentos lésbicos. Nem o namorado bacana que fica chateado porque não ganhou sexo e “poxa, né, amor...”. E menos ainda o mano que convence a namorada a fazer sexo anal mesmo que ela sinta um pouco de dor.

Por que as mulheres estão nessa posição? Se desdobrando e se submetendo? Por que essa falta de empatia com elas? Como o mundo pode usufruir tanto da sexualização feminina e não dar a mínima para as garotas?

Os donos do Xvideos também não se importam. Nem os seus usuários. E sequer vou entrar no mérito dos vídeos amadores e do revenge porn, porque aí é provocar a ira dos defensores da pornografia online. Ou concordamos com o conteúdo desses sites (e muitos concordam), ou somos coniventes.

E você provavelmente se autodenominaria como da segunda categoria. Dos que ignoram a pedofilia em sites pornôs. Ou o sucesso da categoria “teen” (atualmente, é o termo pornô mais buscado no Google), porque mentalmente não compactua com esta cultura e confia que a sociedade tem discernimento. Muito discernimento. Ou ainda dos que não se incomodam que a agressividade em vídeos pornôs seja direcionada 6% a homens... e estimados 94% a mulheres.

São diferentes tipos de violência de gênero, todos alimentados pela mesma cultura. Uma cultura que não tem empatia com as mulheres. Que faz tanta menina transar sem tesão e tanta mulher depender da indústria pornô e da prostituição para viver.

“Você tira o poder da mulher. O seu trabalho, a sua família, o seu dinheiro. Você a deixa com uma única moeda... a moeda com que ela nasceu. Pode ser de mau gosto e degradante, mas se ela precisar, ela vai gastá-la” – Red (Orange Is The New Black)

E acreditem: isso tem menos a ver com “emancipação feminina” e mais com 70% do tráfico humano mundial ser de mulheres, escravizadas ou forçadas à prostituição. Dados da ONU, não meus.

A exceção não faz a regra neste caso. A maioria daquelas mulheres não está por cima, mas isso não parece gerar empatia. O distanciamento cresce. E eu entendo que todos temos hipocrisias ideológicas em nossas vidas, mas poucas delas estão filmadas e colocadas bem na nossa cara.

Que em 2016, o tesão seja problematizado.

Sobre o estudo:
http://bit.ly/1JZnV7n

O estudo em si (inglês):
http://bit.ly/1PLPypc

Relatório da ONU sobre tráfico humano:
http://bit.ly/1MVDGMM

TEDx - "Por que parei de ver pornô":
http://bit.ly/1S630HC

Dados sobre a indústria pornô e depoimentos de diferentes atrizes sobre os abusos e a "iniciação" (recomendo ler!):
http://bit.ly/1O6O3Bk

Dados da organização Stop Porn Culture:
http://bit.ly/1PgSirG

Dados sobre buscas pornôs ("teens"):
http://bit.ly/1JZt8w9

domingo, 3 de janeiro de 2016

"Da Paz", conto #fabuloso de @marcelinofreire

Nos idos dos anos 2000, em especial no Rio de Janeiro, disseminou-se um movimento de marchas pela paz, com caminhadas com pessoas de branco carregando flores, fotos e cartazes pedindo paz e justiça. As caminhadas ganhavam especial comoção quando alguma criança do lado nobre da cidade era de alguma forma vítima de violência. Em São Paulo, tais marchas ganharam força em função das ações no PCC em 2006. Foi nesse contexto que o escritor pernambucano Marcelino Freire foi inquerido a escrever um conto com a temática das tais marchas. Inspirou-se ao ver uma das atrizes de malhação com seu "kit paz" convocando o evento.

Segue o texto brilhante e ao final as interpretações emocionantes de Naruna Costa, Renan Inqérito e do próprio Marcelino.


Da Paz


Eu não sou da paz.

Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça.

Uma desgraça.

Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquele ator?

Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não.

Não vou.

A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo.

A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança. Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.

Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio. A nenhuma passeata. Não saio. Não movo uma palha. Nem morta. Nem que a paz venha aqui bater na minha porta. Eu não abro. Eu não deixo entrar. A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Rezar nesse inferno eu já rezo. Amém. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou. Não vou.

Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein?

Hein?

Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida. Marchar não vou, ao lado de polícia. Toda vez que vejo a foto do Joaquim, dá um nó. Uma saudade. Sabe? Uma dor na vista. Um cisco no peito. Sem fim. Ai que dor! Dor. Dor. Dor.

A minha vontade é sair gritando. Urrando. Soltando tiro. Juro. Meu Jesus! Matando todo mundo. É. Todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. A paz é que é culpada. Sabe, não sabe?

