segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Quem disse que defesa do concurso público é uma bandeira de esquerda?


Quem foi que disse que a defesa de concurso público é uma bandeira de esquerda? Pois se disse, disse errado. Pelo menos no tempo do verbo. O mais coerente seria que ela "foi" e não que ela "é". Isso mesmo. "Foi" do verbo "Já não é mais". Permita-me explicar: uma coisa é defender o concurso público em um estado em que servidores públicos são indicados diretamente pelos governantes como era regra durante o governo militar brasileiro, outra coisa é seguir fazendo agora. Concurso público naquele momento cumpria um papel progressista na medida em que enfrentava o modo de funcionamento dos governos que construíam suas máquinas burocráticas de apoio na base da indicação. Para os governos militares e seus aliados era fundamental, por exemplo, expulsar professores das universidades e colocar em seus lugares gente de confiança. Ora, se até nos sindicatos os generais precisavam de gente de confiança quanto mais no serviço público de uma forma geral.

Mas, é bom lembrar, que já se vão quase 30 anos do último governo militar no país. Vinte e cinco anos já se passaram desde a promulgação da "Constituição Cidadã" que através de seus dispositivos ao menos tentou varrer o apadrinhamento como prática de obtenção de um emprego público. Apesar da tentativa, ainda existe sim muito apadrinhamento e favorecimento. Mas a questão é o quanto esse "muito" deixa de ser de fato qualitativamente importante. O Brasil mudou e segue mudando. E quando falo em mudanças pouco me chama atenção a mudança do regime militar para o regime democrático e muito mais me interessam as mudanças do mundo do trabalho. 

Chego a acreditar que o expediente do concurso público em um Brasil pós-neoliberal e em tempos de super-precarização assume via de regra um papel conservador, de manutenção das coisas como estão e em algumas vezes até mesmo o status de reacionário. E pode isso? Pode sim! No fim das contas não existe bandeira que seja por si só revolucionária. Pois é, quem diria hein?

Frequentar uma repartição pública hoje e não dar de cara com trabalhadores terceirizados é praticamente impossível. Hospitais, escolas, bancos, departamentos... em todos esses lugares, existem trabalhadores contratados para as mais diversas funções na forma de prestação de serviços. Mas mesmo que você não perceba, eles estão lá: Professores, enfermeiros, engenheiros, técnicos os mais diversos, petroleiros, programadores de computador, mecânicos, motoristas, seguranças, faxineiros, etc, etc, etc. Trabalhadores que muitas vezes trabalham mais até que seus colegas concursados, tendem a não faltar, a não se atrasar, a não dar aquela fugidinha no meio do expediente, a não esticar um pouquinho mais que seja durante uma ou outra pausa... isso porque estão sobre eterna vigilância, muita vezes cumprem metas de produtividade e é claro, não possuem o direito à estabilidade. Precisam constantemente provar que são capazes de estar onde estão. Coisa que via de regra nenhum concurso é capaz de medir.

Em alguns estados do país, alguns destes trabalhadores chegam a fazer concurso para conseguir uma vaga de temporário com as mesmas obrigações dos chamados "efetivos" mas com praticamente nenhum direito, às vezes inclusive, sem sequer a limitadíssima cobertura da Consolidação das Leis Trabalhistas. 

É fundamental que se perceba que se eles estão lá é porque primeiro, a necessidade existe para tanto e segundo, eles sabem fazer o que estão fazendo. Há necessidade mas nunca há vagas. E quando há vagas a ser preenchidas na forma de concursos elas nunca são suficientes. E assim, lá vem os defensores do concurso como método definidor do "mérito" para ocupar um emprego público indicar a todos os trabalhadores o único caminho possível para fugir da precarização: "Estudem!".

Mas como assim, "estudem"? Se as vagas são poucas a precarização seguirá. Indicar o caminho do tal "Estudem" é praticamente um fechar de olhos para a armadilha do estado que divide os trabalhadores no serviço público. Defender os tais "concursos" desta forma cumpre sim, um papel de manutenção das coisas como estão. E mais, suponhamos que fossem abertos concursos para cobrir todas as vagas dos trabalhadores "não efetivos": como que esses homens e mulheres via de regra sem condições de abandonar seus postos de trabalho, afinal eles precisam pagar suas contas, poderiam de fato se preparar para as tais provas? Na medida em que a terceirização é uma realidade, defender o concurso público como forma de redenção é como defender uma lei nos moldes daquela chamada de "áurea" que ao mesmo tempo que jogou grilhões no lixo da história também jogou ex-escravos na miséria absoluta.

É preciso trabalho digno para todos. Essa deveria ser uma obrigação do estado. Se há trabalho digno para todos até mesmo a necessidade de concursos se perde. Mas enquanto não se alcança o direito pleno ao trabalho que aqueles que trabalham sejam devidamente reconhecidos. Se é justo que os servidores públicos possuam o direito a estabilidade, da mesma forma também é justo que todos aqueles que já trabalham no serviço público também o tenham. A bandeira de esquerda da atualidade que une trabalhadores e que garante direitos é a que combate a praga da terceirização e defende a efetivação de temporários e terceirizados. Trabalho igual, direito igual. Nada menos que isso. 

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