domingo, 26 de julho de 2015

Parece mentira: Globo e Zorra ridicularizam coxinhas e amantes da ditadura.


A Rede Globo de Televisão é um dos maiores instrumentos de alienação e propagação de ideais reacionários do país tendo nascido e ganhado poder durante os governos militares. Sua programação ao longo dos anos, com raros destaques, irradia ódio e preconceito em especial em seus programas humorísticos. Entre esses programas, um ganhou destaque nos últimos anos, por ser a fina flor do há de mais degradante: o Zorra Total.

Talvez pra se descolar um pouco da imagem de apoiadores da ditadura e de golpistas que bem ou mal acaba afetando o apelo comercial de seus produtos, a Globo e o Zorra levaram ao ar um inusitado quadro que relembra os festivais da canção ridicularizando o sentimento coxinha de amor à ditadura militar: o FICO (Festival Internacional do Coxinha).

Nele a "Jovem Guarda" e "Pare o Casamento" viram "as Jovens Guardas" e "Volte Agora" onde se pede a volta dos milicos, afinal os rolezinhos não deixam ninguém ir ao Shopping; "Jair Rodrigues" e "Disparada" viram "Capitão Rodrigues" e "Disparate" cantando que "não mais vai ter eleição, ninguém mais pode voltar, eu venho lá do quartel, já falei com o coronel para o Congresso fechar" e por aí vai.

O quadro termina de forma triunfal com a banda "Paramilitares do Retrocesso" baixando porrada na plateia logo após terem cantado "Para não dizer que não pisei em flores".

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Nem golpe, nem greve geral no horizonte. Sigamos em frente.


Passados 130 dias (mais de 4 meses) do primeiro grande ato de rua pró-impeachment de Dilma Roussef, o governo petista segue seu rumo ainda que aos trancos e barrancos. Impressiona sim, o modo como a presidenta foi capaz de queimar tão ferozmente seu capital político conquistado com grande dificuldades nas últimas eleições presidenciais, ao ponto de ter sua popularidade jogada ao "volume morto".

Apesar disso, enganam-se aqueles que pensam que o governo acabou, está paralisado ou mesmo prestes a cair. Isso não é verdade. Existe uma crise política, é inegável. O modo petista de governar baseado na eterna e inquestionável coalizão de classes, vaza por todos os lados. Isso sim, é verdade. Não é a toa que sua autoridade foi repetidamente colocada no canto da parede pelo até agora presidente da Câmara dos Deputados, o medonho senhor Eduardo Cunha. Mas não é verdade que o governo esteja semi-morto.

O que tem sido, afinal de contas, o maldito ajuste fiscal levado adiante por Joaquim Levy com as bençãos de Dilma? E para coroar, o que é o PPE, o Programa de Proteção às Empresas, digo, ao Emprego? Quer algo melhor que isso? A crise econômica impõe sua agenda e o governo ao invés de tomar medidas para diminuir os lucros dos grandes bancos, latifúndios e empresas coibindo quaisquer demissões seja impondo multas, fim de benefícios e até mesmo estatizando, oferece como saída a redução da folha de pagamento dos trabalhadores. Absurdo dos absurdos.

Mas o que impressiona não é que o governo faça isso. Sequer impressiona que as centrais sindicais governistas e pelegas sejam as grandes defensoras do tal programa. O que impressiona é a passividade e a paciência da imensa maioria da classe. Os famigerados doze anos de governo de Frente Popular impregnaram com muita força a desmobilização, a desmoralização e a confusão no seio dos trabalhadores. Isso não pode, em hipótese alguma, ser menosprezado.

A burguesia sabe que não pode abrir mão da dedicação do lulo-petismo em manter a paz social. Ela não pode abrir mão de Dilma. Ao menos agora não. Não é a toa que em plena crise econômica com o mercado demitindo como há muito não demitia, com a previsão do crescimento do PIB encolhendo, e com seus sucessivos recordes de lucros ameaçados, não temos o presidente da FIESP elevando o tom contra o governo. Não é a toa que ruralistas não declararam guerra contra o governo que segue permitindo que siga matando impunemente lideranças camponesas, populares e indígenas. Os grandes bancos então? Esses seguem sorridentes anunciando seus novos recordes de lucratividade. E o imperialismo? É preciso falar algo a mais depois de Obama dar um grande cala-boca na repórter da Globo News ao sair em defesa de Dilma e do papel de "Global Player" do Brasil na economia mundial?

Então, acalmem-se todos. Não existe nenhum golpe a vista no horizonte. Sendo assim não está colocada como tarefa construir marchas, comitês anti-golpe ou qualquer coisa do tipo. Fazer isso é meramente sair na defesa do governo impulsionando a desmoralização e a desmobilização.

Ainda que os pró-impeachment vociferem e que as organizações Globo dêem amplitude aos seus gritos de ódio e horror, a queda de Dilma pelas mãos da direita organizada está mais para conto da carochinha do qualquer outra coisa.

Por outro lado, é preciso também dizer seriamente que não está colocada a possibilidade de uma greve geral no país para um curto ou médio prazo com os elementos que estão colocadas na realidade. E quanto mais a oposição de esquerda gritar "Greve Geral" mais ela, a greve, se distanciará de nós. Assim como gritar "Olha o golpe" quando não há risco de golpe desmoraliza e desmobiliza, também é um imenso desserviço à classe trabalhadora gritar "Vamos juntos construir a greve geral" quando não há condições objetivas muito menos subjetivas para tanto, Se é que não é ainda pior.

A palavra de ordem "Greve Geral" não é para simples propaganda. Ela traz em si o sentido de ação. Agitá-la tem o sentido de colocar em marcha sua construção. E não se faz isso quando não é possível de fato construí-la. Usá-la sem uma base na realidade é simplesmente banalizá-la. Não se faz isso sem graves consequências. É como a fábula de Esopo do pastorzinho que cansado de cuidar das ovelhas saía gritando "Lobo! Lobo!" para se divertir fazendo com que aldeões saiam em sua defesa sem encontrar lobo algum. Até que um belo dia quando o lobo realmente apareceu e o menino gritou, "Lobo! Lobo!", ninguém o atendeu, pois de tão banalizado o grito ninguém conseguiu acreditar que fosse verdade.

Então, em especial aos ativistas que levantam neste momento a tarefa da greve geral fica o chamado a não desperdiçar munição a toa. Não temos balas para ficar atirando para cima. Não temos direito a isso. Deixem disso e passemos de fato a enfrentar o governo e suas medidas, luta após luta, greve após greve, reconquistando a confiança da classe em suas próprias forças, até que de fato a Greve Geral se torne simplesmente inevitável.

domingo, 5 de julho de 2015

Pagu: poetisa, escritora e militante trotskista

O movimento de massas brasileiro já deu luz à milhares de homens e mulheres fantásticos que se levantaram contra a exploração e a opressão de seu tempo. Poucos são aqueles cujo brilho e força foram capazes de atropelar a máquina estatal que a todo custo os tenta apagá-los da história ou minimizá-los, esvaziá-los de todo conteúdo revolucionário ou mesmo direcionar tal conteúdo para uma ou outra esfera do comportamento humano. Que sejam esquecidos, e se não for possível esquecê-los que as lembranças sejam turvas e nunca completas.

Uma dessas figuras foi a militante revolucionária Patricia Galvão (1910-1962), imortalizada como Pagu. Com 15 anos começou sua carreira de jornalista e aos 18 passou a participar do movimento antropofágico. Em 1930, ingressou no Partido Comunista Brasileiro, com seu então companheiro Oswald de Andrade, e em 1931, aos 21 anos, tornou-se a primeira mulher a ser presa no governo Vargas por questões abertamente políticas ao participar ativamente da greve dos estivadores de Santos sendo uma das principais oradoras do movimento paredista. Foi a primeira das 23 prisões que colecionaria em sua vida.

Entre 1933 e 1935 viajou pela Europa e enviou artigos a jornais brasileiros. Sua viagem ao exterior e em especial à própria URSS foi fundamental para sua adesão à luta anti-stalinista. Voltando ao Brasil em 1937 aderiu ao grupo dissidente do PCB, dirigido por Herminio Sacchetta e Heitor Ferreira Lima. Em 1939, presa mais uma vez, publicou uma carta que tornou público seu rompimento com o stalinismo. E em agosto do mesmo ano integrou a presidência de honra do congresso do Partido Socialista Revolucionário, seção brasileira da IV Internacional

A seguir reproduzimos sua a carta de 1939 que merece ser lida, conhecida e divulgada para que Pagu possa ser conhecida muito mais do que como um nome de música.

Companheiros!

Este documento vai com o meu apoio absoluto aos camaradas revolucionários pela posição que tomaram frente à burocracia internacional que tem travado a marcha do movimento revolucionário e traído o proletariado da URSS e as conquistas da Revolução soviética. A minha posição foi tomada depois de uma análise meticulosa, longa e objetiva, que se iniciou com a primeira dúvida produzida na minha passagem pela URSS. É a minha convicção revolucionária que me coloca ao lado dos companheiros na luta contra a burocracia, por um partido verdadeiramente revolucionário, pela Revolução Proletária Internacional. Autorizo a publicação mesmo com meu nome legal, total ou em parte.

