sábado, 22 de junho de 2013

Cuidar com carinho da primavera brasileira para que não dê lugar a um duro e frio inverno.


Desde a última semana vivemos um desabrochar que rapidamente foi chamado por alguns de primavera brasileira. Um momento absolutamente novo tomou conta das ruas de todo o país. Somente no último dia 20, uma semana após o vandalismo policial contra o ato pela redução da tarifa em São Paulo, mais de um milhão e duzentos cinquenta mil brasileiros tomaram as ruas em mais de 100 cidades de todo o país em um levante popular histórico e inédito. Sim, isso é uma primavera.

Já não há quem tenha coragem de dizer que o povo brasileiro não luta, é frouxo, é covarde. São centenas de milhares que venceram a apatia e tomaram as ruas apesar do estampidos das balas de borracha e do gás sufocante que vem da polícia.

Já não é mais da Turquia, Egito ou Grécia que vem as imagens das ruas e praças ocupadas por manifestantes. As imagens vem da avenida Paulista, da Presidente Vargas, do prédio do Congresso nacional. E via de regra são imagens lindas. Imagens de encher os olhos.

O inusitado disso tudo é que aqui em nosso Brasil não temos um Mubarak, um Khaddafi ou um Bashar al-Assad como há tão pouco tempo enfrentaram os egípcios, os líbios e ainda hoje enfrentam os siríos. Apesar da inflação que vem crescendo nos últimos meses não agonizamos sob uma forte crise econômica como agonizam os gregos, italianos, espanhóis, portugueses e tantos outros povos desde o ano de 2008. E mesmo com os Felicianos, ruralistas e os mais fétidos resquícios da ditadura que empestam o cenário político nacional ainda não estamos vivendo um ambiente de exceção, autoritarismo e fanatismo religioso como os turcos fizeram mostrar ao mundo pelo que passa seu país ao defender a praça Geizi há tão pouco tempo. Não. Nada disso.

Também tornou-se imensamente inusitado que a grande massa que agora toma as ruas, toma não mais pelos 20 centavos tão justamente levantados pelo MPL em São Paulo e que agora caíram. Também não o fazem mais por solidariedade aos manifestantes de São Paulo que apanharam da Polícia, isso já está vencido. Falam que a luta é contra a corrupção e a roubalheira e é muito justo que assim seja mas honestamente não estamos vivendo nenhum novo grande escândalo no país. Falam que luta-se contra a PEC 37 mas ninguém tem dúvida que a quase totalidade dos que agora querem sua não aprovação sequer faziam ideia do que raios era uma PEC há pouco mais de uma semana. É comum, muito comum o clamor por saúde e educação mas quando reparamos bem nos rostos de boa parte dos que agora lutam nos vem a impressão que possivelmente uma grande maioria deles estudam em escolas ou faculdades particulares e não são em grande medida usuários do Sistema Único de Saúde. 

Como explicar tudo isso então?

Bem.... lembra daquela história de que a "esperança venceu o medo" pois é pelo que parece ela cansou de esperar, perdeu a paciência e agora foi pra rua. Dez anos se passaram desde que o presidente operário foi eleito e o novo Brasil, tão prometido e celebrado em imensas ondas vermelhas, simplesmente não veio. No lugar do pleno emprego, a precarização do trabalho. No lugar do serviço público de qualidade, o apoio ao individualismo na forma dos planos de saúde, faculdades privadas, previdência complementar e transporte próprio. No lugar do salário digno as prestações a perder de vista. No lugar da reforma agrária, a insegurança cada vez maior das nossas cidades. E tudo isso regado àquele papo de que tá tudo certo, tudo lindo e "joiado" como nunca se viu na história desse país.

Pra fechar a encomenda fomos presenteados com um retrocesso ideológico que tomou conta do país como base da construção das novas gerações. Os empresários tornaram-se parceiros, passou a ser chique dar dinheiro pro FMI, ser de esquerda ou de direita perdeu o sentido e um arsenal de ideias que deixariam manifestantes do passado horrorizados tornaram-se lugar comum. Os dez anos de governo do PT foram uma verdadeira década perdida do ponto de vista ideológico. E é bem aí que mora um dos perigos das flores secarem e só deixarem os espinhos.

Como não entendem as diferenças entre os partidos, entre "esquerda e direita, direitos e poderes", é comum ouvir o grito "sem par-ti-do" em todas as manifestações. Bem... do grito de guerra à guerra propriamente dita o limite é muito pequeno e tanto é assim que nem só de belas imagens foram feitas as manifestações dos últimos dias. Algumas foram bem feias e não é a toa que foram celebradas pela grande imprensa. Bandeiras foram tomadas e quebradas assim como militantes de esquerda agredidos. O grito de "sem vi-o-lên-cia" foi rapidamente substituído por uma intolerância absolutamente descabida. De belo isso não tem absolutamente nada. É assustador.

Mas um outro grande perigo que ronda nossa primavera é o de deixar de cuidar das flores e simplesmente se concentrar nos espinhos. É bom registrar que a intolerância sempre existiu nos grandes centros urbanos do país, o ódio organizado a gays e nordestinos não é novidade. Os fascistas, órfãos e viuvas dos generais que governaram o país entre 1964 e 1985 ainda seguem por aí muitas vezes infestando as redes sociais com suas ideias fétidas e carcomidas. Ocorre que esse lixo humano também está nas ruas. Ao passo que é preciso combatê-lo não é possível reduzir a atenção a unicamente isso.

Nossa primavera está aí. Nem todas as rosas desabrocharam. As mais decisivas fundamentalmente seguem sem mostrar suas cores. A classe trabalhadora não tomou as ruas. É preciso escutá-la e convocá-la a colocar nesse grande jogo seus interesses e necessidades.

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