terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Direitos iguais pra minha mulher? E quem vai fazer minha janta?


Há pouco tempo atrás, em uma atividade de propaganda para trabalhadores rodoviários em Fortaleza, minha esposa, que é uma ativista feminista, falou aos presentes sobre a necessidade de se defender os direitos iguais entre homens e mulheres. Um dos trabalhadores, meio que indignado com tamanha heresia,  disparou: "direitos iguais pra minha mulher? E quem vai fazer a minha janta?". A tensão estava instalada. O motorista expressou nada mais nada menos que o sentimento comum à imensa maioria dos homens e por incrível que possa parecer para alguns, também de uma imensa quantidade de mulheres. Seu azar é que falou em um auditório onde estavam presentes militantes feministas que nem que a vaca tossisse deixariam barato tal questionamento absurdo. E não deixaram. Já ele, levantou e saiu. Mas quer saber de uma coisa? Foi exatamente aquele trabalhador, que do alto de seu machismo, conseguiu expressar com a máxima simplicidade e mesmo sem querer, uma das questões fundamentais no debate da igualdade de gênero.

Parece brincadeira mas sinceramente não é.

O famigerado trabalho doméstico é o principal grilhão das mulheres trabalhadoras na sociedade capitalista. Quebre estas correntes e as consequências inclusive sobre aspectos como a violência contra a mulher sofrerão profundas mudanças das quais sequer conseguimos hoje ter quaisquer dimensões. Tire o fardo do cozinhar, lavar, passar, limpar, varrer entre tantas outras atividades das mulheres trabalhadoras e um mundo novo tende se abrir não só para essas mulheres mas também para seus companheiros. E isso sem falar no cuidar dos filhos que via de regra ainda recai mais sobre as mães que sobre os pais.

Segundo levantamento realizado pelo IBGE as mulheres colaboraram com 27 horas semanais em serviços domésticos no ano de 2011 enquanto os homens dedicaram 11 horas, pouco mais de um terço do esforço de suas companheiras. Somadas às 44 horas da jornada de trabalho brasileira, as mulheres trabalhadoras chegam à absurda quantidade de 71 horas de trabalho por semana. Essa é a famosa e maldita dupla jornada feminina.

E afinal de contas como enfrentar essa tal dupla jornada? Educando para que homens e mulheres dividam o trabalho cotidiano? Sim, educar é importante, mas honestamente não é suficiente. Mais do que tentar explicar aos homens que devem compartilhar o peso do trabalho doméstico com suas companheiras é preciso medidas concretas para enfrentar a pequena economia doméstica. Exatamente isso. Enfrentar! E isso só se pode ser feito por medidas governamentais com o sentido da transformação em massa dessa famigerada atividade que embrutece, oprime, sufoca e humilha mulheres. É preciso remover da esfera doméstica o lavar e o passar construindo lavanderias púbicas. Levar o "cuidar dos filhos" para o âmbito das creches e escolas públicas de qualidade em tempo integral, ao mesmo tempo que é preciso reduzir a jornada dos pais para que tenham mais tempo para conviver com suas crianças. É preciso garantir que haja milhares e milhares de restaurantes populares de forma que nem haja condição material de se questionar "quem vai fazer a janta". Medidas que dêem a condição de trabalho assalariado o esforço que recai como trabalho extra e sem remuneração sobre mulheres trabalhadoras.

Impossível? Claro que não! Mas se pode fazer isso no capitalismo? Bem... tanto quanto se pode fazer uma reforma agrária por exemplo que só pode ser tida como impossível porque não há como levá-la adiante sem enfrentar interesses dos grandes capitalistas. O governo da presidenta Dilma, por exemplo, poderia fazer isso? Bom... poder até poderia... se houvesse de fato interesse em fazê-lo, mas a presidenta já provou que não tem a menor disposição para tanto (nem na reforma agrária, nem muito menos na libertação das mulheres do trabalho doméstico). Isso nos leva a uma questão muito importante, que é a de que não será simplesmente "empoderando" mulheres que enfrentaremos os verdadeiros grilhões que aprisionam as trabalhadoras. As Luiziannes Lins, Anas Júlias, Micarlas de Sousa e Roseanas Sarneys que o digam. É preciso muito mais. É preciso subverter a sociedade que vivemos. É preciso derrotar o capitalismo. E é preciso que a esquerda, em especial a revolucionária, abrace realmente a necessidade da defesa desse conjunto de medidas como fundamentais para a emancipação de homens e mulheres.

Aos que não entendem o que isso tem a ver com a esquerda revolucionária encerro com um trecho do diário em que a comunista alemã Clara Zetkin cita o que disse Lênin sobre a questão da mulher:
"...odiamos tudo aquilo que tortura e oprime a mulher trabalhadora, a dona de casa, a camponesa, a mulher do pequeno comerciante e, em muitos casos, a mulher das classes possuidoras. Exigimos da sociedade burguesa uma legislação social em favor da mulher, porque compreendemos a situação destas e seus interesses, aos quais dedicaremos nossa atenção durante a ditadura do proletariado. Naturalmente, não o exigimos como fazem os reformistas, utilizando palavras brandas para convencer as mulheres a permanecer inativas, contendo-as. Não, naturalmente não, mas como convém a um revolucionário, chamando-as para trabalhar lado a lado a fim de transformar a velha economia e a velha ideologia".

6 comentários:

  1. Giambatista,

    Mas no que isso muda as relações de poder entre homens e mulheres?