A burocracia soviética na URSS

Os sintomas da formação de uma burocracia soviética, depois da tomada do poder por Hitler, só se tem agravado, e hoje não é mais possível ignorar-se ou ficar-se indiferente ante os crimes e, o que é pior, os erros da casta governamental soviética. A sua existência pode ser constatada não só praticamente mas também teoricamente, procurando-se as causas das sucessivas derrotas que tem sofrido o proletariado nestes últimos 10 anos em que as crises do capitalismo têm se mostrado mais graves. Só esse fenômeno faz pensar que simultaneamente entrou em crise a direção do proletariado. Um rápido exame da política seguida pelas organizações operárias evidencia o caráter oportunista e capitalista desta política. A que se deve isto? A erros teóricos e práticos a que está sujeita qualquer organização revolucionária? Evidentemente não. Os erros dos partidos revolucionários são eminentemente descontínuos. As verdadeiras causas primeiras dessa política, hoje internacional, devem ser buscadas na necessidade sentida pela burocracia soviética de manter-se no usufruto das conquistas da Revolução, na impossibilidade de conciliar os interesses do proletariado internacional com os daqueles que se proclamam seus chefes.

A burocracia soviética saiu do Partido Comunista Russo, isto porque na fase imediatamente pós-revolucionária todo o poder político e administrativo encontra-se nas mãos do Partido. Nesta fase, toda obra revolucionária é criar condições para a descentralização cada vez maior. É enfim cumprir a palavra de Lenin: “Tornar o governo desnecessário é a maior tarefa deste governo”. Na Rússia, contudo, essa tarefa teve que ser relegada a um segundo plano. Isto porque circunstâncias diversas, tais como a existência de estados burgueses nas suas fronteiras, a situação pré-revolucionária em grande número de países da Europa, fizeram com que o Partido não pudesse considerar a revolução de Outubro como uma vitória definitiva, mas apenas como uma etapa vitoriosa na luta revolucionária do proletariado. O partido viu, e viu justo, que as conquistas da revolução só poderiam ser mantidas com o desenvolvimento da revolução internacional. Esta a primeira verdade necessária para a compreensão da gênese da burocracia termidoriana. A revolução russa não podia ser tida como um fim. E não o foi de fato. O seu desenvolvimento natural e dialético seria o prosseguimento da revolução proletária no campo internacional. Em vez disso, sacrificou-se a revolução internacional – como sacrifica-se ainda hoje. Conseqüentemente sacrifica-se a revolução russa. E como esta ação fosse contrária a tudo que é marxismo, só podia gerar o absolutismo burocrático, os privilégios excessivos dos dirigentes, o conservantismo nacional. Como se pode comportar esta casta, constituída na sua quase totalidade de arrivées, diante das conquistas da Revolução proletária? A revolução foi feita tendo por fim o estabelecimento de uma sociedade sem classes, sem privilegiados, portanto sem deserdados. Uma sociedade concebida nestes moldes não teria necessidade de uma burocracia profissional para exercer uma coerção estatal, por isso mesmo que as funções seriam exercidas pelos próprios cidadãos. As condições a que aludimos fizeram com que a estrutura atual do Estado soviético seja o oposto desse ideal. Ora, nós sabemos que não há governo que possa se exercer sem uma ideologia real ou fictícia. E a burocracia viu-se obrigada a apoiar-se, pelo menos ficticiamente, na ideologia comunista revolucionária. Conseguiu isto, mascarando e dissimulando seus privilégios com a mentira, justificando com fórmulas comunistas relações e fatos que nada têm realmente com o comunismo.

O abismo entre a palavra e a realidade é cada vez mais profundo, daí ser necessário rever cada ano não apenas as fórmulas mais sagradas, mas até os próprios princípios. Deste modo, a burocracia bonapartista não só apossa-se das conquistas da revolução mas falseia-a, despindo-a dos seus caracteres mais essenciais sob a alegação de que constituem “erros de esquerda”. À maior dissonância ela revela o seu caráter policial, perseguindo, “depurando” sob o rótulo de trotskismo. Do estado soviético, do estado operário, fez um estado totalitário. A própria efervescência das idéias e das relações sociais, que são o fenômeno natural que segue qualquer grande transformação social, tornou-se-lhe perigosa. Ela teme a discussão porque teme a crítica, e teme a crítica porque teme a massa. O seu verdadeiro medo é ver perdidos os seus privilégios, daí o não permitir nenhuma discussão, daí as prisões, daí as deportações, os fuzilamentos. Teme a crítica e por este temor mesmo ela só pode perceber os fenômenos através dos bureaux e não através das discussões, que são o único índice preciso. Os bureaux são um aparelho de coerção, não um aparelho de ação. A burocracia pode produzir burocratas e lacaios servis, nunca revolucionários. Ela terá que ser necessariamente vacilante e pouco segura na sua ação. Ao primeiro embate histórico toda sua inconsistência interior manifestar-se-á .

A burocracia no exterior

A IC sofreu, como não podia deixar de sofrer, grandes modificações, quer na sua ação política, quer na sua organização, desde que a Revolução foi vitoriosa em um país. Esta ação que naturalmente devia tornar-se mais decisiva e mais eficaz, dada a existência de um ponto de apoio material – um Estado operário – tornou-se negativa, senão criminosa. A origem deste fato está na própria burocracia soviética. A Internacional tornou-se, de organização revolucionária do proletariado, um apêndice da burocracia termidoriana, um órgão para manter-lhe os privilégios. Os métodos da Internacional são um esboço grotesco dos métodos da burocracia bonapartista, as suas organizações, instrumentos servis, a sua imprensa, o eco da imprensa soviética. Se a história tivesse permitido que a revolução russa seguisse o seu desenvolvimento natural, a IC seria o instrumento da extroversão da Revolução de Outubro, seria o meio de dragar para o proletariado internacional as energias obtidas com a tomada do poder. Em vez disso a União Soviética toma a posição de introversão, procura captar todas as forças do proletariado para “a defesa da URSS” (isto é, defesa da burocracia), relegando para um plano inferior a revolução internacional. Realmente a burocracia stalinista age no sentido de que a União Soviética tome, juridicamente, no quadro das relações internacionais, todas as características de um estado burguês. Acordos econômicos e militares com países capitalistas fizeram com que a URSS perdesse definitivamente a sua liberdade de ação no exterior. Que foi a IC em tudo isto? Ela foi o instrumento junto às massas trabalhadoras da política de “escoras internacionais” empreendida pela estupidez burocrática, na ânsia de garantir-se. Ela serviu para fabricar, nos países de maior influência da URSS, a atmosfera de calma interior, necessária à preparação bélica, desenvolvendo em escala internacional a política de frentes populares com a burguesia. Castrou as massas operárias, impregnando o ar de um espírito reformista e anti-revolucionário, confundindo capciosamente defesa da casta governamental com a defesa da União Soviética. A URSS só seria realmente defendida por uma ação efetivamente revolucionária do proletariado internacional; mas a burocracia dirigente só pode se defender à custa de conchavos e de alianças internacionais. Mais. A burocracia é naturalmente oportunista, daí os ziguezagues que caracterizaram a sua política externa e portanto aquela da IC. Nesses ziguezagues, em que tudo o que era bolchevismo foi perdido, a IC freou o proletariado, traiu-o, até amarrá-lo ao imperialismo, lançando-lhe a esperança numa messiânica guerra futura. Como pode, porém, a IC chegar a tal ponto de degenerescência, sem possuir um aparelho estatal para reprimir as divergências, revolucionárias naturalmente, que haveriam de surgir no seu seio? É claro que a IC não conseguiria chegar à decrepitude atual senão fugindo lentamente daquilo que, de Lenin para cá, denominou-se bolchevismo.

Bolchevismo é o método marxista de ação revolucionária. A IC nega-o objetivamente quando se lança nos braços dos países democráticos, em vez de explorar tecnicamente os recursos de que pode dispor o proletariado na sua luta, recursos que, pela profundeza dos fenômenos históricos de que emanam, excluem naturalmente a política de recuos sistemáticos, de conchavos ou de uniões. Toda ação objetiva da IC hoje visa atenuar os antagonismos de classe e colocar o proletariado, pelo menos teoricamente, como o aproveitador fugaz dos choques interburgueses. Daí ligá-lo a determinados grupos da burguesia, tirar-lhe a independência política e até orgânica. Que tem isto de comum com o marxismo-leninismo, que faz toda sua ação objetiva se basear na oposição de classe a classe, forçando ao mesmo tempo teoricamente os meios do proletariado atingir o poder e praticamente o modo de exercê-lo? Para que esta ação se faça de modo conciso e justo é necessário que o Partido viva subjetivamente apoiado em dois princípios: unidade de ação e democracia mais ampla. E compreende-se: as organizações revolucionárias são do proletariado. A linha política será tanto mais justa quanto maior for a consciência que estas organizações tenham das suas próprias forças, e quanto maior for o conhecimento que tenham da realidade. E a realidade, a situação objetiva, não pode ser sentida por bureaux; ela só é percebida pela própria massa. Daí ser imprescindível para que uma organização revolucionária continue como tal que as sua iniciativas políticas partam da base, ao menos no seu esboço. Daí remonta aos quadros dirigentes, onde terá uma forma mais precisa, voltando então à massa, que adota as realizações práticas. Mas não é formal este processo de mecânica organizatória bolchevique. Aí está a história do partido russo até a revolução. Essa democracia interna permite que a massa só aja com uma certa consciência da ação, daí a firmeza, a unidade. A IC viu-se diante de um dilema: ou burocratizar- se ou agir contra os interesses da casta governamental soviética. E assim empreendeu e realizou a obra completa da burocratização de suas seções. Paulatinamente foi-se centralizando o poder político, os dirigentes habituando-se a ver a massa de longe, através de hipóteses; as discussões foram tomando um caráter cada vez mais secundário diante das ordens cada vez mais ditatoriais da direção. Hoje a obra está terminada. Ela pode ser contemplada em toda a sua extensão: o servilismo ou o meio dos militantes de base, as dissonância cada vez mais raras e cada vez mais violentamente abafadas, a imenso importância dos bureaux em relação à base, a putrefação ideológica. Hoje a burocracia da Internacional impera absoluta, mas a própria organização burocrática fará com que ao primeiro grande embate histórico as sua seções se desagreguem, apareçam cisões nos seus seios.

