sábado, 5 de maio de 2018

Trabalhar até morrer. Morrer de tanto trabalhar (*)


O ano de 2016 encerrou-se com a aprovação da EC 95 (PEC 55) no Senado Federal impondo que pelas próximas duas décadas a imensa maioria do povo brasileiro encaixe suas vidas ao IPCA (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo). Na prática o que diz o governo Temer é que daqui pra frente não devem nascer, crescer, adoecer, aposentar-se ou até mesmo morrer nada mais do que a inflação permita. Se fizerem, que o façam por sua conta e risco. Está constitucionalmente proibido prestar-lhes assistência. 
Suponhamos “hipoteticamente” que estoure uma crise no sistema prisional, que estados do Nordeste enfrentem crises hídricas, que surtos de febre amarela tomem conta de áreas do país, que uma crise econômica derreta o PIB nacional ou que o desemprego atinja níveis alarmantes de mais de 20%. É verdade que é difícil para nós, brasileiros, imaginar um cenário tão catastrófico mas façamos o esforço ainda que com mero propósito didático. Pois bem, um governo supostamente “normal” em qualquer canto do mundo investiria dinheiro público muito além do que vinha investindo até então para tentar superar o momento de dificuldade. Mas o que fará nosso Brasil temerário e temeroso? Olhará para a inflação e dirá: “veja bem, o IPCA de 2016 foi de 6,29%, então eu até entendo que epidemias, secas e crises não consideram a inflação, até deveriam, mas não consideram. Então, infelizmente, eu sinto muito mas só poderemos atender a quem atendemos no ano passado mais 6,29% de forma a não ferir nossa amada Constituição Federal”. Que beleza não é mesmo? No final das contas é mais ou menos assim, mas para ser correto me permitam uma correção: pode-se até investir um pouco mais ali ou acolá acima da inflação mas com aquela conhecida lógica de cobertor curto, cobrindo a cabeça e descobrindo os pés, em uma verdadeira irresponsabilidade política e social.
Mas nem tudo está perdido, dizem alguns. Afinal Lula está com 30% das intenções de voto para 2018 e… Espera! Como assim 2018? Esse povo não entendeu o que é a EC 95? Sério? Me permitam explicar. Ela é o que podemos chamar de a “maldição do vice decorativo”. Foi em 07 de dezembro de 2015, com direito a citação em latim, que o até então senhor de todas as mesóclises veio a público em “carta pessoal vazada” desabafar sobre seu papel de “vice decorativo”. O tom da carta deixava clara às mágoas profundas de ter seu amigo Moreira Franco (agora ministro de Temer) fora do governo, de não ter sido convidado para conversar com o vice estadunidense quando este por aqui esteve, de não ter sido elogiado pelo infame “Uma ponte para o futuro” e outras xurumelas. Aquilo ficou tão doído que o ainda vice deve ter pensado: “Ah, mas eles vão ver. Minha vingança será maligna. Não só dá-lo-emos o golpe, como pedi-lo-ei ao Meirelles que prepare uma PEC que faça com que daqui pra frente os próximos 5 presidentes sejam meramente decorativos. Podem até se eleger com voto popular mas não poderão fazer mais nada, quem vai mandar no país é a PEC do Temer.” Pois é. Agora é constitucional. São vinte anos de presidentes decorativos. E pra deixar de ser assim, pelo menos pelas regras do jogo, só mudando a constituição, com votação em dois turnos de 3/5 dos deputados e senadores. Pode-se até mandar novo projeto pro Congresso mas vai ter que “convencer” 308 de 513 deputados e 49 de 81 senadores.
No fim, o golpe já está pago e muito bem pago. Mas como maldade pouca é bobagem, Temer e sua gangue, como que num verdadeiro show de ofertas a la canais de televendas, oferecem mais e mais aos senhores do poder, bem naquele estilo “e não é só isso” pra vender facas Ginsu e meias Vivarina. O que Temer por sua vez vende é sua continuidade no palácio do planalto apesar das inúmeras irregularidades e do incomparável índice de rejeição nas alturas. Para fazer engolir mercadoria de tão asquerosa qualidade, além de arrebentar com a educação pública via medida provisória, de preparar a entrega de terras brasileiras a estrangeiros, de querer restringir o direito de greve dos servidores (em especial os da saúde, segurança e educação) a superoferta da vez serão as contrarreformas da previdência e trabalhista. Em menos de um ano de desgoverno, Temer pretende deixar para trás qualquer alcunha de peça de decoração destruindo a seguridade social, uma das principais conquistas da Constituição de 1988, e a própria Consolidação das Leis Trabalhistas com o advento do “negociado sobre o legislado”. Idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mínimo de 25 anos de contribuição, 49 anos de contribuição para aposentadoria integral entre outras maldades da PEC 287 são o que se pode chamar de “Trabalhar até morrer”. Jornada mensal de 220 horas com até 12 horas diárias, intervalo de 30 minutos, percurso para o trabalho sem contar como hora trabalhada, remuneração por produtividade, por sua vez, são algumas das “modernidades” do PL 6787 que abrirá as portas para que se possa “Morrer de tanto trabalhar”.
A contrarreforma da previdência se aprovada torna-se Emenda Constitucional e não tem salvador da pátria que resolva pelas regras do jogo. Já a “modernização” da CLT que levará as relações de trabalho de volta aos séculos XIX ou mesmo XVIII só deixará de valer passando por cima dos setores empresariais do país. Não haverá “Feliz 2018” que dê jeito. As batalhas que as trabalhadoras e trabalhadores precisarão travar para não ter que passar pelo inferno de “trabalhar até morrer e morrer de tanto trabalhar” precisarão ser assumidas para agora, para já. Não temos tempo a perder nem pelo que esperar. O 08 e o 15 de março precisam ser transformados em um grande movimento de unidade na luta que entre abril a dentro e possa assim, quem sabe, fazer desmoronar o desgoverno Temer. Mãos a obra e vamos à luta.

(*) Texto originalmente publicado no site da Nova Organização Socialista em 02/03/2017
http://novaorganizacaosocialista.com/2017/03/02/trabalhar-ate-morrer-morrer-de-tanto-trabalhar/

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