    No que isso muda o relacionamento entre homens e mulheres no espaço doméstico e no espaço público?

    O que acontece aí é apenas transferência, para um terceiro, das tarefas de manutenção da casa, daquilo que seria de responsabilidade de todos que compartilham o espaço doméstico.

    A solução para as relações desiguais entre homens e mulheres trabalhadores que a revolução propõe é: já que a mulher não mais terá a obrigatoriedade de fazer o jantar, que outro o faça. Ou seja, o que interessa é que o jantar esteja pronto sem que eu precise me preocupar com ele.

    É isso?

    Compartilhar tarefas será tão difícil assim?

    Entender a mulher como também pertencente ao espaço público será assim tão difícil?

    Entender o homem como também pertencente ao espaço doméstico será assim tão difícil?

    Acho ótimo que existam lavanderias e restaurantes. Sou usuária contumaz desses serviços. Mas não acho que será a partir disso que mudaremos as relações de gênero.

    O papel subalterno/doméstico/servil reservado à mulher não é consequência do capitalismo. O capitalismo apenas se aproveita e ganha com isso. Mas não é a causa.

    Comprar comida no restaurante e ter a roupa passada na lavanderia não garante igualdade de voz.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Cora,

      Sem a exclusão da dupla jornada de trabalho feminino todo e qualquer medida de "empoderamento" não passa de distração. Reivindicar simplesmente que homens e mulheres dividam o trabalho doméstico é esconder o problema que o Estado deveria resolver e relegá-lo à esfera da família. Ou o Estado assume o que deveria ser responsabilidade ou veremos mudanças homeopáticas na dupla jornada.

      Na medida em que um instrumento de opressão estatal é destruído (trabalho doméstico feminino) novas relações entre homens e mulheres passam a ser construídas. A questão é bem mais profunda do que qualquer solução na esfera da família.

      Uma pesquisa do final do ano passado publicado pela Agência Brasil mostra que De um total de 800 mulheres pesquisadas, 98% disseram que, além de trabalhar, precisam se dedicar à casa. Se esse trabalho fosse remunerado somaria R$ 67,5 bilhões por mês em todo o país. Isso é um valor que o Estado simplesmente deixa de fazer e empurra para a esfera doméstica essa famigerada atividade que tal como disse antes embrutece, oprime, sufoca e humilha mulheres.

      É preciso enfrentar o trabalho doméstico o transformando massivamente em uma economia pujante e viva, empregando homens e mulheres.

      Se junto a isso, aumentamos o salário mínimo de acordo com que o prevê a Constituição, diminuímos a jornada de trabalho e garantimos salário igual para trabalho igual estaremos diante de modificações na estrutura econômica e social da sociedade que terá impacto inclusive sobre a esfera política.

      A transformação não está no ato das mulheres se tornarem consumidoras mas no fato de deixarem de ser escravas do trabalho doméstico. É preciso transformá-lo. E isso se faz com política. A educação de que homens e mulheres devem dividir as responsabilidades é muito importante, mas é lenta e insuficiente. A libertação das mulheres dessa maldita atividade não deveria esperar gerações e gerações para ser efetivada.

      Talvez a grande maioria das mulheres das classes média e alta nem sequer percebam a necessidade disso, mas quão bom seria se tantas e tantas mulheres operárias pudessem ter tempo para estudar, ler e se divertir ao invés de terem que gastá-lo com afazeres domésticos?

      Isso é suficiente para dar igualdade de voz? Não. Mas não há possibilidade de haver igualdade de voz enquanto houver as correntes da dupla jornada.

      Abraços e um feliz 2013 pra você.

      Excluir
  2. "... mas como convém a um revolucionário, chamando-as para trabalhar lado a lado..."

    será mesmo?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que convém, convém.

      Os que não assumem isso para si boicotam à própria causa da revolução e não deveriam seque ser chamados de revolucionários. Não no sentido leninista e da revolução socialista.

      Abraços

      Excluir
  3. "E isso se faz com política."

    concordo plenamente.

    se faz com política.

    só questiono se a política mais acertada é a de que o estado assuma a tarefa pelos serviços domésticos.

    a mulher não é escrava do serviço doméstico. ela é escrava da concepção de que o espaço público não lhe pertence. o serviço doméstico é consequência dessa concepção.

    ainda hoje ela é considerada invasora de uma espaço que não é dela.

    a dupla jornada persiste por este motivo.

    as políticas que eu concebo pra começar a mudar isso não inclui que o estado lave a minha roupa ou prepare a minha comida.

    a política que eu concebo passa por campanhas que condenem e combatam seriamente o machismo. campanha mesmo, televisionada, por exemplo.

    com leis contrárias a programas e publicidade misóginos.

    passa por educação.

    passa pela ampliação da discussão sobre contracepção, dando à mulher, especialmente de baixa renda, o poder de decidir quando e como terá filhos.

    por leis sobre os direitos reprodutivos.

    por leis que condenem estupradores.

    que ampliem o serviço de creches e escolas.

    o estado deve, sim, assumir sua responsabilidade.

    só não sei se essa responsabilidade é passar roupas e preparar o jantar.

    ResponderExcluir
  4. te desejo também um feliz 2013.

    desculpe a falta de educação de não ter cumprimentado antes, é que não estou muito festiva.

    claro que você não tem nada com isso.

    por isso as desculpas.

    abraços.

    ResponderExcluir