Seria errôneo e artificial julgar que tais cisões sejam apenas fenômenos de desagregação. Elas são também, e em grande parte, função das traições de classe, da própria composição dos partidos. E não nos esqueçamos que “se as diferenças de pontos de vista no seio do partido coincidir com diferenças de classe nenhuma força nos afastará da cisão” (Lenin – Testamento). À medida que nos aproximamos do epílogo das crises mais ou menos continuadas do capitalismo, vamos sentindo a necessidade de abandonar aqueles que traíram o proletariado na China, na França, na Alemanha, na Espanha, sob pena de sermos cúmplices de uma catástrofe histórica. A burocracia perdendo terreno, acuada pela massa operária, será cada vez mais violenta na sua ação compressora. Isto é um caráter que lhe é específico. Não esqueçamos as palavras de Stalin, palavras típicas de um golpe bonapartista: “Estes quadros só serão destituídos pela guerra civil” (Pleno do CC de agosto de 27).

Os elementos conscientes e capazes saberão o caminho a seguir. Saberão encarar a burocracia como um acidente funesto, mas incapaz de deter a marcha da história.

Saudações revolucionárias!

PAGU

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Auto-defesa é isso aí... #GreekRevolution


Aconteceu em Atenas. Durante manifestação popular uma bomba explodiu entre manifestantes e rapidamente a comissão de segurança da Frente da Esquerda Anticapitalista Grega (ANTARSYA) perfilou-se em frente ao batalhão de choque da polícia de forma a assegurar que a manifestação pudesse transcorrer tranquilamente. Auto-defesa é isso aí...

terça-feira, 2 de junho de 2015

Formação política e teórica, aspecto fundamental do militante revolucionário. (texto de Bruno Rodrigues)

O texto a seguir é uma elaboração do meu camarada Bruno Rodrigues, militante revolucionário cearense, sobre a necessidade indispensável de formação política para todo ativista que não pretenda se tornar um "militonto" tal como resgata a citação de Plínio de Arruda Sampaio destacada no texto.

Bruno faz o favor de colocar os pingos nos "i"s em relação ao tema da formação, que é tremendamente negligenciada pela imensa maioria das correntes da esquerda revolucionária, reduzida à publicação de livros por uns, à repetição de "chavões" quase que como mantras sagrados por outros e por aí vai.

Uma contribuição valiosa e importante.

Boa leitura!

Formação política e teórica, aspecto fundamental do militante revolucionário.



“(...) Os oprimidos têm que juntar força, pensamento e 
esperteza para vencer a dominação.
Para que o ativismo não faça do militante um "militonto", ele deve ser capaz de "desmontar' o sistema capitalista e
apresentar saídas que apontem para a solução de seus problemas.
É fácil derrotar quem não estuda quem não para pra pensar.
É triste saber que muitos "estudados" não entram na luta.
Mas é imperdoável que um lutador não pare para estudar, não seja também um intelectual. (...)
Cartilha "Trabalho de base” da Consulta Popular, organizada por Plínio de Arruda Sampaio e Ranulfo Peloso.

Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária.
V. I. Lênin

Quem diz que sabe, mas não sabe fazer, ainda não sabe.
F. Dostoievski


O apreço pela formação teórica revolucionária é uma característica marcante e de enorme destaque na vida de toda organização socialista séria. Por isso é errônea a ideia de que a formação, seja individual ou coletiva, deve ficar secundarizada para quando der, como se sua importância fosse menor que a de uma atividade de panfletagem ou de organização de um ato, por exemplo. Tal linha de pensamento é muito comum nas organizações reformistas que costumam separar a teoria da prática. Em geral e não por mero acaso, nesses tipos de organizações há tarefismo desenfreado, seguidismo aos dirigentes, embriaguez autoproclamatória, ausência de critica e autocrítica, pouca democracia interna e por aí vai.

Dizemos que não é por mero acaso, pois se impera uma divisão de tarefas onde um polo detém o conhecimento e, portanto manda no outro polo que apenas cumpre tais tarefas de forma acrítica, não podendo haver assim condições democráticas de debate interno. Fatalmente, também não haverá política revolucionária e logo, sobrará tarefismo pros militantes de base. O tarefismo por sua vez nos dificulta o pensamento e mina a capacidade de questionar. Quando não fazemos o exercício de nos questionarmos e questionarmos as nossas inúmeras certezas que cristalizamos nas nossas mentes, fica fácil cair na embriaguez autoproclamatória, no culto aos dirigentes e na reprodução de chavões. Dessa forma o militante passa a crer que seu dirigente é infalível e que sua corrente é detentora da sacra verdade revolucionária revelada por São Marx. Nessas condições, o militante dificilmente pode crescer, pois, ou quebra e se afasta da luta para procurar respostas em outro lugar ou se consolida como senso comum de esquerda e como sabemos, o senso comum é e sempre será um obstáculo à consciência revolucionária. Infelizmente, é fácil, extremamente fácil encontrar casos assim em boa parte das correntes.

Feita essa primeira ressalva, não queremos dizer que devemos ser dogmáticos com o marxismo como quem lê o evangelho ou que devamos canonizar os autores consagrados. O marxismo não é a chave mágica para o reino da revolução, é na verdade um poderoso e útil guia (e não um manual) para a compreensão do mundo e ação transformadora de milhares de revolucionários. Ser dogmático não é o mesmo que ter convicção. Os sectários têm uma enorme dificuldade de entender assim e por isso vivem isolados. Como se sabe, as seitas e os dogmas também não são lá muito úteis para as revoluções.

Em geral, um militante se move pela dúvida. Esta é, a priori, uma grande aliada, pois ela nos arranca do comodismo e nos empurra adiante para que saiamos em busca de respostas:

- Como rebato o argumento da tendência liberal que está se construindo no meu curso e diz que o capitalismo é viável para os pobres?
- No meu trabalho, alguém disse que o socialismo é impossível, pois é impossível que trabalhadores consigam governar. Onde acho exemplos na história que provam o contrário?
- Será mesmo o estado de Israel o detentor legitimo dos diretos sobre o território da Palestina?

Apoiamos-nos na premissa de que a formação militante não se resume a quantidade de livros que se tenha lido ou a quantidade de grupos de estudos que se tenha realizado. Claro que uma boa bagagem literária que possa nos prover conhecimentos em marxismo, história, filosofia, sociologia, economia e inclusive em cultura geral, é sem dúvida nenhuma, fundamental. Mas formação não se limita somente a esse aspecto unilateral do aprendizado.

Acreditamos, na verdade, que a formação política é o resultado do acumulo literário somado à experiência prática executada no cotidiano, formando assim uma totalidade bem mais abrangente e complexa que a mera soma das partes. Para ser um bom militante não basta ter só erudição sem que se tenha uma prática diária onde pôr à prova seus conhecimentos e principalmente, que saiba assimilar o que se aprende com espírito crítico e autocrítico:

A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva [...] não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza interior [...] de seu pensamento. (...) Marx e Engels, A ideologia Alemã.

Afirmamos isso, pois entendemos que diferente do que a rigor se crê, a teoria revolucionária marxista é uma ciência e como tal, não é possível assimilá-la inteiramente na academia ou em manuais, como se esta fosse uma peça forjada que se adquire ou se dá ou um receita de bolo com ingredientes reunidos que se prepara segundo um esquema pré-definido. Ao contrário, marxismo se aprende tão somente quando fincamos os pés no campo da luta de classes real e concreta. Afirmar isso é ainda mais importante, diante da tendência muito comum que se desenvolve em muitos grupos embrionários, de adaptar-se às vicissitudes da rotina acadêmica, o que acaba neutralizando a ação do grupo tornando-o um inofensivo clube de intermináveis debates, possivelmente tutelado por algum guru-professor universitário.

A isso chamamos de academicismo. Podemos citar como exemplo de desvio academicista aqueles camaradas que conhecemos por estudar muito e não militarem e que em muitas vezes são bastante vaidosos, para não dizer, narcisistas. São companheiros que às vezes dominam a teoria muito bem, mas como não são militantes, muitas vezes se saem desastrosos quando tentam fazer uma análise de conjuntura ou não têm a menor ideia de como fazer um bom trabalho de base com agitação e propaganda na base do seu curso ou como organizar uma chapa de CA, por exemplo. Ora, convenhamos que só a informação de como nadar, de pouco serve para a prática da natação.

