segunda-feira, 7 de maio de 2018

A peleja de memes entre “antirracistas” e “marxistas” na terra do golpe (*)


Quando escrevo estas linhas estamos às vésperas da votação no Senado Federal da contrarreforma trabalhista e curiosamente minha timeline não está abarrotada de denúncias sistemáticas de cada uma das medidas antipovo trabalhador e nem muito menos de cada um dos senadores e senadoras que estão a um voto de destruir um século de proteção social do povo brasileiro. Por outro lado, pululam memes supostamente antirracistas que insistem em afirmar que o marxismo de nada serve ao povo preto brasileiro, enquanto marxistas, pretos ou não, esforçam-se para resgatar figuras e personalidades negras que reivindicaram ou reivindicam o legado de Marx.
De lá pra cá e de cá pra lá, reproduzem-se “tretas” e “vrás”, enquanto os senhores do poder avançam sobre a ponte que legaliza o trabalho análogo ao escravo no Brasil. Eles, os novos donos da Casa Grande, megaempresários via de regra homens, brancos e podres de rico, seguem a festejar o novo cardápio de superexploração e opressão prestes a ser aprovado enquanto estudantes e trabalhadores pretos ou “quase pretos de tão pobres” fazem guerra de memes acerca do marxismo num imenso desperdício de força e energia.
É claro que é absurdo o argumento de que os pretos nada tem a aprender com o alemão Karl Marx. É como dizer a negras e negros que chegando à universidade não estudem Einstein pois ele é um europeu branco e a teoria da relatividade em nada serve aos que temos raízes africanas. Da mesma forma, Galileu Galilei e a lei da gravidade não devem ser estudados, nem muito menos o esnobe inglês Isaac Newton e que por sua vez as leis da física moderna são entulhos eurocentristas. Ninguém, com uma gota de sensatez na mente que seja, pensa em falar nisso nem no campo da Física, nem de nenhum outro tema em nenhum outro ramo de conhecimento. Todavia, no campo da teoria revolucionária, Marx e todos os que reivindicam seu legado, devem ser tratados como malditos, não pelos brancos e ricos, mas pelos pobres e pretos.
Não poderíamos discordar mais dessa atitude do que já discordamos e poderíamos passar horas falando sobre isso, mas vale dizer que sequer tais argumentos antimarxistas tem quaisquer coisas de novidade. No livro “We want freedom”, publicado desde a cadeia estadunidense por Mumia Abul Jamal, um dos poucos sobreviventes do Partido dos Panteras Negras, é possível encontrar um diálogo entre um jovem pantera e um militante islâmico negro que ao venderem seus jornais no Bronx, trocam ideias. Em determinado momento o pantera ouve de seu concorrente a seguinte provocação “Vocês deveriam seguir um homem negro, e não judeus como Marx e Lênin!” [1], ao que prontamente responde “Somos revolucionários, irmão, e nós estudamos sobre revolucionários em todo o mundo. Não estamos preocupados com a raça deles”. E isso foi durante a campanha pela libertação de Huey P. Newton no final dos anos 1960, há quase meio século atrás.
Os Panteras sabiam que o marxismo e o leninismo eram ferramentas poderosas demais para não serem utilizadas pelo povo pobre negro estadunidense. Assim como empunharam armas nas ruas do gueto, independente da pólvora ter sido inventada por chineses e a indústria bélica ser desde sempre branca, não abdicaram de estudar e conhecer o marxismo, o leninismo e tantas outras correntes e ideias revolucionárias. Dizer a um pantera, ainda que jovem, para ignorar Marx e Lênin era o mesmo que dizer não se organize, não ande armado, não pratique sua autodefesa. E toda vez que alguém diz isso a um jovem negro brasileiro, a única coisa que me vem a cabeça é “a quem interessa que os pretos e pretas não estejam organizados contra a burguesia brasileira?”.
Por outro lado, de pouco adianta aos verdadeiros marxistas falar dos benefícios ou contraindicações de Marx, o quanto o velho barbudo foi feroz inimigo dos escravocratas estadunidenses do século XIX ou sobre os mais variados episódios isolados em que fez ou deixou de fazer isso ou aquilo. Muito menos parece sensato, entrar na guerra de memes para defender o “sacrossanto” nome de Marx, ao ponto de se criar até página no Facebook para zoar de quem está em uma cruzada contra os “brancos marxistas europeus”. É um deixar se arrastar pela provocação mais minúscula que deixaria o velho mouro, pra dizer o mínimo, envergonhado. E isso, repito, às vésperas da aprovação da contrarreforma trabalhista.
Bem, não é disso que o marxismo trata. O melhor que fazem os que revindicam o legado de Lênin e Marx no Brasil é usar das teorias e instrumentos para organizar o povo pobre e trabalhador brasileiro na luta para derrotar os donos do poder e suas contrarreformas. Organizar nas favelas, ruas, campos e construções, o imenso mar de trabalhadores, em sua imensa maioria negra, para seguir exigindo a queda de Temer e caindo este, que se exija também a queda de Maia, de Eunício e de quem quer que ouse avançar sobre os parcos direitos e benefícios sociais de nosso povo.
[1] Página 112.
(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 10/07/2017
 
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/07/10/peleja-de-memes-entre-antirracistas-e-marxistas-na-terra-do-golpe/

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