A paz é que não deixa.





sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Apesar de tudo, obrigado 2015. Dois mil e dezesseis, vamos à luta!


Dois mil e quinze já era. E não vai deixar saudades, não é mesmo? Afinal, foi crise pra lá, crise pra cá, cortes de direitos, demissões e mais demissões. Um roteiro que ninguém quer ver se repetir no novo ano que começa. Por outro lado 2015 ao menos merece ser abordado de um ângulo um pouquinho diferente.

Quem se lembra do final de 2014, com os resultados eleitorais que levaram ao Congresso Nacional sua composição mais reacionária de toda a história e da preparação do gabinete da recém reeleita presidenta, Dilma Roussef, com figuras como Levy e Kátia Abreu sabe que estávamos diante de um round, digo, ano que tínhamos tudo pra levar uma gigantesca surra.

Ainda em dezembro 2014, a reeleita já afirmava que o ano novo seria duríssimo para os brasileiros dos andares de baixo. O termo ajuste fiscal já entrava na agenda de governo com uma proposta para "economizar" 100 bilhões de reais. É sempre bom deixar claro que o tal ajuste fiscal que tanto se falou nada mais é do que cortes, arrocho e precarização do serviço público. E também foi em dezembro de 2014 que Dilma 2.0 não só começou a falar como colocou em vigor medidas para dificultar o acesso ao seguro desemprego, PIS/PASEP, seguro defeso, etc.. Ou seja, a depender do governo, 2014 já tinha deixado claro que íamos sentir saudades.

Mas não foi só do governo federal que a pancadaria já estava anunciada. Com uma bancada BBB supervitaminada e fortalecida no Congresso Nacional, 2015 nos preparava um verdadeiro show de horrores. E não foi pra menos. Ainda em fevereiro, o famigerado Eduardo Cunha foi eleito para presidente da Casa. Em sua agenda estavam a redução da maioridade penal, ilegalizar o pouco de aborto legal, o "bolsa estupro", o dia do orgulho heterossexual, o estatuto da família, estatuto do desarmamento, apoio ao sistema de saúde privado e a terceirização.

Pra completar a confirmação de que estávamos diante de um ano perdido, ainda em março, a direitada tomou as ruas e inaugurou um movimento até então inédito na democracia brasileira: o carnacoxinha. Só na Paulista foram 160 mil pessoas pedindo "Fora Dilma", "Fora PT" e também "Intervenção militar". A termo de comparação, em junho de 2013 a maior manifestação na Paulista colocou 110 mil pessoas na rua. Não tinha como não olhar pra frente e não ver com muito medo o desenrolar do ano.

E esse é o ponto. Mesmo com toda a ofensiva do lado de lá, e tanta desmoralização e desmobilização do lado de cá, eles não nos levaram à lona. E não é que não tentaram. Simplesmente não conseguiram.

Ainda no primeiro semestre não conseguiram impor o maldito PL 4330 nem a redução da maioridade. A Câmara até aprovou mas diante da reação popular o Senado simplesmente não topou levar adiante. E no segundo semestre então nem se fala, além da malfadada ameaça permanente de impeachment que deixaria a vida dos trabalhadores ainda pior mas que não conseguiu se efetivar, Cunha colocou em discussão o PL 5069 que levou às ruas milhares de mulheres no país e pôs em pauta o movimento feminista como há muito não vimos.

E pra deixar o peito cheio de orgulho, 2015 nos presenteou com um movimento em defesa da escola pública na capital paulista de encher os olhos e o coração. Mais de duzentas escolas ocupadas por uma nova geração de lutadores que impôs brilhantemente a derrota do governo tucano. Se fizermos contas superficiais em termos quantitativos, duzentas escolas vezes uma média de cinquenta ocupantes, chegamos a um número de 10.000 novos ativistas só em São Paulo que experimentaram a necessidade de auto-organização e resistência, enfrentando-se com uma das PMs mais truculentas do país e ainda por cima, não se deixando arrastar pelos aparatos derrotistas que se tornaram as entidades estudantis como UNE, UBES e companhia.

Aos que lutam e resistem, o anos de 2015, por mais que tenha sido sofrido, honestamente até que terminou com um gostinho de quero mais. Em especial as primaveras feminista e secundarista do ano que chegou ao fim nos deixaram sementes de esperança para o ano que começa. Que aliás será de luta pois o governo já anunciou que quer reforma da previdência e ajuste (leia-se cortes e arrocho). E se depender do que aprendemos nos enfrentamentos do ano que se foi, 2016 tem tudo pra ser de grandes vitórias.

Então... apesar de tudo, obrigado 2015. Dois mil e dezesseis, vamos à luta!