Por outro lado, claro que não queremos incorrer num outro desvio, de natureza obreirista, e dizer que academia não tem nada de útil a nos oferecer. Menos ainda queremos ser impiedosos com aqueles camaradas que dedicam sua vida à atividade intelectual. Na verdade há muitos intelectuais que bastante contribuíram pra formação teórica da classe trabalhadora. Com esse argumento queremos tão somente ponderar que a atividade militante é uma totalidade que envolve múltiplos aspectos de forma acumulativa, cíclica, permanente e dialética: estudo, prática, reflexão crítica e autocrítica, assimilação, estudo... 
 
Nesse sentido, fazemos questão de recorrer às palavras de um antigo marxista argentino:

O marxismo fala de unidade inseparável entre teoria e prática. O marxismo não crê que estas sejam coisas distintas e complementares entre si. O marxismo nega que a teoria seja um complemento da prática, ou vice versa. Para o marxismo, a teoria e a prática não são mais que momentos de um mesmo processo que é a práxis, Isto é, a ação do homem.

No mesmo texto, o autor em questão se refere a ninguém menos que Lênin, da seguinte forma:

(...) Lênin era um homem de ação. Mas não de ação sem verdade. Para ele - e para o marxismo - a ação não se opõe ao pensamento; a ação exige o pensamento. Para o marxismo, a prática política é uma prática consciente. E para o marxismo, a prática não significa apenas adaptar-se ao existente, mas sim ter habilidade técnica para atuar sobre o existente. Para o marxismo, prática significa conhecimento profundo da realidade e ação plenamente consciente, ou seja, baseada no conhecimento. (...) Milciades Peña, O que é marxismo?

Um bom militante deve buscar sempre elevar seu conhecimento. Precisa crer que está em permanente construção intelectual e, portanto deve repudiar a ideia arrogante de que já sabe o bastante. Falamos de conhecer não só o marxismo, a lógica dialética, a economia política ou a história do movimento operário, mas de ter cultura geral mesmo, instruir-se em outros segmentos do conhecimento humano como o cinema, a literatura, as ciências, os idiomas, etc. Não na intenção de nos tornarmos aquele típico personagem diletante e presunçoso, pedante e sem raízes na classe trabalhadora, alheio à prática militante e pretenso guia genial da humanidade, mas para nos tornarmos militantes que consigam superar a si mesmos no dia a dia e sermos melhores em nossa atividade revolucionária diária. Quem faz já sabe, quem pensa sobre o que faz, faz melhor, ensina a sabedoria popular. Nessa perspectiva, a experiência dos velhos bolcheviques é inspiradora:

(...) Naturalmente, nem todos os bolcheviques são mananciais do conhecimento, porém sua cultura lhes eleva muito por cima do nível médio das massas. Em suas fileiras se contam alguns dos intelectuais mais brilhantes da época. Sem duvida alguma, o revolucionário profissional bolchevique difere muito do precoce burocrata descrito por seus inimigos. (...) Pierre Broué, O Partido bolchevique.

Há outro desvio tão grave e tão comum quanto o academicismo ou o obreirismo, que é o movimentismo, o ativismo pelo ativismo que se basta das tarefas cotidianas como um fim em si mesmo. Tais vícios, como já assinalamos, são traços próprios das organizações reformistas, nãos das revolucionárias.

Na história das principais organizações revolucionárias, a formação sempre teve lugar privilegiado. Mesmo a grande revolução russa em sua fase preparatória, foi precedida pela existência de inúmeros círculos operários que se reuniam para estudar o marxismo. Alguns intelectuais marxistas do calibre de Plekhanov, Martov, Lênin, Vera Zasulich e Trotsky começaram sua experiência de militância no interior desses círculos ilegais, onde sua tarefa, além do estudo do marxismo, era a alfabetização de trabalhadores combinada com a agitação e propaganda clandestina do socialismo e da luta contra a monarquia.

Mas a formação de bons militantes marxistas, aliás, não é das tarefas mais simples. Requer disciplina, esforço e dedicação, pois afinal marxismo é uma ciência, uma concepção de mundo que abarca um amplo espectro de conhecimento. Marx nos ensinava que em toda a ciência o difícil é o começo. Em que pese essa dificuldade, ela pode ser amenizada com o estudo coletivo que é uma excelente forma de estudar.

Via de regra, se não há uma conjuntura propícia, em que a classe trabalhadora esteja em luta ofensiva, a tarefa da formação revolucionária torna-se particularmente penosa. Na verdade, acreditamos que na experiência da luta um revolucionário consegue educar-se com mais rapidez, amplitude e profundidade, do que em épocas onde as condições de luta não estão muito favoráveis. Aqui vale o conselho de um revolucionário veterano:

A verdadeira educação das massas nunca pode estar separada de sua luta política independente e, sobretudo, da luta revolucionária. Só a luta educa a classe explorada, só a luta revela a magnitude de sua força, amplia seus horizontes, desenvolve sua inteligência e forja sua vontade. Lênin, Jornadas Revolucionárias, 1905

A burguesia no seu processo de formação e desenvolvimento social, muito antes de tomar o poder na Europa já havia iniciado sua revolução no campo ideológico com o iluminismo e com o incentivo ao mecenato [1]. Apoiando-se na intelligentsia, ela foi criando as condições históricas pra tomar de assalto em definitivo o mundo feudal, que já estava caminhando para a ruína. Na medida em que ela assentou os alicerces da sua dominação ideológica, ampliou seu poder político/econômico e vice versa. Não é gratuita a ideia exposta no capitulo primeiro d’A Ideologia Alemã de Marx e Engels:

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem a sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual.

(...)

Os indivíduos que compõem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que eles o fazem em toda sua extensão, portanto, entre outras coisas, que eles dominam também como pensadores, como produtores de ideias, que regulam a produção e a distribuição de ideias de seu tempo; e, por conseguinte, que suas ideias são as ideias dominantes da época. (...)

Em contrapartida, a classe trabalhadora luta por sua emancipação partindo de condições bem mais precárias, pois em primeiro lugar, ela sequer é classe para si, ou seja, (ainda) não desenvolveu consciência de classe nem conhece sua própria história; admira e vota nos seus inimigos de classe; reproduz a retórica burguesa e mesmo seus sindicatos ou partidos, muitas vezes, também podem servir como correia de transmissão da ideologia burguesa; pode até cumprir papel de polícia patronal, diante de uma eventual greve, por exemplo, quando alguém fura a greve ou cabueta outro trabalhador grevista; é cotidianamente alienada e embrutecida pelo individualismo, consumismo, violência, álcool, religião, pornografia, machismo, homofobia, racismo, etc. Enquanto que pra cada quadro que se forma em meio à classe trabalhadora e vira um bom tribuno revolucionário leal e dedicado, a burguesia edifica seu estado maior intelectual formando centenas de, Adam’s Smiths, Ciro’s Gomes, Fernando’s Henriques ou Delfin’s Netos nas suas Oxford’s ou Havard’s da vida, com carreiras, títulos, prestígio e toda sorte de benesses materiais.

É possível vencer a burguesia que dispõe desses formidáveis recursos e impõe uma desigualdade abismal nas condições de luta? Trotsky dizia que a essência da tragédia é alentar grandes planos, porém dispor de meios precários. A burguesia nos lançou nessa trágica situação onde nos privaram de quase todas as possibilidades de vencê-los. Mesmo assim, com todo peso do seu esforço, nem a burguesia nem o stalinismo puderam apagar algo que é muito caro para nós revolucionários: a memória histórica da luta de classes.

Por suposto que é possível vencê-los. Estamos convictos disso, pois a história de todo o séc. XX está recheada de provas que mostram que é perfeitamente possível dobrá-los e derrotá-los. A batalha maior a ser empreendida pela nossa geração nesse século que recém se abriu se inicia com a batalha por recuperar a consciência classista entre as parcelas mais jovens, mais numerosas e mais exploradas do proletariado e por resgatar a ideia de que o socialismo é tão necessário quanto possível. Isso se dá, participando de cada pequena greve ou mobilização estudantil, popular ou sindical, combinando apoio e solidariedade classista com intensa agitação e propaganda revolucionária. Como nos ensinou aquele conhecido filósofo alemão, as ideias que penetram nas massas ganham força material, portanto, a formação revolucionária e o resgate permanente dessa memória histórica da luta de classes são algumas das mais valiosas armas que dispomos na disputa pela consciência da classe trabalhadora.

Em particular, achamos que as atividades de estudo e teoria sempre devem ter por critério central, a formação de mulheres revolucionárias. É vital incentivar que cada vez mais, mulheres revolucionárias revelem seus talentos e que surjam grandes oradoras, excelentes propagandistas, ótimas escritoras, eminentes organizadoras, boas intelectuais marxistas orgânicas e assim por diante, pois é necessário desmontar a hegemonia masculina muito comum nas organizações de esquerda. Ora, se metade da classe trabalhadora é do sexo feminino, não faz o menor sentido que à frente das organizações de esquerda estejam majoritariamente camaradas do sexo masculino. Isso é uma distorção absurda. Além do quê, se já é difícil que um camarada homem se revele um grande quadro, por tudo que já expusemos acima, para que se desenvolva uma grande revolucionária mulher então, isso se torna um desafio de redobrada dificuldade, pois contra ela jogam diversos fatores: o machismo da sociedade patriarcal que inclusive se reflete no interior das organizações de esquerda, a pressão das famílias, namorados, etc. Logo, é obrigação da organização revolucionária refletir em suas fileiras o protagonismo da mulher proletária, dando todas as condições para que as companheiras se desenvolvam plenamente, cabendo à organização servir-lhe de contra-mola a todas essas pressões retrógradas que puxam a mulher revolucionária para o beco obscuro da servidão doméstica e patriarcal.

