Na noite anterior à realização da edição 2012 da marcha das vadias publiquei o post "porque sou contra a #marchadasvadias" partindo de uma reflexão que a marcha nem é de esquerda, nem deveria ser reivindicada pela esquerda, em especial a dita socialista. Passado o fim de semana e publicados os primeiros posts e fotos da marcha eis que sobram referências às participações do PSOL e do PSTU nas marchas em todo o país. O movimento mulheres em luta da CSP-Conlutas, central ligada ao PSTU, chegou inclusive a convocar a participação, o que faz necessário no mínimo uma análise um pouco mais cuidadosa sobre a marcha das vadias e assim ter a clareza se o evento merece ou não ser fortalecido.


É exatamente por isso que a tarefa fundamental posta pela marcha é a de "resignificar" a palavra vadia. Torná-la sinônimo de mulheres que sabem o que querem e que não estão aí pra seu ninguém porque ninguém tem nada a ver com isso. Agora, alguém honestamente acha que com isso a violência contra a mulher diminuirá um milímetro que seja? É claro que não, né? Mas isso por si só não invalida essa tarefa por mais que ela seja absolutamente sem sentido. O fato é que a demanda de mudar o significado de uma palavra não moverá a maioria das mulheres em nenhum lugar do mundo. Ela não encontrará eco nas imensa maioria das donas de casa que precisam é do fim do trabalho doméstico. Não tocará os corações das mães mais pobres (que são a maioria das mães) pois elas precisam mesmo é de creche. Ela não encontrará identidade nas operárias que precisam de salário igual pra trabalho igual, fim do assédio no trabalho, aumento do salário mínimo, e um largo etcétera. Nem muito menos moverá as próprias vítimas de violência que precisam de abrigos e leis mais duras contra seus agressores. Nada disso é a pauta central da marcha das vadias. Quem quiser acreditar que é que acredite mas simplesmente está se enganando. E vindo da esquerda socialista, infelizmente está ajudando a enganar os que nela confiam.
Por ser uma marcha da classe média ela não consegue enxergar o capitalismo como inimigo e sim a sociedade machista patriarcal. E já que o problema é com "a sociedade" o enfrentamento é com tudo e todos e ao mesmo tempo com ninguém. Não há porque por exemplo exigir ou enfrentar os governos de plantão. Não é a toa que o ponto alto da marcha na capital federal tenha sido o enfrentamento com um machista que ousou falar o que não devia a algumas participantes. Foi acuado, posto pra correr e preso. Mereceu. Mas é de um triste simbolismo que exatamente na cidade que é o coração do poder político no país tenha sido esse o principal acontecimento. E a Dilma, gente?
Por fim, para não perder a oportunidade gostaria de citar mais uma vez Lenin em sua conversa com Clara Zetkin, imaginando que de alguma forma isso deixe ao menos a dúvida em muitos socialistas honestos que defendem e participaram da marcha. O velho Ulianov após defender a necessidade de um forte movimento internacional de mulheres repreendera Zetkin por não ter impedido que o partido alemão dedicasse seu tempo e energia em debater com as operárias o quanto as relações sexuais e o matrimônio eram peças de museu, com o que Clara após justificar-se, concordou. Segue o trecho:
A que conduz, na final das contas, esse exame insuficiente e não marxista da questão? Ao seguinte: a que os problemas sexuais e matrimoniais não sejam vistos como parte da principal questão social e que, ao contrário, a grande questão social, apareça como parte, como apêndice do problema sexual. A questão fundamental é relegada a segundo plano, como secundária. Isso não só prejudica a clareza da questão, mas obscurece o pensamento em geral, a consciência de classe das operárias.Bem, depois de tudo isso dito e depois de recorrer pela segunda vez a Lênin, tenho absoluta clareza que muitos seguirão defendendo que a participação na marcha e a luta pela resignificação são importantes até porque participam sim mas de uma forma "diferente". Bom, eu honestamente espero que ao menos para alguns tenha ficado no mínimo a dúvida para que dela possa quem sabe nascer a correção dessa infeliz política.
Outra observação, que não é inútil. O sábio Salomão dizia: cada coisa a seu tempo. Peço-vos responder: é precisamente este o momento de manter ocupadas as operárias, meses inteiros, para falar-lhes do modo como se ama ou se é amado, do modo como se faz a corte ou se aceita a corte entre os vários povos, tanto no passado, como no presente e no futuro? E é isso que se denomina orgulhosamente de materialismo histórico?