Por fim, o trato de um revolucionário para com o conhecimento deve ser sempre de extremo zelo e rigor, tanto do ponto de vista de quem passa um conhecimento como de quem recebe, trabalhando na perspectiva de quanto mais conhecimento for socializado, melhor. Vale mais uma vez recorrer aos ensinamentos daquele velho teórico argentino:

O marxismo recusa a concepção tradicional do ensino como um processo em que uma pessoa ativa ensina e muitas pessoas passivas aprendem. Esta concepção, que se baseia na divisão entre teoria e prática, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, deve ser trocada por uma que vê o ensino como um processo criador, no qual todo o grupo – o que ensina e os que aprendem – trabalham ativamente, confrontando seus conhecimentos e suas ideias, e, através deste confronto, aquele que aprende consegue partilhar de um novo conhecimento e o que ensina aprofunda seus conhecimentos.

Engels disse a seus alunos: “a primeira coisa que devem aprender aqui é a estar de pé”. Quer dizer, em tensão, alertas e em atividade, em atitude criadora. “Se o aprender se limitasse simplesmente a receber, não daria resultado muito melhor que escrever em água”. Aquele que estuda algo deve recriar esse algo dentro de si mesmo. Não é questão de receber algumas noções de marxismo. É preciso investigar o marxismo, enfrentá-lo, penetrar profundamente na matéria que se requer aprender e deixar que essa matéria penetre profundamente no intelecto e na emoção daquele que aprende, caso contrário, não é possível a aprendizagem. Só se aprende através da investigação. De modo que nossa tarefa será investigarmos juntos o marxismo. Juntos teremos que descobrir e redescobrir o marxismo, começando por sua essência, que é o mais difícil de se captar, e fugindo das vulgarizações e simplificações de estilo de alguns manuais. (...) Milciades Peña, O que é marxismo?

Toda iniciativa como grupos de leitura e estudo de tal ou qual obra ou autor deve ser bem vinda e incentivada nas organizações revolucionárias, porém nunca podem ser vistas como um fim em si mesmo. Da mesma forma, todo grupo revolucionário pode e deve buscar nos intelectuais socialistas, de quem se requer boa didática e bom domínio de conteúdo, o apoio necessário nas atividades de formação sem, no entanto, criar uma perspectiva de tê-los como tutores ou guias, afinal a classe trabalhadora precisa que se formem bons militantes capazes de abstrair autonomamente sobre as grandes questões da luta de classes e do marxismo, e não um rebanho acrítico cujas ações e pensamentos são teleguiados por um suposto papa do conhecimento.

Se pra burguesia que a tudo torna mercadoria vale a lei do “time is Money”, para nós revolucionários o precioso pouco tempo livre que dispomos, é oportunidade de manter nossa saúde intelectual em dia.

Rechacemos com afinco o empirismo, o improviso artesanal e o pragmatismo militante dos oportunistas e socialistas amarelos em geral, que sempre desprezaram a teoria marxista com preconceitos tacanhos e frases rebaixadas. Deixemos o pedantismo do ambiente hermético e estéril da academia pros academicistas, pois lá é o lugar deles, não dos revolucionários. É de dentro de um ambiente saudável e de elevado nível intelectual e espírito critico e de ação consciente e, portanto, desalienada, de onde serão recrutados os grandes tribunos que servirão na linha de frente dos grandes combates da classe trabalhadora.

Bruno Rodrigues


Notas: 
[1] Conforme a definição apresentada no Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, Ed. Nova Cultural: 
 ILUMINISMO s.m 1. Movimento intelectual que caracterizou o pensamento europeu do séc. XVIII, particularmente na França, Inglaterra e Alemanha, baseado na crença do poder da razão para solucionar os problemas sociais. 
 MECENATO s.m (Do lat. Maecenas, n.pr.) Proteção dada às letras, às ciências e às artes, concedida por pessoas ricas e que as amam.

domingo, 10 de maio de 2015

Os burocratas e a adjetivação de classe no interior das organizações revolucionárias


Em seu quarto e último artigo da série "A propósito do regime interno do partido bolchevique", o professor Enio Bucchioni se vale não dos registros do Pierre Broué mas das posições de Leon Trotsky diante de uma grande polêmica surgida nos anos 1930 no interior da Oposição de Esquerda, e em especial do SWP, partido socialista dos trabalhadores nos Estados Unidos. O interesse de Enio aqui é detonar o maniqueísmo comum nos debates dentro das esquerdas que reivindicam o movimento operário desconstruindo argumentos que se propõem a resolver as diferenças de forma tremendamente simples (e desonesta) rotulando determinada posição divergente como fruto de uma pressão de classe estranha ao proletariado. A "adjetivação de classe" como nomeia o professor, não passa no fim das contas de uma herança maldita do stalinismo e da própria burocratização dos partidos revolucionários, não tendo absolutamente nada a ver com as experiências do leninismo, nem muito menos do trotskismo.

Não são os burocratas os que são os alvos de tal adjetivação. Pelo contrário, estes tem uma capacidade singular de se adaptar e se esconder. Como nos chama atenção o professor Enio: "Todo burocrata que se preze não larga jamais a direção do seu partido, qualquer que seja a política e a linha do mesmo."

Os demais textos de Bucchioni inicialmente divulgados no Blog Convergência também podem ser lidos aqui:

Boa leitura e esperamos que com ela, conclusões melhores ainda.

A propósito do regime interno dos bolcheviques: a visão de Trotsky


As divergências internas a um Partido significam necessariamente o reflexo da existncia de pressões de classe em seu interior, ou seja, numa discussão interna uma das alas é a “proletária, revolucionária” e as outras são pequeno-burguesas ou pró-burguesas?

Buscando debater com estes questionamentos, o texto a seguir narra, nas mais diversas situações e em anos distintos, seja no interior do partido bolchevique, seja posteriormente na IV Internacional, a compreensão de Trotsky sobre o regime interno das organizações leninistas. Não se pretende, nem seria possível, encerrar por aqui a concepção de regime interno de um partido desse tipo. Nosso objetivo, portanto, é fornecer informações para que todos os interessados no tema possam conhecer, aprofundar e meditar sobre as palavras, idéias e concepções desse grande revolucionário.

A burocracia stalinista reflete qual interesse de classes?

É muito comum a adjetivação de classe em relação aos adversários numa luta política com o objetivo de desqualificação dos oponentes, às vezes até mesmo de caráter pessoal. Em vez de argumentos, fatos e análises, tenta-se imprimir um rótulo desqualificativo para, na luta interna, ganhar militantes com pouca ou nenhuma formação marxista. A afirmação mecânica de que diferentes tendências em um partido representam diferentes frações de classe, porém, era estranha a Trotsky. Ao narrar uma de suas polemicas internas no partido bolchevique, ele afirmava

“Por outra parte, não há de se entender de maneira demasiadamente simplista o pensamento de quem sustenta que as divergências no Partido e, com maior razão, os reagrupamentos, não são outra coisa do que uma luta de influências de classes opostas. Em 1920, a questão da invasão da Polônia suscitou duas correntes de opiniões, uma que preconizava uma política mais audaz, e outra que predicava a prudência. Estas duas correntes diferentes constituíam tendências de classes? Não creio que se possa afirmar isso. Tratava-se somente de divergências na apreciação da situação, das forças e dos meios. O critério essencial era o mesmo para ambas as partes.
Acontece com frequência que o Partido está em condições de resolver um problema por diferentes meios. E, se nesse caso, se produzem discussões, é apenas para se saber qual desses meios é o melhor, o mais eficaz, o mais econômico. Segundo o problema em discussão, essas divergências podem interessar a setores consideráveis do Partido, porém isso não quer dizer necessariamente que exista uma luta entre duas tendências de classe”.[1]
Muitas vezes, uma maioria de uma direção partidária que caracteriza qualquer dissidência de desvios “pequeno-burgueses”, considere-se “revolucionária e proletária e sempre com a linha correta”. Como ficou comum em organizações stalinistas, elas tendem a se transformar numa burocracia permanente, numa fração majoritária que ‘toma o poder’ dentro do Partido. Em geral, há interesses materiais nesse tipo de agrupamento, mas há também o que se chama de “pequeno poder”, principalmente no interior de organizações muito pequenas. É a conquista do prestígio e a tentação de preservá-lo ad eternum, seja como for possível.

Esse “pequeno poder” é bem real, pois tende a alinhar ao seu redor os bajuladores desejosos de participar desse círculo. Dentro de tal corte, é muito comum que surjam os ataques mais raivosos contra todos aqueles que discrepam da linha oficial, com o objetivo de afastá-los do Partido. Isso é feito, muitas vezes, através da “auto exclusão”, ou seja, o(s) que está (ão) em minoria acaba (m) por se afastar “voluntariamente” da organização.

Assim se referia Trotsky sobre o poder da burocracia stalinista:
“Todo desvio pode, no curso de seu desenvolvimento, se converter na expressão dos interesses de uma classe hostil ou semi-hostil ao proletariado. Dito isto, o burocratismo é um desvio, e um desvio nada saudável; esperamos que esta afirmação não seja polemica. No momento que isso ocorre, ela ameaça desviar o partido de sua linha justa, de sua linha de classe; é aí que reside o perigo. Porém (e esse é um fato muito instrutivo e também um dos mais alarmantes) os que afirmam com maior nitidez, com maior insistência, e até brutalmente, que toda divergência de critérios, todo grupo de opinião, ainda que seja temporário,são uma expressão dos interesses das classes inimigas do proletariado, não querem aplicar esse critério à burocracia”.[2]

O centralismo democrático para Trotsky

No livro Em Defesa do Marxismo Trotsky fazia a perfeita relação entre o regime interno do Partido com seus militantes, com as tendências e frações provisórias. Deve-se assinalar que a única fração permanente foi a fração da burocracia incrustrada nas entranhas dos aparatos do Partido e do Estado soviético, e, por seus interesses como camada social, acabou por exterminar todas as outras tendências e frações. Todo burocrata que se preze não larga jamais a direção do seu partido, qualquer que seja a política e a linha do mesmo. Segundo Trotsky
“O regime interior do partido bolchevique se caracteriza pelos métodos da centralização democrática. A concordância dessas duas noções não implica nenhuma contradição. O partido velava para que suas fronteiras estivessem sempre estritamente delimitadas, porém entendia que todos os que pertencessem a essas fronteiras tivessem o direito de determinar a orientação de sua política. A liberdade crítica e a luta de ideias formavam o conteúdo intangível da democracia do partido. A doutrina atual que proclama a incompatibilidade do bolchevismo com a existência de frações está em desacordo com os fatos. É um mito da decadência. A história do bolchevismo é, em realidade, a da luta de sus frações. Como uma organização autenticamente revolucionária que se propõe a mudar por completo o mundo e reúne sob suas bandeiras aos negadores, aos sublevados, aos combatentes de toda temeridade, poderia viver e crescer sem conflitos ideológicos, sem agrupamentos, sem formações fracionais temporais?. A clarividência da direção do partido conseguiu atenuar e abreviar várias vezes as lutas fracionais, porém não pode fazer mais que isso. O Comitê Central se apoiava nessa base efervescente de onde extraia a audácia de decidir e ordenar. A perfeita justeza de sua linha lhe conferia uma alta autoridade, precioso capital moral da centralização”.[3]

Há quem pense, seja nas ideologias de direita, seja nos meios de esquerda, que o conceito de centralismo-democrático significa pura e simplesmente a submissão dos militantes partidários às decisões da cúpula dirigente. Assim, caberia tão somente aos adeptos do partido implementar, executar as diretrizes da toda poderosa direção partidária. Tal afirmação, porem, se choca com o trotskismo de Trotsky
“Os problemas de organização do bolchevismo estão intimamente ligados aos de programa e tática (…)
Sabemos que que o regime se baseava nos princípios do centralismo democrático. Se supunha, desde o ponto de vista teórico, (e assim foi, desde o começo, na prática) que esses princípios implicavam a possibilidade absoluta para o partido de discutir, de criticar, de expressar seu descontentamento, de eleger, de destituir, ao mesmo tempo que permitia uma disciplina de ferro na ação, dirigida com plenos poderes pelos órgãos dirigentes eleitos e removíveis. Se se entendia por democracia a soberania de todo o partido sobre todos os organismos, o centralismo correspondia a uma disciplina consciente, ajuizadamente estabelecida, que pudesse garantir de certo modo a combatividade do partido (…)
No decorrer dos últimos anos, temos visto os representantes de maior responsabilidade da direção do partido fazer toda uma série de novas definições da democracia no partido, que se reduzem, no fundo, a dizer que a democracia e o centralismo significam simplesmente a submissão aos órgãos hierárquicos superiores (…)
Não se pode conceber a vida ideológica do partido sem grupos provisórios no terreno ideológico. Até agora ninguém descobriu outra maneira de proceder”[4]

Naturalmente, os grupos são um “mal” necessário, tanto como as divergências de opiniões. Porém, esse mal constitui um componente tão necessário da dialética da evolução do partido com as toxinas com relação á vida do organismo humano.

Trotsky, as frações internas e as frações públicas

Em fins da década de 1930 e começos dos anos 1940, houve uma imensa luta interna no Socialist Workers Party (SWP) norte-americano. A discussão, em essência, era sobre a defesa ou não da União Soviética, das conquistas da revolução de Outubro face à guerra mundial que se avizinhava e a possibilidade da União Soviética vir a ser derrotada pelo imperialismo.

Era uma questão de princípio, numa realidade bastante complexa, pois Stalin acabara de fazer um pacto com Hitler e, em consequência, o exército vermelho e os nazistas invadiram a Polônia e a ocuparam meio a meio.

A forte minoria, uns 40% do SWP, não defendia a União Soviética por causa da existência da burocracia stalinista e pela invasão da Polônia. Trotsky e a maioria do SWP defendiam as conquistas de Outubro e, em consequência, a luta mortal contra os imperialismos que ameaçavam invadir a União Soviética e esmagar aquelas conquistas colossais do proletariado mundial. Ao mesmo tempo, propugnavam a mais impiedosa luta pela revolução política contra o stalinismo.

A dimensão da democracia interna, nas palavras e propostas de Trotsky, assume uma preponderância extraordinária e é levada à máxima potência com o intuito de preservar a unidade do SWP até as últimas instâncias. No entanto, ao mesmo tempo, ele é totalmente inflexível na argumentação política contra a minoria.

Em meio a calorosas disputas com a minoria, Trotsky viria, em uma carta a Joseph Hansen, relembrar seus partidários da importância de garantir o mais amplo e livre debate como instrumento para preservar o partido. A importância política da disputa exigia flexibilidade democrática. Afirma Trotsky
“Alguns dos dirigentes da oposição estão preparando uma cisão; para isso apresentam a oposição, no futuro, como minoria perseguida. E muito característico de sua mentalidade. Creio que devemos responder-lhes mais ou menos da seguinte forma:
‘Vocês já estão preocupados com as nossas futuras repressões? Prometemos garantias mútuas para a futura minoria, independentemente de quem possa ser essa minoria, vocês ou nós. Estas garantias podem ser formuladas em quatro pontos:
1) Não proibição de frações;
2) Nenhuma restrição à atividade fracional, além das ditadas pela necessidade da ação comum;
3) As publicações oficiais devem, evidentemente, representar a linha estabelecida pelo novo Congresso ;
4) A futura minoria pode ter, se assim desejar, um boletim interno destinado aos membros do partido, ou um boletim comum de discussão com a maioria.’
A continuação dos boletins de discussão depois de uma larga discussão e um Congresso não é, evidentemente, uma regra, mais sim uma exceção, aliás, deplorável. Mas não somos, de modo algum, burocratas. Não temos regras imutáveis. Também no terreno organizativo somos dialéticos. Se temos no partido uma minoria importante que não está satisfeita com as decisões do Congresso, é incomparavelmente preferível legalizar a discussão depois do Congresso, do que ter uma cisão.
Se for necessário, podemos inclusive ir mais longe e propor-lhes publicar, sob a supervisão do novo Comitê Nacional, resumos especiais da discussão, não só para os membros do partido, como também para o público em geral. Devemos ir o mais longe possível neste aspecto, com o fim de desarmar as suas queixas, que são no mínimo prematuras, colocando-lhes obstáculos que impeçam a preparação de uma ruptura.
De minha parte, acredito que, nas atuais condições, o prolongamento da discussão, se canalizada com boa vontade pelas duas partes, só pode servir para a educação do partido”.[5]

Parlamentarismo, sindicalismo e o regime interno

A burocratização dos partidos revolucionários, principal responsável pela morte dos debates internos, se relaciona a diversos fatos. Muitas vezes, nas democracias-burguesas mais estáveis, à adaptação ao regime liberal-burguês é o principal responsável por isto.

Nestes casos, corre-se o risco do partido sofrer pressões eleitoreiras. Também é um fato que sempre existiram organizações que queriam mais e mais parlamentares achando que o socialismo poderia vir através de uma maioria no Parlamento e/ou fazendo alianças com setores “progressistas“ da burguesia. Esse perigo existe.

Deve-se relembrar, no entanto, que a falência da II Internacional há um século não foi apenas pela adaptação ao Parlamento e aos governos de seus respectivos países. Os poderosíssimos sindicatos dominados pela antiga socialdemocracia também tiveram papel central nessa adaptação. Tanto os ambientes parlamentares como os sindicais refletem ideologicamente no interior de qualquer partido e podem criar correntes e agrupamentos reformistas, ainda que camuflados por uma verborragia superradical.
“Seria uma imbecilidade pensar que a ala proletária do partido é perfeita. Os trabalhadores só alcançam gradualmente uma clara consciência de classe. Os sindicatos sempre criam um caldo de cultivo para desvios oportunistas. Inevitavelmente teremos que enfrentar essa questão numa das próximas etapas. Mais de uma vez o partido terá que recordara seus próprios militantes sindicais que uma adaptação pedagógica às camadas mais atrasadas do proletariado não deve se transformar numa adaptação política à burocracia conservadora dos sindicatos. Toda nova etapa de desenvolvimento, todo aumento nas fileiras do partido e a complexificação dos métodos de seu trabalho, não somente abrem novas possibilidades como também engendra novos perigos. Os operários nos sindicatos, ainda que educados na mais revolucionária das escolas, frequentemente desenvolvem a tendência a se liberar do controle do partido”[6]

Trotsky, a juventude e o regime interno

Entre os instrumentos para garantir a vida sadia no partido, Trotsky via na rebeldia justa dos jovens um potente aliado. O espirito questionador, dinâmico e não-conformista da Juventude seriam importantes barreiras à burocracia.

No artigo sobre o “Novo Curso”, assim Trotsky entendia a juventude estudantil na sociedade pós-revolucionária e no interior do Partido, relacionando-os com o regime partidário e o processo de burocratização em curso:
“Esta última (a juventude estudantil) como temos visto, reage de maneira particularmente vigorosa contra o burocratismo. Justamente Lenin havia proposto, para combater o burocratismo, recorrer decididamente aos estudantes. Devido à sua composição social e suas vinculações, os jovens estudantes são um reflexo de todos os grupos sociais do nosso partido, assim como seu estado de ânimo. Sua sensibilidade e seu ímpeto os levam a imprimir imediatamente uma força ativa a esse estado de ânimo. Como estudam , eles se esforçam para explicar e generalizar. Isso não quer dizer que todos os seus atos e estados de ânimo reflitam tendências sadias. Se assim ocorresse, significaria, e não é esse o nosso caso, ou que tudo marcha bem no partido ou que a juventude já não é o reflexo do partido.
Em princípio, é justo afirmar que nossa base não são os estabelecimentos de ensino, mas os núcleos de fábrica. Porém, ao dizer que a juventude é nosso barômetro, designamos um valor não essencial às suas manifestações políticas, mas algo sintomático. O barômetro não cria o tempo, apenas se limita a registrá-lo. Na política, o tempo é formado na profundeza das classes e nos terrenos onde essas classes entram em contato entre si….
(…) Além disso, um setor considerável de nossos novos estudantes são comunistas que tiveram uma experiência revolucionária bastante importante. E os partidários mais obstinados do “aparato” se equivocam enormemente ao desprezar essa juventude que é nosso meio de autocontrole, que deverá tomar nosso lugar e a quem pertence o futuro”.[7]

Assim era o regime interno para Trotsky, em perfeita continuidade com o partido bolchevique e com Lenin, o grande artífice e criador do partido e do regime interno.

Assim era o regime interno da IV Internacional enquanto viveu o seu maior dirigente.

Assim deve ser o regime para todos os que aderiram ao legado desses dois dos nossos maiores mestres.

Referências bibliográficas:
TROTSKY, Leon. Textos sobre o Centralismo Democrático. Buenos Aires: Antídoto, 1992.
TROTSKY, Leon. Em Defesa do Marxismo. São Paulo: Proposta, s.d.

 Notas:
[1] Trotsky, 1923, p 29
[2] Trotsky, 1923, p 28
[3] Trotsky, 1937
[4] Trotsky, 1923, 47-48
[5] Trotsky, 1940
[6] Trotsky, 1940
[7] Trotsky, 19

domingo, 3 de maio de 2015

Monolitismo e bolchevismo não combinam. Nem mesmo em plena guerra.


Em seu terceiro dos quatro artigos sobre o regime interno do Partido Bolchevique, o professor Enio Bucchioni trata das frações públicas logo após a revolução de outubro tomando como exemplo as contendas que envolveram a paz em separado com a Alemanha e seus desdobramentos no decorrer da guerra civil que assolou os estados soviéticos até 1921.

Com mais este texto Bucchioni reforça a ideia de um perfil de organização que de absolutamente nada teve de monolítico, convivendo com disputas duríssimas não só em seu interior como também publicamente sem que isso significasse expulsões ou esfacelamentos dos setores em posições antagônicas.

Em resumo: Monolitismo e bolchevismo não combinam. Nem mesmo em plena guerra.

Boa leitura e caso ainda não tenha lido os artigos anteriores você pode fazê-los aqui e aqui.

A propósito do regime interno dos bolcheviques após Outubro: as frações públicas


Mal triunfada a revolução de Outubro na Rússia, uma polêmica infernal explode no partido bolchevique. Segundo a descrição de Pierre Broué, ela era levada outra vez por Kamenev e diversos outros dirigentes do partido. O processo político em torno desse debate em muito nos ajuda a compreender os motivos do surgimento das frações públicas no partido de Lenine como os bolcheviques lidavam com suas divergências políticas.

Em 29 de outubro, quatro dias após a insurreição, uma reunião do Comitê Central, onde estão ausentes Lenin, Trotsky e Stalin, aprova negociar uma coalizão governamental com os mencheviques e socialistas revolucionários, partidos cujas alas direita abandonaram o II Congresso pan-russo dos sovietes que aprovou a insurreição e a tomada do poder. Os bolcheviques Riazanov – presidente dos sindicatos de Petrogrado em fevereiro – e Lunacharsky – comissário do povo para a Educação – declaram estar de acordo com a eliminação de Lenin e Trotsky do governo se esta for a condição para a constituição da coalizão com todos os partidos socialistas.

Em nova reunião, o Comitê Central rechaça essa postura. Lenin propõe a imediata ruptura de negociações. Já Trotsky quer prossegui-las em busca de condições que darão garantias de respondência aos bolcheviques no seio da coalizão com os partidos que no congresso se opuseram ao poder criado pelos sovietes. A condição seria que aceitassem reconhecer os sovietes como um fato consumado, assumindo suas responsabilidades a este respeito. A proposta de Trotsky é aprovada no Comitê Central. 

As frações publicas em luta

Apesar da vitória na proposta de Trotsky, nem todos se sentem contemplados pela deliberação da direção. A partir dela, se inicia, em publico, uma disputa política que extrapola as fronteiras do partido. Segundo Broué
a minoria bolchevique não se resigna, pois crê que a resolução do Comitê Central impedirá, de fato, qualquer tipo de coligação no governo. Kamenev, que segue presidindo o comitê executivo dos sovietes, propõe a demissão do conselho dos comissários do povo exclusivamente bolchevique, presidido por Lenin, e a constituição, em seu lugar, de um governo de coalizão.[1]
Kamenev propõe, publicamente e por fora dos órgãos partidários, a destituição do governo composto por Lenin e Trotsky. Nada mais, nada menos! Em seguida, narra Pierre Broué
[o bolchevique] Volodarsky opõe a essa moção aquela que foi adotada pelo comitê central. Durante a votação, numerosos bolcheviques comissários do povo [equivalentes aos ministros de um governo burguês] como Rikov, Noguin, Lunacharsky, Miliutin, Teodorovich e Riazanov, assim como alguns responsáveis do partido como Zinoviev, Lozovsky e Riazanov votam contra a resolução apresentada pelo seu próprio partido.
Lenin, num manifesto que se difunde por todo o país, chama os dissidentes de desertores. Em outras palavras, o regime interno dos bolcheviques vai para o espaço e as frações políticas do partido se expressam publicamente. Segundo Broué, Lenin não admite qualquer tipo de vacilação: se a oposição não aceita as decisões da maioria, ela deve abandonar o partido
A cisão seria um fato extremamente lamentável. Contudo, uma cisão honrada e franca é, na atualidade, mais preferível do que uma sabotagem interna e o não cumprimento de nossas próprias resoluções.[2]
Não houve a cisão. A oposição é condenada pelo conjunto dos militantes e pelas passeatas de operários e soldados que haviam aprovado a insurreição. Kamenev, Miliutin, Rikov e Noguin assim como Zinoviev, seguem no partido. Segundo Broué, Zinoviev escreve no Pravda de 21 de novembro de 1917
Nosso direito e nosso dever é advertir o partido de seus próprios erros. Contudo, permanecemos com o partido. Preferimos cometer erros com milhões de operários e soldados e morrer com eles do que nos separarmos deles nesta hora decisiva da história. Não haverá, não pode haver uma cisão no partido.[3]
Os fatos acima descritos mostram com precisão como era maleável o regime interno dos bolcheviques e como funcionava o centralismo-democrático frente às questões políticas transcendentais concernentes aos destinos da revolução de Outubro. A democracia interna é elevada à enésima potência e as opiniões divergentes são expostas publicamente, todos os militantes são chamados a decidir e até mesmo a massa de operários e soldados interveio nos rumos do partido. Assim era o partido de Lenin. Assim não foi o partido de Stalin.

Os debates sobre a guerra ou paz com a Alemanha imperialista

Os tempos posteriores a Outubro colocaram os bolcheviques em imensas discussões internas para poderem decidir os rumos da primeira revolução socialista da história. Formaram-se, em distintas ocasiões, grupos, tendências, frações internas e frações públicas, como era, então, a tradição do partido bolchevique.

Um dos casos mais importantes foi sobre a continuação ou não da guerra contra a Alemanha imperialista. Desde o começo do I Guerra Mundial, a ditadura tzarista havia feito um bloco beligerante ao lado da França e Inglaterra contra a Alemanha, Itália e o império austro-húngaro. Lenin, então exilado na Suíça, redige um manifesto do Comitê Central do partido em que afirma

Não há dúvida alguma de que o mal menor, desde o ponto de vista da classe operária e das massas trabalhadoras de todos os povos da Rússia, seria a derrota da monarquia tzarista que é o mais bárbaro e reacionário dos governos, o que oprime o maior número de nacionalidades e a maior proporção da população da Europa e da Ásia.[4]

A revolução de outubro materializou o pensamento leninista. No entanto, a derrubada do czar ainda manteve, em tese, a Rússia na guerra contra o imperialismo alemão. Assim relata Broué

para o governo bolchevique, a paz se converte numa necessidade absoluta, tanto para satisfazer o exército e o campesinato, como também para ganhar tempo com vistas à  revolução na Europa.  A manobra é delicada: é preciso, simultaneamente, negociar (a paz) com os governos burgueses e lutar politicamente contra eles, isto é, utilizar as negociações como uma plataforma de propaganda revolucionária. Há que se evitar qualquer aparência de compromisso com um ou com o outro dos bandos imperialistas.[5]

As negociações se iniciam na cidade de Brest-Litovsky em novembro de 1917, ou seja, imediatamente após a revolução, entre uma delegação russa e uma alemã, já que o outro bando imperialista – França e Inglaterra, aliados dos czares – se negou a delas participar. Um armistício é assinado em 2 de dezembro, permanecendo os exércitos russo e alemão inamovíveis em suas respectivas posições territoriais. As conversações de paz começam em 22 de dezembro e Trotsky é designado pelo governo soviético para encabeçar a delegação russa.

Em 5 de janeiro, o governo alemão, através do general Hoffman, coloca na mesa a proposta do imperialismo: a Polônia, Lituânia, Rússia branca e metade da Letônia – todos eles territórios da então Rússia –devem permanecer ocupadas pelo exército alemão. É dado aos soviéticos apenas dez dias para dizer se aceitam, sim ou não. Se sim, a paz é assinada. Se não, a guerra continua. 

As três posições do comitê central dos Bolcheviques

Segundo Broué, a delegação russa abandona Brest-Litovsky com uma posição baseada nas propostas de Trotsky
Devem os bolcheviques ceder ao facão que ameaça com decapitá-los? Podem opor resistência, como sempre disseram que fariam em semelhante circunstância, declarando a ‘guerra revolucionária’? Nem Lenin, que defende a primeira dessas posturas, nem Bukarin, partidário da segunda, conseguem a maioria no Comitê Central, que, por último, resolve seguir a posição de Trotsky por 9 votos a 7, que é colocar um fim à guerra sem assinar a paz.[6]
No entanto, no dia 17 os alemães lançam um grande ofensiva nas frentes de guerra. Lenin propõe ao Comitê Central retomar as negociações de paz com a Alemanha. Novamente Lenin perde e sua proposta é derrotada por 6 a 5. Bukarin se junta a Trotsky e impõem retardar o recomeço das negociações de paz até que fique claro o rumo da ofensiva alemã e seus reflexos no movimento operário dos dois países.

No dia 18 o Comitê Central volta a se reunir, já que o avanço das tropas alemãs é profundo e rápido na Ucrânia, país que, a época, fazia parte da Rússia. Lenin, ao saber disso, propõe recomeçar as negociações, Trotsky o acompanha nessa votação e ela é aceita por 7 votos a 5.
o governo soviético, em consequência, tomará de novo contato com o Estado Maior alemão, cuja resposta chega no dia 23 de fevereiro. As condições se tornaram ainda piores… Desta vez se exige a evacuação da Ucrânia, Livônia e Estônia. A Rússia vai ser privada de 27% de sua superfície cultivável, de 26% de suas vias férreas e de 75% de sua produção de aço e de ferro.[7]
O tratado que mutila a Rússia é assinado no dia 3 de março de 1918 em Bret-Litovsky. A retirada da guerra foi um dos principais objetivos da revolução e uma das prioridades do recém-criado governo bolchevique. Impopular entre os russos devido às imensas perdas humanas – cerca de quatro milhões de mortos- essa guerra havia trazido fome para todo o povo e uma desmoralização e decomposição do exército do czar frente às derrotas nos campos de batalha. Contraditoriamente, ela foi um dos fatores vitais para o sucesso de Outubro, já que os soldados, em sua imensa maioria camponeses, foram ganhos para a política dos bolcheviques pela oposição principista do partido ao confronto armado.

Os termos do Tratado de Brest-Litovski eram humilhantes. Através deste, a Rússia abria mão do controle sobre a Finlândia, Países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Polônia, Bielorrússia e Ucrânia, bem como dos distritos turcos de Ardaham e Kars, e do distrito georgiano de Batumi. Estes territórios continham um terço da população da Rússia, metade de sua indústria e nove décimos de suas minas de carvão.

O regime e os ‘comunistas de esquerda’

A decisão do Comitê Central de aceitar a paz com os imperialistas alemães, longe de aquietar os bolcheviques e fazer com que a minoria acate a decisão da maioria (como muitos poderiam pensar que funcionava o regime interno e o centralismo-democrático dos revolucionários de 1917) provocou ainda mais discussão no partido. Bukarin e Uritsky, ambos membros do Comitê Central, junto com Piatakov, presidente dos Comissários do Povo em Kiev e Vladimir Smirnov, dirigente da insurreição de outubro em Moscou. O grupo se afasta de suas funções e retomam a liberdade de agitação dentro do partido. Segundo Broué
o comitê regional de Moscou declara que deixa de reconhecer a autoridade do Comitê Central até que se leve a cabo a reunião de um Congresso extraordinário (…)
Baseado numa proposta de Trotsky, o Comitê Central vota uma resolução que garante a Oposição o direito de se expressar livremente no seio do partido. O jornal moscovita dos bolcheviques, o Social Democrata, empreende uma campanha contra a aceitação do tratado (de Brest- Litovsky) desde o dia 2 de fevereiro. A República soviética da Sibéria se nega a reconhecer a validade (do tratado de paz) e permanece em estado de guerra coma Alemanha.[8]
Essa descrição de Broué mostra toda a versatilidade o regime interno dos partido enquanto Lenin viveu; como é necessário adaptar essa estrutura organizativa aos desígnios da luta de classes e às decisões que todos os militantes do partido deveriam tomar.

Contrariamente ao que o stalinismo divulgou posteriormente, não há Comitê Central todo-poderoso e monolítico, não há “direção histórica” de Lenin e Trotsky que conseguiriam, organizativamente, impor suas posições de cima a baixo pelas goelas dos militantes.

Diga-se de passagem, não há nada de excepcional nessa divergência que se materializou em frações públicas. Não seria a primeira vez, como já vimos nas discussões sobre a insurreição, nem a última em que as travas organizativas pudessem impedir as discussões entre os bolcheviques. Mais a frente, nas páginas de Broué sobre o partido bolchevique, pode-se ver que é sob a batuta do stalinismo que se encerrará toda e qualquer discussão no seio do partido. Dessa maneira, o bolchevismo será sepultado. Como diria Trotsky cerca de 10 anos depois, Stalin será o coveiro da revolução.

Narrando a logica das frações publicas, Broué afirma
no dia 4 de março, o comitê do partido em Petrogrado publicou o primeiro número de um jornal diário, o Kommunist, cujo comitê de redação está formado por Bukarin, Karl Radek e Uritsly, e que será, daqui em diante o órgão público da oposição, cujos integrantes serão conhecidos como ‘comunistas de esquerda’.[9]
O Congresso do partido é realizado, tal qual pleiteia a oposição, mas estes ficam em minoria e suas teses são derrotadas. Nesse Congresso, entre outras coisas, a fração bolchevique abandona em definitivo o nome de social–democracia, que daqui em diante ficará propriedade até os dias atuais de todos os mencheviques que rastejam por esse mundo afora. É adotado o nome de partido comunista russo (bolchevique).

A continuidade legal da fração após o Congresso

No entanto, as discussões sobre fazer ou não a guerra revolucionária contra a Alemanha imperialista seguem. O jornal público da oposição, o Kommunist passa a ser semanal. Porém, o panorama muda radicalmente pouco tempo depois. Em 25 de maio de 1918, estala a guerra civil contra os inimigos da revolução de outubro que se sublevaram militarmente, guerra que permanecerá por cerca de dois anos e meio.

Em junho, a ala esquerda do partido Socialistas Revolucionários, os SR, que fazia parte do governo soviético, “decide empreender uma campanha terrorista com o objetivo de que se recomece as hostilidades contra a Alemanha. Por ordem do seu Comitê Central, um grupo de SR de esquerda, do qual faz parte o jovem Blumkin, membro da Checa, comete um atentado com êxito contra a vida do embaixador da Alemanha, o conde Von Mirbach. Outros SR de esquerda, que também pertencem à Checa, prendem alguns responsáveis comunistas e tentam provocar um levantamento em Moscou.”[10]. Os comunistas de esquerda, com Bukarin à frente, vão participar da repressão aos SR de esquerda e se integram por completo nas frentes de batalha da guerra civil.

Um ano mais tarde, em 13 de março de 1919, Segundo Broué, Lenin assim se referirá aos episódios das divergências sobre o tratado de paz com a Alemanha imperialista e sobre os “comunistas de esquerda” dos bolcheviques
A luta que se originou em nosso partido no ano passado foi extraordinariamente proveitosa: suscitou inumeráveis choques sérios, porém não há luta que não tenha choques.[11]
Assim Lenin compreendia as divergências internas, como algo fecundo, positivo para o partido. A democracia era o pré-requisito para a unidade na ação e o mais eficaz antídoto contra toda e qualquer divisão do partido. Assim era o partido bolchevique!


Bibliografia

BROUÉ, Pierre. El partido bolchevique, Editorial Ayuso, 1973, Madrid
LENIN, Vladimir. Oeuvres Complétes, Tomo XXVI,

[1] Broué, 139
[2] Lenin, 293
[3] Broué, 139
[4] Broué, 107
[5] Broué, 155
[6] Broué, 156
[7] Broué, 157
[8] Broué, 158
[9] Broué, 158
[10] Broué, 162
[11] Broué, 162